A caridade não é egoísta

Edmund Blair Leighton (1853-1922) A Caridade de Santa Elizabeth da Hungria

Ó Deus que me amastes desde toda a eternidade, e que sempre me amais desinteressadamente, ensinai-me a amar sem cálculo nem medida.

1 – “A caridade não busca os seus próprios interesses” (I Cor. 13, 5). Ser sensível às necessidades e aos sofrimentos alheios, estar sempre disposto a prestar ajuda ao próximo, não justifica que se exija uma compensação. A caridade tem a particularidade de se dar aos outros com generosidade, nada reclamando para si. “Fazei bem, e emprestai, sem daí esperardes nada; e será grande a vossa recompensa, e sereis filhos do Altíssimo que é bom para os ingratos e para os maus” (Lc. 6, 35). A caridade não dá para em seguida receber; dá sem cálculo nem medida, pois considera-se muito bem paga com a honra de poder servir e a amar a Deus nas Suas criaturas. A caridade ama, serve, dá-se, prodigaliza-se, pelo prazer de amar e servir a Deus no próximo, pela alegria de imitar a Sua prodigalidade infinita, pela alegria de se sentir filha do Pai celeste que a todos beneficia sem distinção. Que recompensa maior haverá do que poder chamar-se, e ser em verdade, filho de Deus? Para merecer esta única recompensa, a caridade procura fugir de todas as recompensas terrenas; por isso esconde o bem que faz: “Não saiba a tua esquerda o que faz a tua direita” (Mt. 6, 3), e procura de preferência beneficiar aqueles de quem não pode esperar nada em troca: “Quando deres algum jantar ou ceia, não convides os teus amigos nem os teus irmãos… para que não aconteça que também eles te convidem e te paguem com isso. Mas quando deres algum banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás bem-aventurado, porque esses não têm com que retribuir” (Lc. 14, 12-14). Como a lógica do Evangelho está longe dos nossos cálculos humanos!

Quando num coração nasce a paixão de se dar a Deus, nasce ao mesmo tempo a de se dar ao próximo unicamente por amor de Deus. Então esse coração já não faz distinção entre servir diretamente a Deus ou aos irmãos, mas vendo Deus em tudo, entrega-se aos irmãos para se entregar a Deus, dá-se ao próximo como se daria a Deus. É esta a disposição do coração de Paulo quando exclama: “De muito boa vontade darei o que é meu e me darei a mim mesmo pelas vossas almas, ainda que, amando-vos eu mais, seja por vós menos amado” (II Cor. 12, 15).

2 – “A caridade é paciente, é benigna… não se irrita” (I Cor. 13, 4 e 5). A caridade não se cansa, não perde a paciência com os ingratos; não se irrita perante as repulsas, mas persevera no amor e na beneficência. A caridade não pretende o agradecimento, não é melindrosa, não se considera ofendida pelas faltas de delicadeza ou de respeito, mas, apesar da frieza e da hostilidade que possa talvez encontrar em torno de si, continua na sua única ocupação: dar-se, dar-se sempre por amor de Deus. A caridade não é insensível ás ingratidões e ás ofensas; pelo contrário, quanto mais um coração é delicado no amor, mais sensível é a tudo o que se opõe ao amor. Contudo não se serve da sua sensibilidade para defender os próprios direitos, para protestar contra a ingratidão alheia ou reclamar justiça, mas sim para a sacrificar a Deus, em benefício dos que o fazem sofrer. Esta é a característica da caridade: “não se deixa vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem” (cfr. Rom. 12, 21).

No entanto, todos sabemos como isso é difícil e duro à nossa natureza egoísta e exigente. Às vezes, justamente quando uma alma se aplica com maior empenho a praticar uma delicada caridade fraterna, desperta nela um sentimento mais vivo de indignação e protesto perante as faltas de consideração de que é alvo. Isto é, evidentemente, uma tentação que se deve reprimir logo ao despontar a fim de não ganhar raízes; quem, sob pretexto de justiça ou de lição a dar aos outros, consente em tais sentimentos e age de acordo com eles, bem depressa se tornará uma pessoa intolerante, com grave prejuízo da caridade. Sobretudo na convivência com os outros, é necessário praticar esta caridade paciente, que sabe suportar os agravos pequenos ou grandes, as incompreensões e as ofensas, que sabe aceitar em paz as picadelas de alfinete sem mostrar que sofre, sem procurar desforrar-se dando a perceber que a fazem sofrer. Com a graça de Deus e à força de lutar contra os ressentimentos do amor próprio, devemos chegar a possuir esta caridade que se esquece completamente de si mesma, e então, no nosso meio, seremos “não juízes, mas anjos de paz” (T.M.J. CL.).

Colóquio – “Ó Deus eterno, a alma que em verdade Vos ama ocupa-se no serviço do seu próximo; e não pode ser de outro modo, porque o amor para conVosco e o amor para com o próximo são uma só coisa: a alma ama o próximo tanto quanto Vos ama a Vós porque o amor ao próximo provém de Vós.

“Este é o meio que Vós nos destes, ó Deus altíssimo, para praticarmos e darmos provas da nossa virtude, já que não podemos ser-Vos úteis, que o sejamos ao próximo. Por isso a alma enamorada de Vós, Senhor amabilíssimo, jamais deixará de se esforçar por ser útil aos seus irmãos, engenhando-se em descobrir as suas necessidades e em socorrê-los com prontidão.

“Ó meu Deus, Trindade eterna, Vós pedis que Vos amemos com o mesmo amor com que nos amais. Não podemos fazê-lo porque Vós nos amastes sem terdes sido por nós amado e, além disso, por muito que Vos amemos, amar-Vos-emos sempre por dever e nunca gratuitamente já que Vós fostes o primeiro a amar-nos. Portanto, sendo-nos impossível dar-Vos o amor que nos pedis, Vós destes-nos o próximo para lhe fazermos o que não Vos podemos fazer a Vós, isto é, amá-lo sem sermos precedidos por ele, gratuitamente e sem esperar vantagem alguma.

“Ensinai-me, pois, Senhor, a amar o próximo sem ser amado por ele, a amá-lo sem olhar à minha utilidade, mas só porque Vós me amais, só para pagar o Vosso amor gratuito. Assim cumprirei o mandamento da lei: amar-Vos sobre todas as coisas e ao próximo como a mim mesma” (cfr. Sta Catarina de Sena).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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