A escrava do Senhor

Ó Maria, que vos declarastes a escrava do Senhor, ensinai-me a pôr toda a minha vida e as minhas forças ao vosso serviço.

1 – Todos os grandiosos efeitos – de filiação divina, de participação na vida divina, de relações íntimas com a Trindade – que a graça produz nas nossas almas, vemo-los realizados em Maria, com um relevo, com uma força, com um realismo inteiramente singulares. Se, por exemplo, toda a alma em graça é filha adotiva de Deus e templo do Espírito Santo, a Santíssima Virgem é-o por excelência e do modo mais pleno, pois que a Ela a Trindade Se comunicou no maior grau que pode ser concedido a uma simples criatura, de tal modo que – como diz S. Tomás – a dignidade de Maria toca “o limiar do infinito” (cfr. Iª, q. 25, a. 6, ad 4). Compreende-se bem isto quando se pensa que, desde a eternidade, Maria foi escolhida por Deus para Mãe do Seu Filho. Como a Incarnação do Verbo foi a primeira obra da mente de Deus em vista da qual tudo foi criado, assim também Maria, que devia ter uma tão grande parte nesta obra, foi prevista e eleita por Deus antes de todas as criaturas. A Ela, portanto, bem justamente, se aplicam as palavras da Sagrada Escritura: “O Senhor me possuiu no princípio dos seus caminhos, desde o princípio antes que criasse alguma coisa” (Prov. 8, 22). E quando Adão, destituído do estado de graça, foi expulso do paraíso terrestre, um só raio de esperança iluminou as trevas da humanidade decaída: “Porei inimizades entre ti e a mulher – disse o Senhor à serpente – … ela te pisará a cabeça” (Gen. 3, 15). Eis que Maria aparece no horizonte como filha dileta de Deus, que nunca, nem por um instante, foi escrava do demônio, sendo sempre intacta, imaculada, toda de Deus. Filha que o Altíssimo sempre olhou com suma complacência e que quis introduzir no seio da Sua Família divina, pelos vínculos da mais estreita intimidade com as três Pessoas divinas: Filha do Pai, Mãe do Verbo incarnado, Esposa do Espírito Santo.

2 – Maria viveu a sua filiação com um profundo sentido de humilde dependência, de amorosa adesão a todas as vontades de Deus; temos disso a mais bela expressão na sua resposta à mensagem do Anjo: “Eis a escrava do Senhor” (Lc. 1, 38). Maria tem consciência da sua posição de criatura em fase do Criador, e, embora Ele a tenha elevado a tão alta dignidade que “depois de Deus é a maior que se pode imaginar” (Pio XI), Ela, para exprimir as suas relações com o Senhor, não encontra nada de melhor do que declarar-se Sua “escrava”. Esta palavra exprime a atitude interior da Virgem perante Deus, e nãos e trata de uma atitude transitória, mas permanente, habitual, de toda a sua vida, semelhante à de Jesus que disse ao vir ao mundo: “Eis que venho, ó Deus, para fazer a Vossa vontade” (Hebr. 10, 7). Assim Maria, que devia ser a imagem mais fiel de Cristo, oferece-se á vontade do pai celeste, dizendo: “Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a vossa palavra”. E, fiel á sua oferta, aceitará incondicionalmente não só qualquer desejo manifestado por Deus, mas também qualquer circunstância por Ele permitida. Aceitará a longa e incômoda viagem que a levará para longe da sua casa, precisamente nos dias em que havia de dar á luz o Filho de Deus. Acetará o humilde e pobre abrigo de um estábulo, a fuga noturna para o Egito, as privações e incômodos do exílio, o trabalho e a fadiga de uma vida pobre, a separação do Filho que Se afasta dEla para Se dar ao apostolado, as perseguições e as injúrias dirigidas ao seu Jesus e tão sensíveis ao seu coração materno. Aceitará enfim os opróbrios da Paixão e do Calvário, a morte do seu amado Filho. Podemos pensar que em todas as circunstâncias as suas disposições interiores serão as mesmas do dia da anunciação: “Eis a escrava do Senhor”. Que exemplo para nós, de humilde dependência de Deus, de fidelidade absoluta à Sua vontade e de perseverança na vocação, apesar das dificuldades e sacrifícios que possamos encontrar no nosso caminho!

Colóquio – Ó Maria, toda pura e toda santa; paraíso de Deus, Sua filha dileta, escolhida por Ele desde toda a eternidade para Mãe do Seu Unigênito, por Ele preservada de toda a sombra de pecado, por Ele enriquecida de toda a graça; ó Maria, como sois grande, como sois bela! “toda sois formosa, ó Maria, e não há em vós mancha de pecado. Vós sois a glória de Jerusalém, vós sois a alegria de Israel; vós sois a honra do nosso povo” (Tota pulchra).

O Altíssimo olhou-vos sempre com complacência e quis dar-Se a vós de um modo singular. “O Senhor está convosco, ó Maria! Está convosco Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, Deus Trino e Uno. Deus Pai de quem sois a Filha nobilíssima; Deus Filho de quem sois a Mãe digníssima; Deus Espírito Santo de quem sois a Esposa formosíssima. Vós sois verdadeiramente a Filha da suprema Eternidade, a Mãe da suprema Verdade, a Esposa da suprema Bondade, a escrava da suprema Trindade” (cfr. Conrado de Saxônia). Mas de todos estes títulos vós escolhestes o último, o mais humilde, o mais baixo e declarai-vos a escrava do Senhor.

“Oh! quão sublime é a vossa humildade, que não cede às seduções da glória, e na glória não conhece a altivez! Sois escolhida para ser Mãe de Deus e chamais-vos escrava! Ó Senhora, como pudestes unir no Vosso coração um conceito tão humilde de vos mesma, com tanta pureza, com tanta inocência, e sobretudo com tanta plenitude de graça? Ó Bem-aventurada, donde vos vem tanta humildade? Verdadeiramente por esta virtude merecestes ser olhada por Deus com amor especial, merecestes enamorar o Rei com a vossa beleza, atrair o Filho eterno do seio do Pai” (cfr. S. Bernardo).

Ó Maria, vós vos proclamastes escrava do Senhor, vivestes verdadeiramente como tal, sempre humildemente submissa à Sua vontade, sempre atenta aos Seus acenos, aos Seus convites. Quem melhor do que vós pode dizer com Jesus: “O meu alimento é fazer a vontade de meu Pai?” (cfr. Jo. 4, 34). Ó Maria, filha dulcíssima do Pai celeste, imprimi no meu coração um pouco da vossa docilidade, um pouco do vosso amor à santa vontade de Deus, para que possa servi-lO menos indignamente.

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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