Ó Bondade infinita que Vos comunicais incessantemente às criaturas, ensinai-me a imitar-Vos.
1 – O bem não se encerra em si mesmo; a sua característica é difundir-se, é comunicar-se aos outros, “bonum diffusivum sui”. Quanto mais o bem é verdadeiro, mais tende a difundir-se; Deus é o sumo Bem, por isso é o bem sumamente difusivo. Primeiro, Deus derrama-Se em Si mesmo, no seio da Santíssima Trindade: O Pai comunica ao Filho toda a Sua divindade, essência, vida, bondade, beatitude divinas; o Pai e o Filho juntamente, comunicam-Se ao Espírito Santo. Nesta comunicação essencial, total, incessante, absoluta, consiste a vida íntima de Deus, consiste o mistério da Santíssima Trindade; eis a suprema realização do axioma: “bonum diffusivum sui”.
Mas a Bondade infinita quer também difundir-se fora de si, e deste modo Deus chama à existência um número indizível de seres, aos quais comunica de modo e em grau diverso, um pouco da Sua bondade. Deus cria as criaturas não porque tenha necessidade delas, pois nada podem acrescentar à Sua beatitude e glória essenciais, mas cria-as somente para expandir para fora de Si a Sua bondade infinita. Deus não quer as criaturas por nelas haver algum bem, alguma coisa digna de amor, mas, ao criá-las, fá-las participar no Seu bem e torna-as amáveis. Deus comunica-Se às criaturas unicamente porque é bom e goza em partilhar o Seu bem com outros seres. A bondade de Deus é tão grande que pode comunicar-se a um número infinito de criaturas sem jamais se esgotar; a bondade de Deus é tão comunicativa que torna bom tudo o que toca e amáveis todas as criaturas. Esta bondade é a razão do teu ser e da tua vida; criando-te, imprimiu em ti o Seu rastro e continua a envolver-te e a penetrar-te sem cessar. Examina o teu coração e vê se conserva o cunho da bondade divina; examina os teus pensamentos, os teus sentimentos, as tuas ações e vê se resplandece neles o reflexo da bondade infinita.
2 – A bondade de Deus é tão gratuita que se comunica às criaturas sem que elas o mereçam; é tão liberal que sempre as precede e não deixa de derramar sobre elas as Suas luzes ainda que, abusando da sua liberdade, se mostrem indignas. A bondade divina é tão longânime que não Se detêm perante as ingratidões, as resistências, nem mesmo perante as ofensas das Suas criaturas, mas persegue-as sempre com a Sua graça. Deus teria absoluto direito de responder aos pecados dos homens tirando-lhes a vida e todos os bens que lhes concedeu, porém a Sua bondade infinita prefere responder com novos dons, com novas provas de benevolência e diz: “Não quero a morte do ímpio, mas sim que se converta do seu mau proceder e viva” (Ez. 33, 11).
Considera agora a tua bondade e vê como é mesquinha, ruim, calculadora e interesseira, comparada com a de Deus. Quantas vezes ages também como os pagãos de que fala o Evangelho, “os quais amam só aqueles que os amam” (cfr. Mt. 5, 46). És bom com quem é bom para contigo, prestas os teus serviços a quem te paga com igual moeda; mas és muitas vezes duro e avarento dos teus dons para com aqueles de quem não podes esperar nenhuma recompensa. Não te acontece. porventura, ser doce e benévolo para quem aprova e partilha as tuas ideias e, inversamente, áspero e pouco benigno para com quem te é contrário? Em face da frieza, das ingratidões, das ofensas e por vezes até das pequenas faltas de atenção, a tua bondade detém-se, afasta-se, encerra-se dentro de si mesma e já não és capaz de te mostrar benévolo para com o próximo. Repara, pois, como a tua bondade é infinitamente diferente da de Deus. Vê como precisas de meditar nas palavras de Jesus que te convidam a imitar a bondade do Pai celestial: “Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam, para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus, o qual faz nascer o sol sobre bons e maus e manda a chuva sobre justos e injustos” (Mt. 5, 44 e 45).
Colóquio – “Ó Pai eterno! Ó fogo e abismo de caridade! Ó eterna clemência, ó esperança, ó refúgio dos pecadores! Ó bem eterno e infinito! Então Vós necessitais da Vossa criatura? Parece-me que sim, pois agis como se não pudésseis viver sem ela, Vós que sois a vida na qual tudo tem vida, já que sem Vós nada vive. Porque agis portanto assim? Porque Vos enamorastes da Vossa obra e Vos deleitastes nela como que inebriado pela sua Salvação? Ela foge de Vós e Vós ides buscá-la; ela afasta-se e Vós aproximais-Vos. Não podíeis aproximar-Vos mais dela do que revestindo-Vos da sua humanidade. E que direi? Farei como Jeremias e exclamarei: a, a, porque não sei dizer outra coisa, porque a língua finita não pode exprimir o afeto de uma alma que infinitamente Vos deseja. Parece-me ter de repetir a frase de S. Paulo quando disse: ‘Nem língua pode dizer, nem ouvido escutar, nem olho ver, nem coração pensar o que eu vi’. Que viste? ‘Vidi arcana Dei’, vi os mistérios inefáveis de Deus. E eu que digo? Nada quero acrescentar com os meus sentimentos grosseiros; apenas te digo, ó minha alma, que saboreaste e viste o abismo da Sua eterna providência. Por isso Vos dou graças, ó sumo e terno Pai, pela Vossa extrema bondade para com esta miserável, indigna de toda a graça.
“Acaso poderei eu, miserável, agradecer a caridade ardente que Vós, Senhor, tivestes para comigo e para com todas as Vossas criaturas? Oh, não! Só Vós, dulcíssimo e amoroso Pai, sereis grato e reconhecido por mim, isto é, o afeto da Vossa própria caridade Vos dará graças, porque eu sou aquela que não é. E se eu dissesse que sou alguma coisa por mim mesma, mentiria, porque só Vós sois Aquele que é. O ser e toda a graça recebi de Vós que tudo me destes e continuamente me dais por amor e não por obrigação.
“Ó bondade infinita, ó amor inestimável, admiráveis são as coisas que realizastes na Vossa criatura racional!” (Sta Catarina de Sena).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.