A cobiça

A origem de todos os meles é a cobiça. (I Tim. VI, 10).

Acontece de ordinário que a juventude, sempre pouco previdente, se inclina mais à prodigalidade do que a amontoar bens e riquezas.

Contudo não faltam exemplos de jovens avarentos. Nos tempos atuais, em que só se pensa nas coisas materiais, em que todos, grandes e pequenos, só aspiram a aumentar os seus bens, em que o progresso das artes mecânicas, as invenções modernas oferecem meios abundantes de satisfazer esta afeição desordenada, não faltam corações juvenis que começam a idolatrar o dinheiro.

Triste presságio de desgraças e calamidades! Fonte impura de inúmeros males!

Começas por apreciar em demasia os bens do mundo, considerando e festejando como grandes e felizes os que foram favorecidos com bênçãos temporais; apegas-te fortemente às riquezas e perturba-te qualquer contratempo nos interesses; o coração inquieta-se e consome-se em desejos de possuir; traças o caminho que te há de levar ao bem-estar para seguires por ele; mas debaixo dos teus pés cava-se um abismo de iniquidades de todo o gênero.

A cobiça é a raiz de todos os males (1).

Dela procedem os pequenos furtos e as grandes fraudes e roubos; a dureza com os pobres e necessitados; a miséria e avareza, a indiferença e frieza com Deus e as coisas divinas.

Não se pode servir a Deus e às riquezas (2).

Estas incham. O coração imagina que vai substituir os bens interiores pelos exteriores; põe a sua confiança no dinheiro, persuadido de que deste modo pode prescindir de Deus, e alcançar quanto quiser.

Efetivamente uma chave de ouro abre todas as portas; as do vício abrem-se de par em par apenas as vem tocar a varinha mágica do ouro e da prata. Os que desejam enriquecer caem nos laços de Satanás (3). É mais fácil passar um camelo pelo fundo duma agulha, do que entrar um rico no reino dos céus (4).

E que são as riqueas?

Não são pó e vaidade, como tudo o que é terreno? Não são falazes, instáveis e caducas? Não nos hão de ser arrebatadas à hora da morte? Néscio! esta noite virão arrebatar-te a tua alma: e para quem ficará tudo o que amontoaste? (5)

Quanto temor e desassossego lhe custam! Que dor e perturbação, quando sofre alguma perda! Se consegue os seus desejos, logo nele despontam outros. É insaciável!

Em verdade mais vale o pouco acompanhado pelo temor de Deus do que os grandes tesouros que jamais satisfazem (6).

Poderás talvez dizer, que só tens afeição ao dinheiro, enquanto ele é meio para gozar e brilhar.

Mas também neste caso o desejo das riquezas é fonte de muitos males, caminho do orgulho e da dissipação, e sepulcro do temor de Deus.

Examina pois, o teu coração. Se amas em demasia os bens da terra, modera esse ardor, e aprende a renunciar a eles.

És rica? Sabe que as riquezas foram a causa da perdição eterna de muitos.

Quão difícil é entrarem no reino do Céu os que confiam nas riquezas! (7)

Não ponhas nelas o coração, porque se não são más em si, são-no no afeto desordenado com que as estimamos. E este é como que um peso que nos arrasta para o abismo.

Vive com a simplicidade própria do teu estado; usa com moderação das riquezas, segundo a vontade de Deus.

Sê caritativa com os pobres, e alegra-te por Deus os ter confiado ao teu cuidado. Dá-lhes esmola, e observa a palavra do Senhor: Não amontoeis riquezas sobre a terra, onde a ferrugem e a traça as consomem, onde os ladrões as desenterram e roubam. Mas entesourai tesouros para o céu (8). Procurai amigos com as riqueza temporais (9). Experimenta em ti que é melhor dar que receber (10).

Que espetáculo tão encantador o de uma donzela caritativa!

Se és pobre, não te queixes; alegra-te por seres semelhante a Jesus na pobreza.

Esta não é baldão, quando não vem por culpa própria; e ainda neste caso, a submissão pode torná-la meritória. Deus criou igualmente o pobre e o rico (11).

Sê também pobre de espírito (12), porque de outro modo a pobreza não é meritória. Só aos pobres de espírito prometeu jesus o reino do céu.

Não confies nas riquezas, mas em Deus. Aquele que vestiu os lírios do campo com tanta magnificência, que até Salomão os invejaria, não se esquecerá dos homens (13). Busca em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, e o demais virá por acréscimo (14).

Se nem és rica nem pobre, não te descontentes por isso. Contentemo-nos com o necessário, a respeito de sustento e vestido (15).

Põe de parte todo o temor e tristeza; deixa-te de cuidados excessivos e de desejos desordenados.

Só há uma coisa necessária: que a nossa alma não se encontre pobre e sozinha. Para o alcançares confia os teus cuidados nas mãos do Senhor, e ele te sustentará. Deus não deixa iludida a esperança do justo (16).

A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.

(1) I Tim. VI, 10.
(2) Mat. VI, 24.
(3) I Tim. VI, 9.
(4) Mat. XIX, 24.
(5) Luc. XII, 20.
(6) Prov. XV, 16.
(7) Marc. X., 24.
(8) Marc. VI, 19-20.
(9) Luc. XVI, 9.
(10) Act. XX, 35.
(11) Prov. XXII, 2.
(12) Mat. V, 3.
(13) Mat. VI, 29-30
(14) Mat. VI, 33.
(15)Tim. VI, 8.
(16) Salm. LIV, 23.

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