Ó Jesus, a minha alma tem se de de Vós, fonte de água viva. Que eu me aproxime de Vós e beba.
1 – Jesus afirmou, por várias vezes, que é uma fonte de água viva para todos aqueles que acreditam nEle, e convidou as almas a aproximarem-se da Sua nascente, porque – como disse `samaritana – “o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede” (Jo. 4, 13). Mas o convite mais solene a dessedentar-se na Sua fonte, foi feito por Jesus no último ano do Seu ministério, dirigindo-Se à multidão que enchia o templo por ocasião da festa dos Tabernáculos… De pé, no meio da multidão, dizia em alta voz: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. O que crê em mim… do seu seio correrão rios de água viva” (Jo. 7, 37 e 38). A sede de que fala Jesus é a sede da verdade e da justiça, a sede da paz e da felicidade verdadeiras; é sobretudo a sede de Deus, a necessidade, o desejo vivo e ardente dEle.
Quem procurou dessedentar-se nas torrentes das coisas da terra, experimentou que estas não bastam à sua sede, e se lhe deram algumas gotas de verdade, de justiça, de paz e de alegria, deixaram-no ainda mais sedento que antes, e então compreendeu que só Deus é a fonte que pode dessedentá-lo. Mas qual é a água de que Jesus Se declara a fonte e que promete a todos? É a água vivificante da graça, única capaz de apagar a nossa sede de infinito, pois que, tornando-nos participantes da natureza divina, nos permite entrar em relações íntimas com Deus e viver coma Trindade que habita na nossa alma, numa palavra, nos abre as portas da intimidade divina.
“A graça do Espírito Santo – ensina S. João Crisóstomo – quando entrou numa alma aí se estabeleceu, jorra com mais força que qualquer outra fonte; não cessa mais, não seca, não se esgota nunca. E o Salvador, para exprimir este dom inexaurível, esta energia infalível, chama-lhe fonte e torrente, e chama-lhe também água que jorra, para indicar a sua força e o seu ímpeto”. A força da graça é tão grande que é capaz de lançar a alma em Deus, de a conduzir à intimidade e à união divinas, primeiramente aqui na terra, pela fé e pelo amor, e depois no céu, pela visão beatífica.
2 – A mortificação liberta a alma de todo o obstáculo que poderia retardar o desenvolvimento da graça e, por consequência, o amor e o ímpeto da própria alma para Deus; a oração, por sua vez, que consiste essencialmente num contato íntimo com Deus, alimenta este amor e este ímpeto.
A mortificação prepara o terreno para o encontro amoroso com Deus, a oração realiza este encontro e, pondo a alma em contato atual com Deus, fonte de água viva, dessedenta-a e restaura-a. Neste sentido, os santos, e particularmente os santos contemplativos, viram sempre na água viva, prometida por Jesus, não só a graça santificante, mas também as graças particulares de luz e de amor que são uma consequência daquela e que a alma alcança sobretudo durante a oração, nos momentos de íntimo contato com Deus. trata-se de uma luz e de um amor que não são apenas fruto da atividade da alma, mas que o próprio Deus, mediante a atuação dos dons do Espírito Santo, infunde nela: por meio deles a alma adquire um “sentido” totalmente novo de Deus. Não se trata de ideias novas ou de conceitos novos, mas antes de um conhecimento experimental que deriva doa mor e particularmente do amor que o próprio Deus desperta na alma; trata-se de um “sentido’ profundo da Divindade, pelo qual a alma se dá conta, não por raciocínios ou demonstrações, mas pr via de experiência, que Deus é muito diferente de todas as criaturas, é o único, é tão grande que merece verdadeiramente todo o afeto do seu coração. Este modo novo de conhecer a Deus, esta experiência nova com Deus e das coisas divinas, é na verdade uma água viva que dessedenta a alma. É a água viva da oração que, logo após a ação divina, se torna ainda mais profunda, mais íntima, mais contemplativa; é a água viva da contemplação. A contemplação é um dom de Deus. Ele, como diz Sta Teresa de Jesus, “dá-a quando quer e como quer” (Vi. 34, 11). Oferece-a a todos, ao menos de uma certa forma, todavia só a concederá de fato àquelas almas que se aplicam com generosidade à mortificação e à oração.
Colóquio – “Ó verdade, luz da minha alma, não permitais que me falem as minhas trevas. Deixei-me cair nelas e achei-me na escuridão. Mas também ali, sim, também ali eu Vos amei. Errei e lembrei-me de Vós. Ouvi dentro de mim a Vossa voz que me convidava a voltar. Ouvia-a com dificuldade por causa do barulho das paixões rebeldes. E eis que regresso sequioso e anelante à Vossa fonte. Que ninguém me detenha. Que eu beba e viva…
“Como o veado deseja a fonte das águas assim a minha alma suspira por Vós, Senhor! A minha alma tem sede de Vós, ó Deus, fonte viva; quando irei e comparecerei na Vossa presença? Ó fonte viva, veia das águas dos vivos, quando irei às águas da Vossa doçura, desta terra deserta, impraticável e árida, para ver o Vosso poder e a Vossa glória e para que a minha sede se sacie nas águas da Vossa misericórdia? tenho sede, Senhor, tenho sede Vós, fonte viva…
“Ó fogo que sempre ardeis e que não Vos extinguis nunca, acendei-me! Ó luz que brilhais sempre e que nunca Vos apagais, iluminai-me! Oh! se me fosse dado inflamar-me em Vós, ó fogo sagrado! Quão docemente ardeis, quão secretamente resplandeceis, de que maneira desejável abrasais! Ai daqueles que não ardem em Vós, que não são iluminados por Vós, ó Luz verdadeira que iluminais todo o homem, ó Luz que de Vós encheis o mundo!
“Eu Vos dou graças, ó meu iluminador e Libertador, pois me destes luz e eu Vos conhecei. tarde Vos conheci, ó verdade antiga, tarde Vos conheci, ó verdade eterna! Vós estáveis na luz e eu estava nas trevas; não Vos conhecia porque não podia ser iluminado sem Vós, e não há luz sem Vós!” (Sto Agostinho).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.