A degolação de São João Batista

A decapitação de São João Batista, Caravaggio, 1608, St. John's Co-Cathedral, Domínio público, wikimedia Commons

Quando S. João Batista – o preclaro precursor do Messias – abandonou o deserto, para onde se tinha retirado, por inspiração do Espírito Santo, foi para o rio Jordão, onde começou a batizar e pregar penitência, preparando desta maneira o terreno para a nova doutrina do Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Abusos e vícios detestáveis tinham se aninhado na sociedade judaica e S. João Batista se propôs a verbera-los energicamente. À testa do governo estava o rei Herodes, cognominado Antipas, filho daquele outro Herodes, por cuja ordem foram assassinados os inocentes de Belém. É o mesmo Herodes Antipas, que figura na Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pois foi ao tribunal desse monarca que Pôncio Pilatos mandou Nosso Senhor, que de Herodes só ouviu escárnios e cujos soldados lhe vestiram a túnica branca.

Herodes Antipas vivia escandalosamente, tendo raptado Herodiades, esposa de seu irmão Philippe. Essa união ilícita era um mau exemplo e grave escândalo para a nação inteira. Não havia quem se sentisse com coragem de censurar o monarca e de chama-lo à ordem. São João Batista, porém, não podia ver tal coisa de braços cruzados.

O Evangelho diz que Herodes se sentiu atraído pela personalidade extraordinária do Batista do Jordão, e com agrado lhe ouvia as instruções. Diz mais que São João lhe declarou, com toda franqueza: “Não te é licito viver com a mulher de teu irmão”. O que o rei respondeu, o Evangelho não conta; mas podemos crer que Herodes recebeu muito mal a declaração do profeta; tão mal que ponderou as possibilidades de livrar-se de tão incômodo e importuno admoestador. Se não deu passo nesse sentido, foi porque temia o povo que a São João grande veneração dedicava. Mais ofendida se sentiu a mulher e tanto fez, tanto instigou, até que o rei se decidiu a encarcerar o Santo Precursor. Na prisão, S. João recebia as visitas dos discípulos, que ávidos ouviam as instruções do mestre. Alguns foram, em comissão, enviados ao Divino Mestre, para lhe dirigir esta pergunta: “Tu és o que há de vir ou esperamos por outro?” S. João mandou fazer a Jesus esta pergunta, não porque duvidasse da sua divindade e missão messiânica, mas para que os discípulos tivessem ocasião de conhecer o grande Mestre, de vê-lo e ouvi-lo e presenciar lhe as maravilhas.

É opinião dos Santos Padres que a prisão de S. João se efetuará em dezembro, tendo o Santo ficado encarcerado até Agosto do ano seguinte.

Era em Dezembro que  Herodes festejava pomposamente o aniversário natalício. Ao suntuoso banquete estavam presentes muitos convivas, entre estes os Príncipes da Galileia. Fazia parte do programa uma dança oriental, executada pela filha de Herodiades chamada Salomé. Tão bem a jovem desempenhou o papel de dançarina, que Herodes, para lhe mostrar contentamento, prometeu dar-lhe tudo que pedisse, ainda que fosse a metade do reino. Esta promessa, tão levianamente emitida, o rei ainda a confirmou com um juramento. Salomé, tão admirada quão perplexa, diante dessa inesperada liberalidade do monarca, foi ter com a mãe, para saber-lhe o parecer. Herodiades achou chegado o momento de livrar-se do odiado profeta e nenhum instante hesitou. “Vai – disse à filha, resolutamente – e pede a cabeça de João Baptista”. Sem pestanejar e afoitamente, a leviana dançarina transmitiu a ordem da mãe ao Rei e disse-lhe em voz alta, para que todos a pudessem ouvir: “Quero que me dês, num prato, a cabeça de João Baptista”. Ao ouvir um pedido tão bárbaro e desapiedado, Herodes apavorou-se, mas, não querendo desapontar a moça e lembrando-se do juramento que fizera, anuiu e mandou a guarda ao cárcere onde João se achava. A ordem de decapita-lo foi cumprida imediatamente e poucos momentos depois, Salomé teve satisfeito o seu desejo: a cabeça de S. João Baptista, apresentada num prato.

Os discípulos, logo que souberam do crime, retiraram o corpo do querido Mestre do cárcere e deram-lhe honroso enterro.

Os assassinos não escaparam da vingança de Deus. O Rei da Arábia, cuja filha, esposa de Herodes, por este tirano tinha sido repudiada, abriu campanha contra o adúltero, venceu-o e exilou-o. O Imperador de Roma, por sua vez, desterrou-o para Lyon, na Gália. Assim, abandonado por todos, fugiu com Herodiades para a Espanha, onde ambos morreram na maior miséria. Consta que Salomé, ao atravessar em pleno e rigoroso inverno, um rio coberto de gelo, este cedeu e os pedaços de gelo, chocando-se um contra o outro, cortaram-lhe a cabeça.

REFLEXÕES

Herodes errou, julgando-se obrigado a cumprir o juramento. Se jurar é tomar a Deus por testemunha da verdade do que se diz ou do que se promete, claro está que juramento falso é um grande pecado, se diz ou do que se promete, claro está como pecado é também prometer, sob juramento, praticar uma ação má. O juramento em si é bom e santo, por ser um ato de religião. Pelo juramento se apela para Deus, que é a verdade suprema.

Três são as condições que justificam o juramento: a verdade, a justiça e o motivo justo. Afirmar, com juramento, uma inverdade é gravíssimo pecado, chamado perjúrio. “Não abusarás do nome do Senhor teu Deus; o Senhor não deixará impune a profanação de seu nome. Não farás juramento falso em meu nome e não profanarás o nome de teu Deus, pois eu sou o Senhor”. (2. Mos. 20. 7. 3. Mos. 19. 12).

Insuportável seria a vida, se não tivéssemos certeza absoluta da justiça de Deus, que põe tudo nos devidos termos, isto é, que dá à virtude a recompensa que merece, e ao pecado o justo castigo. Se assim não fosse, o martírio de S. João Baptista e tantas e tantas injustiças e atrocidades clamorosas, não achariam solução. O que se observou sempre e até hoje se observa, é que os justos sofrem, quando os maus gozam. Os justos são perseguidos e desprezados, quando os maus são estimados e festejados. Vemos nessa circunstância, aparentemente monstruosa, a atuação da justiça divina. Não há homem que não seja pecador e pelos pecados não provoque a justiça divina, como também criatura humana não existe que não tenha boas qualidades, merecimentos naturais. O pecado deve ser punido, onde quer que seja encontrado, – também o pecado do justo reclama castigo. Eis porque os justos já sofrem aqui na terra, para não lhes ser comprometida a felicidade no céu. A virtude, a boa obra, deve ser recompensada, onde quer que se apresente, – também a boa obra do pecador reclama galardão. Não podendo ser recompensada no céu, recebe a paga na terra, o que é de inteira justiça. Não é mau sinal, pois, se a vida parece uma corrente continua de sofrimentos. “A quem Deus ama, castiga” – é observação feita em todos os tempos. Louvemos, pois, a justiça de Deus e não nos deixemos arrastar à critica, à murmuração, ao desespero. A verdade está na palavra de Nosso Senhor, que na parábola do mau rico faz Abraão dizer-lhe: “Meu filho, lembra-te que recebeste o teu quinhão de bens durante a vida, ao passo que Lazaro só teve males; agora ele está aqui consolado e tu sofres.

Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.

Última atualização do artigo em 12 de abril de 2025 por Arsenal Católico

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