A caridade fraterna

Dignai-Vos, Senhor, fazer-me compreender o significado profundo da caridade fraterna.

1 – Jesus propôs-nos, como fundamento de toda a lei, não só o preceito do amor de Deus, “o máximo e o primeiro mandamento”, mas também o preceito do amor do próximo, declarando-o expressamente “semelhante” ao primeiro (Mt. 22, 38 e 39). É fácil compreender que o preceito do amor de Deus é o fundamento de toda a vida cristã, mas é mais difícil dizer o mesmo quanto ao preceito da caridade fraterna. Contudo Jesus uniu tão estreitamente estes dois mandamentos que temos de concluir que um não pode subsistir sem o outro e vice-versa. Ele não disse que tudo se reduz ao primeiro mandamento, o de amar a Deus, mas que “destes dois mandamentos [do amor de Deus e do amor do próximo] depende toda a lei e os profetas” (ib. 40). Por que motivo está tão unido o amor do próximo com o amor de Deus? E porque se faz dele a base única de todo o cristianismo? Porque a virtude da caridade fraterna não é amor da criatura em si mesma ou por si mesma, mas é amor da criatura “propter Deum”, quer dizer, por causa de Deus, por motivo das suas relações com Ele. Por outras palavras, devemos compreender que Deus nos manda amá-lO não só em Si mesmo, mas também nas Suas criaturas racionais que Ele quis criar à Sua imagem e semelhança. Como um pai deseja ser amado e respeitado não só na sua pessoa, mas também nos seus filhos, assim Deus deseja ser amado não só em Si mesmo, mas também nas Suas criaturas, e deseja-o de tal maneira que considera como feito a Si tudo o que se faz a qualquer pessoa. “Em verdade vos digo, que todas as vezes que vós fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt. 25, 40). A caridade fraterna é tão importante porque não é senão um prolongamento da caridade para com Deus, prolongamento que abrange todos os homens em vista de Deus seu criador e seu Pai. Justamente por este motivo o preceito do amor do próximo é inseparável do do amor de Deus.

2 – Deus deseja tanto ser amado no próximo que faz deste amor a condição essencial da nossa salvação eterna. Quando Jesus nos fala do juízo final, não dá outra razão para a justificação dos bons e para a condenação dos réprobos senão as obras de misericórdia realizadas ou omitidas para com o próximo. “Vinde benditos de meu Pai, possuir o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo”. E porquê? “Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber” (Mt. 25, 34 e 35). Tive fome nos pobres, tive sede no vosso próximo. Se é muito consolador pensar que Deus considera e recompensa como feitas a Si as obras de caridade feitas ao próximo, é do mesmo modo grave pensar que Ele considera e castiga como dirigidas a Si as faltas de caridade cometidas contra o mesmo próximo. Jesus, que é a personificação da bondade e da misericórdia infinitas do Pai celeste, não hesita em pronunciar a sentença de condenação e terna contra a aqueles que não amaram, nem socorreram, nem consolaram o próximo. Porquê? Porque: “Na verdade vos digo, todas as vezes que não fizestes [tais coisas] a um destes mais pequeninos, a mim o não fizestes” (Mt. 25, 45). Deus exige a prova concreta do nosso amor para com Ele no nosso modo concreto de proceder para com o próximo. Não devemos julgar que amamos a Deus quando não amamos os nossos semelhantes que, tal como nós, são imagens vivas do Pai celeste. Que importa se às vezes esta imagem está desfigurada pelos defeitos, pelo pecado e até mesmo pelos vícios? Apesar de tudo, continua a ser sempre imagem de Deus, imagem que a caridade nos deve fazer reconhecer, venerar e amar em todos os homens, seja qual for a condição em que se encontrem. Não podemos contentar-nos com amar a Deus só em ideal, devemos amá-lo realmente nas nossas relações concretas com o próximo: eis a prova mais certa do nosso amor a Deus.

Colóquio – “Ó caridade, és tão grande como o próprio Deus, porque é caridade. Voas tão alto que chegas ao trono da Santíssima Trindade e lá entras no seio do eterno Pai e do seio do pai desces ao coração do Verbo Incarnado, onde repousas e donde tiras o teu alimento. Assim, a alma que te possui procura alimentar-se só de Deus e nEle repousar e, depois de se ter alimentado e repousado, desde á terra a fim de que tu, ó caridade, te estendas também aos próximos, amando-os não somente com criaturas, mas como seres criados por Deus à Sua imagem e semelhança. Não te deténs a amar os corpos que são a casca, mas penetras no interior das almas, amando-as acima de tudo; não te deténs nos dons de Deus, mas sobes ao Doador e a todos amas unicamente nEle.

“Ó caridade, és tão sublime que nos unes a Deus. Tu podes tudo e geras na Igreja uma espécie de trindade à semelhança da Santíssima Trindade; porque assim como o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus e os três estão unidos e são um mesmo Ser, assim também pela tua virtude, ó caridade, chega até nós esta união porque tu unes a alma com Deus e cada um com o seu próximo formando na Igreja, de um modo invisível, uma espécie de trindade.

“Quem te possui, ó caridade, alimenta-se de Deus a ponto de se tornar semelhante a Ele pela graça e por aprticipação.

“Concedei-me, meu Deus, uma caridade tão perfeita que saiba condescender, ajudar, aliviar o meu próximo em todas as suas necessidades, enfermidades e fadigas e que saiba compadecer-se, com suma prudência, dos defeitos alheios” (cfr. Sta M. Madalena de Pazzi).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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