Ó Jesus crucificado, pelos méritos da Vossa cruz ensinai-me a levar todos os dias a minha cruz.
1 – “O que não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim” (Mt. 10, 38). Com estas palavras o divino Mestre declara expressamente que levar a cruz é uma condição indispensável para ser Seu discípulo. A palavra cruz, porém, não deve fazer-nos pensar somente em sofrimentos especiais – os quais, embora não estejam excluídos, não são, em geral, coisas de todos os dias – mas leva-nos antes a pensar naqueles incômodos ordinários e quotidianos que não faltam nunca em nenhuma forma de vida e que devemos procurar abraçar como outros tantos instrumentos de progresso e fecundidade espiritual.
Muitas vezes é mais fácil aceitar num ímpeto de generosidade grandes sacrifícios, grandes sofrimentos, que se nos apresentam só uma vez, do que certos sofrimentos pequenos, insignificantes, de todos os dias, intimamente ligados ao próprio estado de vida e ao cumprimento do próprio dever; sofrimentos que se apresentam diariamente, sempre sob a mesma forma, com a mesma intensidade e insistência em situações invariáveis e que duram longo tempo. São incômodos físicos derivados de falta de saúde, de restrições econômicas, ou também de fadiga, de excesso de trabalho ou de preocupações; são talvez sofrimentos morais, resultantes da divergência no modo de ver, de contrastes de temperamento, de incompreensões, etc.. Tudo isto constitui essa cruz concreta e real que todos os dias Jesus nos apresenta, convidando-nos a levá-la após Ele. Humilde cruz de cada dia que não exige gestos de heroísmo, mas diante da qual devemos todos os dias repetir o nosso sim, dobrando docilmente os ombros para levar o seu peso com generosidade e amor. O valor, a fecundidade dos nossos sofrimentos quotidianos consiste precisamente nisto, nesta aceitação sem reserva que nos faz recebê-los como Deus no los apresenta, sem procurar evitá-los nem diminuir-lhes o peso. “Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mt. 11, 26).
2 – Jesus dá aos nossos sofrimentos o nome de cruz, porque cruz significa instrumento de salvação e Ele quer que o nosso sofrimento não seja vão, mas que se torne uma cruz, isto é, um meio de elevação, de santificação. De fato qualquer sofrimento se transforma em cruz desde o momento em que o aceitamos das mãos do Senhor, aderindo à Sua vontade que quer servir-se dele para nosso proveito espiritual. Se isto é verdade para os grandes sofrimentos é também muito verdade para os pequenos; todos entram no plano divino, todos – ainda os mais pequenos – foram predispostos por Deus desde a eternidade para a nossa santificação. Aceitemo-los com serenidade sem nos deixarmos perturbar pelas coisas que nos desagradam; mantenhamo-los no lugar que devem ter e que têm realmente no plano divino, ou seja, o de instrumentos para podermos realizar o nosso ideal de santidade, de união com Deus. Se estas contrariedades são um mal, porque nos fazem sofrer, são um bem, porque nos dão ensejo de praticar a virtude, porque nos purificam e nos aproximam do Senhor.
Mas para se poder levar a cruz não basta compreender o seu valor, é necessária também a força. Se nos deixarmos guiar por Jesus, Ele no-la dará certamente, e através das lutas e dos sofrimentos quotidianos, levar-nos-á pelo caminho que Ele escolheu àquele grau de santidade que fixou para cada um de nós. É preciso ter uma confiança ilimitada, ir para a frente com os olhos fechados, abandonando-se totalmente; é preciso aceitar a cruz que o Senhor nos oferece e levá-la com amor. Se, com o auxílio da graça, soubermos santificar assim os pequenos e grandes sofrimentos diários, sem perder a serenidade e a confiança, chegaremos à santidade. Muitas almas desanimam perante o sofrimento e procuram evitá-lo porque não têm bastante confiança no Senhor, não crêem que tudo, até nos mínimos pormenores, foi disposto por Ele para o nosso verdadeiro bem. Todo o sofrimento, grande ou pequeno, esconde uma graça de redenção, de santificação; esta graça será nossa, desde que aceitemos sofrer com espírito de fé e por amor de Deus.
Colóquio – “Bem vejo, ó Jesus, meu doce Capitão, que elevais o estandarte da Vossa cruz e amorosamente me dizeis: ‘Toma a cruz que te apresento e, ainda que te pareça muito pesada, vem após mim e não duvides’. Para corresponder ao Vosso convite, prometo-Vos, ó meu celeste Esposo, não fazer mais resistência ao Vosso amor. Vejo que Vós caminhais para o Calvário e eis que a Vossa esposa está pronta a seguir-Vos.
“E como a esposa não pode agradar ao esposo se não trabalha com especial cuidado por se tornar semelhante a Ele, por isso, ó meu Esposo Jesus, proponho agora e para sempre procurar imitar-Vos com toda a diligência e crucificar-me toda conVosco… Devo imaginar que o meu calvário é o claustro, a observância regular a minha cruz, os meus pregos os três votos. Toda a minha consolação só de Vós, Senhor, a desejo, não na terra, mas no céu; pouco me interessa viver feliz, contanto que viva como religiosa. De boa vontade Vos entrego o meu coração para que seja objeto de aflição, tristeza ou trabalho. Gozo em não gozar, porque o jejum desta vida deve preceder o banquete da eternidade que me espera.
“Tudo é pouco, meu Deus, para Vos conquistar a Vós, em quem está todo o bem; nenhuma fadiga em deve parecer dura, nem deve voltar para trás perante as dificuldades que poderei encontrar; mas quero abraçar com prontidão todas as amarguras e toda a espécie de cruzes” (cfr. T.M. Sp.)
“Que fazeis Vós, Senhor, que não seja para maior bem da alma que entendeis que já e Vossa e que se põe em Vosso poder para Vos seguir por onde quer que fordes até à morte da cruz, determinada a ajudar-Vos a levá-la e a não Vos deixar nunca só?… Quero fiar-me na Vossa bondade… Guiai-me por onde quiserdes; já não sou minha senão Vossa. Fazei de mim, Senhor, o que quiserdes, contanto que não Vos ofenda. Quero padecer, ó Senhor, pois Vós padecestes também” (cfr. T.L. Vi. 11, 12).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.