Dai-me, Deus meu, um coração reconhecido, capaz de cantar eternamente as Vossas misericórdias
1 – Como somos incapazes de satisfazer, segundo a justiça, as nossas dívidas para com Deus, devemos ao menos procurar supri-las coma gratidão. Até o mendigo mais miserável, que nada tem para dar em troca da esmola recebida, tem sempre a possibilidade de reconhecer o benefício e de se mostrar agradecido para com o seu benfeitor. É esta a nossa situação perante Deus: não temos nada de nosso, tudo o que somos e possuímos é dom Seu e para corresponder o nosso reconhecimento, unicamente nos podemos servir dos Seus mesmos dons. “Por tudo dai graças porque esta é a verdade de Deus em Jesus Cristo em relação a todos vós” (I Tess. 5, 18): Deus, que nos outorga benefícios com liberalidade infinita, tem todo o direito de exigir o nosso reconhecimento. Todavia, o que é uma necessidade espontânea da alma humilde e delicada, é um dever muitas vezes descuidado mesmo pelos bons, pelos mais beneficiados. Jesus queixou-Se disto depois de ter curado os dez leprosos; só um voltou atrás para Lhe agradecer: “Os outros nove onde estão? Não se encontrou quem voltasse e desse glória a Deus senão este estrangeiro?” (Lc. 17, 17 e 18). É significativo o fato de que os ingratos fossem precisamente os nove judeus os quais, sendo compatriotas do Senhor, se achavam numa situação privilegiada ao lado do estrangeiro. Às vezes as almas que Jesus chamou a viver perto de Si, a quem deu uma vocação privilegiada, são também as menos gratas. Quase parece que a multiplicidade das graças recebidas diminui a sua sensibilidade perante os dons divinos, parecendo até que já não advertem nem a grandeza nem a total gratuidade desses dons e a veia espontânea do reconhecimento seca nos seus corações. “Oh! como aos que são ingratos – exclama Sta Teresa – prejudica a grandeza das mercês recebidas!” (Ex. 3, 2). A ingratidão redunda sempre em desvantagem para a alma que por ela está contaminada; recordemos, por exemplo, o dano irreparável sofrido pelos nove leprosos por não terem voltado atrás a agradecer a cura obtida. Não tiveram, como o único reconhecido, a alegria de ouvir dizer a Jesus “A tua fé te salvou” (Lc. 17, 19). A falta de reconhecimento privou-os da saúde da alma, graça imensamente mais preciosa do que a saúde do corpo.
2 – “A ingratidão – diz S. Bernardo – é inimiga da alma, a ruína dos méritos e das virtudes, a perda dos benefícios. É um vento abrasador que seca a fonte da piedade, o rocio da misericórdia, as torrentes da graça”. O reconhecimento, pelo contrário, atrai novas graças e novos dons, inclina para as almas a liberalidade infinita. Mas deve ser um reconhecimento sincero, cordial, que se estenda a todos os benefícios divinos: “Nenhum dom de Deus, por maior ou menor que seja, deve ficar sem ação de graças. Nem sequer o mais insignificante benefício deve ser esquecido” (ib.). Esta gratidão sincera floresce somente num coração humilde, convicto da própria indigência e profundidade persuadido de que nada é e nada pode sem o contínuo socorro divino. Com efeito, não é impossível que alguém dê graças a Deus com a boca, atribuindo no entanto ao próprio mérito, no segredo do seu coração, as graças recebidas. Tal era o falso agradecimento do fariseu: “Graças te dou, ó Deus, porque não sou como os outros homens” (Lc. 18, 11); do contexto ressalta claramente que aquele homem orgulhoso estava muito longe de reconhecer o seu nada e de atribuir unicamente ao dom de Deus o pouco bem que nele podia haver. A alma humilde adota uma posição totalmente diferente; ainda que consiga fazer o bem e praticar a virtude, está convencida de que tudo é fruto da graça, e então não somente os grandes benefícios divinos, mas também as menores ações que pratica, são-lhe contínua ocasião de dar graças a Deus de quem reconhece ter-lhe vindo todo o bem. Que dizer, pois, da sua gratidão por cada Missa, por cada Comunhão, por cada Confissão? Cada uma destas graças, ainda que se repita mil vezes, encontra essa alma sempre viva, sempre desperta para o reconhecimento, com se se tratasse de um dom inteiramente novo. E na realidade é assim: cada sacramento, cada auxílio divino, cada graça atual, cada ajuda espiritual ou material, traz consigo novas graças de vida espiritual, de amor. Bem-aventurada a alma que o sabe reconehcer, dando por tudo louvores a Deus! Se a imensidade dos benefícios divinos não produz em nós frutos proporcionados, a causa é talvez a pouca gratidão e se queremos descobrir a raiz do mal, quase sempre reconheceremos que provém da pouca humildade.
Colóquio – “Graças, graças Vos sejam dadas, ó pai eterno, que não desprezastes a Vossa criatura, nem apartastes de mim a Vossa face, nem rejeitastes os meus desejos, Vós, luz, não desdenhastes as minhas trevas; Vós, vida, não Vos afastastes de mim que sou morte; Vós, o médico, não deixastes de tratar as minhas enfermidades. A Vossa sabedoria, a Vossa bondade, a Vossa clemência e o Vosso bem infinito não me desprezaram por todos estes e outros infinitos males e defeitos que há em mim. Quem Vos constrangeu a amar-me e a conceder-me tantas graças? Não foram as minhas virtudes, mas só a Vossa caridade. fazei, pois, que a minha memória seja capaz de reter os Vossos benefícios e a minha vontade arda no fogo da Vossa caridade.
“Ó Amor inestimável, admiráveis são as coisas que operastes na Vossa criatura! Ó minha alma, cega e miserável, onde está o grito da gratidão, onde estão as lágrimas que deverias derramar na presença do teu Deus que te solicita continuamente? Onde estão os anelantes desejos na presença da divina piedade? Não estão em mim, porque ainda não me perdi a mim mesma. Se eu me tivesse perdido e Vos tivesse procurado só a Vós, ó Deus, só a glória e o louvor do Vosso nome, o coração sair-me-ia pela boca num hino de agradecimento.
“Graças, graças Vos sejam dadas, ó alta e eterna Trindade! Eu sou aquela que não é, e Vós Aquele que é. Portanto, rendei Vós graças a Vós mesmo, dando-me a mim o poder de Vos louvar. Perdoai, ó Pai, perdoai a esta miserável, a esta ingrata pelos imensos benefícios de Vós recebidos. Confesso que a Vossa bondade me conservou Vossa esposa, se bem que pelos meus defeitos, Vos tenha sido sempre infiel” (Sta Catarina de Sena).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 27 de abril de 2025 por Arsenal Católico