Meu Deus, purificai e iluminai os meus olhos para que possa contemplar-Vos.
1 – A pergunta: quem é Deus? o catecismo responde: “Deus é o Ser perfeitíssimo, Criador e Senhor do céu e da terra”. Em primeiro lugar, diz-se que Deus é o Ser; esta é a Sua primeira perfeição que O distingue radicalmente das criaturas: “Eu sou Aquele que é”, disse o próprio Deus a Moisés, e acrescentou: “Este é o meu nome para toda a eternidade e com este serei recordado de geração em geração” (Ex. 3, 14 e 15). Este nome que Deus Se quis dar a Si próprio, exprime-nos a Sua essência íntima, diz-nos que Ele é o Ser por excelência, o Ser eternamente subsistente, em Si mesmo e em Si mesmo encontra a causa do Seu Ser. “Deus – afirma S. João Damasceno – possui o próprio ser como uma espécie de oceano de substância, infinito e sem margens”. Deus revelou-Se sob este aspecto a Sta Catarina de Sena, dizendo-lhe: “Eu sou Aquele que é, e tu aquela que não é”. Todos os seres criados são nada. “Ó Senhor, a minha vida é como nada diante de Vós; – canta o Salmista – vou-me secando como erva. Mas Vós, Senhor, permaneceis para sempre” (38, 6; 101, 12 e 13). A criatura tem em Deus a causa do seu ser, ao passo que deus a tem em Si mesmo; a criatura só existe enquanto Deus a mantém na existência; Deus, porém, subsiste por virtude própria, porque possui o Ser por Sua natureza, sem o ter recebido de ninguém. A criatura é sempre um ser limitado sob todos os pontos de vista; como vitalidade, como força, como capacidade. Pelo contrário, Deus é o Ser infinito, que não tem limite algum, que possui todo o poder e toda a virtude; a criatura tem em si o gérmen da morte e da destruição; em Deus, porém, tudo é vida, Ele é a vida: “Eu sou a vida”, disse Jesus (Jo. 14, 6).
Só Deus, Ser infinito, Vida eterna, podia comunicar-te a vida, podia dar-te o ser. Parece-te, pois, excessivo empregar toda a tua vida e todo o teu ser no Seu serviço e na Sua glória? Se vives para Deus, vives para a Vida; se vives para ti, vives para o nada, vives para a morte.
2 – Deus é o Ser: o Ser infinito e perfeitíssimo que possui todas as perfeições sem defeitos nem limites. Deus é o Ser infinitamente bom, belo, sábio, justo, misericordioso, onipotente. Todas estas perfeições não são nEle qualidades acidentais – como são as qualidades do homem, o qual pode ser mais ou menos formoso, mais ou menos bom e sábio, etc, sem deixar de ser homem – mas não perfeições essenciais, quer dizer, pertencem à própria natureza do Ser divino, ou antes, são uma só coisa com Ele. Para falar das perfeições de Deus, vemo-nos constrangidos a enumerá-las uma após outra, mas na realidade são um todo: a bondade identifica-se com a formosura; a bondade e a formosura com a sabedoria e estas com a justiça; a justiça com a misericórdia e assim sucessivamente. Em Deus não há multiplicidade, mas unidade absoluta; nós precisamos de muitas palavras para falar de Deus, mas Deus não é um grande número de coisas, é o Ser Uno por excelência: uno na Trindade das Suas pessoas, uno na miríade das Suas perfeições, uno na variedade das Suas obras, uno no Seu pensamento, na Sua vontade, no Seu amor.
Também tu, criado à imagem e semelhança de Deus, deves tender para a unidade. A tua vida espiritual é fraca porque lhe falta a unidade. Examina o teu coração e repara que multiplicidade de afetos e preocupações o invadem: sim, amas a Deus, mas juntamente com Ele amas também o teu amor próprio, a tua comodidade, o teu interesse; amas a Deus, mas juntamente com Ele amas alguma criatura com amor desordenado, isto é, duma forma e numa medida que não agradam a Deus; estás apegado àquelas pessoas, àquelas coisas – objetos, dinheiro, ocupações – que tem proporcionam uma satisfação… e todos estes afetos e apegos te sufocam, te impelem para mil direções contrárias, dispensando assim as tuas forças e impedindo-te de conseguir a única coisa necessária: “amar a Deus e só a Ele servir” (Imit. I, 1, 14). Quanto mais te falta essa unidade profunda: unidade de afetos, de desejos, de intenções, tanto mais fraco és e a tua vida interior está em perigo, porque, como diz o Senhor: “Todo o reino dividido contra si mesmo, será desolado” (Lc. 11, 17). Olha, pois, para Deus, Unidade suprema, e suplica-Lhe que te ajude a realizar em ti a unidade.
Colóquio – “Ó Deus eterno, regozijo-me por só Vós serdes Aquele que é e por nada poder existir senão por Vós. Iluminai os olhos da minha alma a fim de que conheçam o Ser que tendes por Vossa essência e o não ser que eu tenho por minha natureza, para que sobre estas duas verdades, como sobre dois polos firmes e imutáveis, se mova a rota da minha vida.
“Ó Deus eterno que Vos quisestes chamar Aquele que é, regozijo-me pela eminência deste nome tão Vosso que é impossível convir a outrem fora de Vós. Ó nome venerável, ó nome inefável, oculto a Abraão, a Isaac, a Jacob e manifestado a Moisés em sinal de amor! Revelai-me, Deus meu, as riquezas inestimáveis deste nome para que Vos reverencie, Vos adore, Vos ame e sirva como Vós mereceis. Ó minha alma se só Deus é Aquele que é, abrangendo toda a perfeição do ser, porque não te unes a Ele, a fim de que o teu ser encontre no Seu nobreza e firmeza? Porque te dispersas pelas criaturas, vazias de substância, vazias de ser, pois não te podem dar o que desejas, não o tendo elas para si? Doravante, Deus meu, tomarei todas as coisas por lixo, por perda e detrimento, por vaidade e nada para me unir a Vós para amar e servir por toda a eternidade” (Ven. Luís da Ponte).
“Ó Senhor, os meus dias são semelhantes a uma sombra prolongada e eu vou-me secando como erva. Mas Vós permaneceis para sempre, e o Vosso nome por todas as gerações… Meu Deus, no princípio fundastes a terra, e o céu é obra das Vossas mãos. Estas coisas perecerão, mas Vós permaneceis e todas envelhecerão como um vestido. E como uma vestidura as mudais e ficam mudadas; Vós porém, sois sempre o mesmo e os Vossos anos não terão fim… todas as criaturas recebem de Vós a vida, mas se escondeis o Vosso rosto, perturbam-se; se lhes tirais o espírito, perecem e voltam ao seu pó. Vós, ao contrário, permaneceis eternamente.
“Quero exaltar-Vos, ó meu divino Rei, e bendizer o Vosso nome pelos séculos dos séculos! Grande sois, ó Senhor, e muito digno de louvor e a Vossa grandeza é insondável” (Sal. 101, 12-28; 103, 29; 144, 1-3).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.