No livro “As mais belas lendas cristãs”, recentemente publicado por Guido Battelli, lê-se o extraordinário caso dos sete adormecidos de Éfeso.
No tempo do Imperador Décio, sete cristãos, “muito aflitos ao verem os males da perseguição contra os sequazes de Cristo, desprezavam os sacrifícios que se faziam aos ídolos e viviam ocultos em suas casas, entretidos em jejuns, em vigílias e em santas orações. Mas foram por fim acusados como cristãos perante o Imperador, o qual, levando em conta que eram nobres e grandes da cidade, deu-lhes o prazo de vinte dias para deliberarem”.
Deixo de parte as coisas estranhas que se contam na lenda; direi somente que fugiram “para um áspero e alto monte” e se refugiaram numa gruta. Em vão os esbirros do perseguidor tentaram nela entrar. Deus protegeu os seus santos “e enviou primeiro, do céu, trovões, raios, ventos, granizos e chuva, em grande tempestade. Depois, apareceram à entrada da gruta muitos animais ferozes: lobos, leões, ursos, serpentes e dragões, pelo que os perseguidores foram obrigados a abandonar a empresa”. Ordenou, então, o Imperador que a boca da caverna fosse murada, e assim fizeram.
Em resumo: os sete prisioneiros caíram logo em profundo sono e dormiram placidamente centenas de anos a fio. Só despertaram, julgando ter dormido apenas o espaço de uma noite, quando o Senhor inspirou a um cidadão de Éfeso que fizesse umas excavações naquela montanha. Pode-se calcular a surpresa que lhes causou a cidade totalmente transformada, com o sinal da Cruz colocado sobre as portas e com uma população cristã jamais imaginada. Haviam dormido a bagatela de 388 anos! Era natural que se quedassem estupefatos e nem acreditassem nos seus próprios olhos!
Estes sete adormecidos são semelhantes às mais elementares verdades cristãs. Também elas dormem no fundo dos livros da Sagrada Escritura e dos Santos Padres. Também elas parecem ter fugido perseguidas por teorias e tempos nefastos, e aguardam a hora do despertar; de um despertar que não seja, como no caso dos perseguidos de Éfeso, seguido de uma tranqüila morte no Senhor, mas que perdure para sempre em todas as consciências.
“Os homens não me amam, porque não me conhecem”: é a queixa que o Coração de Jesus fez à sua serva Santa Margarida Maria. É espantosa a ignorância da religião. Poucos, por exemplo, conhecem os primeiros princípios do dogma cristão, que irei expondo em capítulos sucessivos. Os pontos fundamentais do catecismo estão ocultos, como os sete adormecidos de Éfeso, na cova do esquecimento. Será para estranhar, então, que o problema da vida não seja resolvido cristãmente?
1 . Tríplice forma de ignorância religiosa
Podemos dividir em três categorias os contemporâneos que, à simples pergunta de um recenseamento: “a que religião pertence?”, respondem: “à religião católica”.
1. – A primeira categoria é formada pelos que nada sabem do catecismo e não freqüentam a igreja, nem os Sacramentos. São, às vezes, pessoas ilustradas nalgum ramo de ciência. São até escritores brilhantes e homens da imprensa. Não há muito o redator de um grande jornal, ao descrever com cores vivas uma procissão, dizia que nela era levada “a estátua do Santíssimo Sacramento”! São filósofos ou educadores de fama, que têm a petulância de afirmar que o Cristianismo admite a eternidade do Demônio tal como a eternidade de Deus. São, muitas vezes, funcionários públicos, como o delegado de certa cidade a quem foram pedir licença para uma procissão eucarística: “Que hinos vão cantar durante a procissão?” – indagava ele. – “O “Pange lingua”, snr. Delegado”.
– Esse “Pange lingua” não é algum canto subversivo? Olhem lá, hein! …
– Não, snr. Delegado; pode estar tranqüilo…
E o homenzinho, com olhar perscrutador e desconfiado, os fixava bem nos olhos para ver se diziam mesmo a verdade. São, finalmente, operários e mulheres do povo, que pensam conhecer perfeitamente a religião, e estão convencidos, por exemplo, de que os Santos óleos são uma espécie de remédio que os enfermos devem engolir!
– Desculpe, snr. Padre, – observam respeitosamente. – É impossível dar-lhe os santos óleos: ele já não pode engolir nada!
2. – A segunda categoria é formada pelos que se julgam, verdadeiros cristãos. Quando pequenos, a mãe lhes ensinou algumas orações. No tempo de crianças, assistiram às aulas de catecismo em preparação à Crisma e à Primeira Comunhão. Talvez aprenderam na escola um pouco de religião. Lá de tempos a tempos, vão à igreja ouvir um sermão. É domingo? – Assistem à Missa. Chegou a Páscoa? – Vão se confessar e comungar, cumprem o preceito pascal. Nasce uma criança em casa? – Levam-na a batizar. Vão se casar? – Querem a bênção nupcial do sacerdote. A morte lhes arrebata um ente querido? – O enterro deve ser religioso. Que mais se quer deles? Para que tantas exigências? Religião, sim; mas em termos. . . São, como dizia Manzoni, “os cavalheiros do ne quid nimis”. Até aí, sim; mais, não… E estes, em questões de fé, não querem que se passem os limites. Os limites deles, bem entendido…
Quereis uma prova? Dizei a esses cavalheiros: – É necessário divinizar as próprias atividades com a graça; crer equivale a informar cristãmente todas as ações, incluindo o comércio, a política, a leitura do jornal, as relações com as outras pessoas; não se é cristão só quando se ouve Missa, mas é preciso ser tal em todas as contingências da vida. E vós ouvireis cada resposta!…
– “Religião é uma coisa, dizem eles; os negócios, isso é outro assunto. Lugar de padre é na sacristia. Da sacristia para fora, não impera Jesus Cristo, mas os nossos interesses, o prazer, as ambições. Já se foram os tempos da Idade Média. Não somos santos. Deixemos os santos para os sermões dos pregadores e não os misturemos com o ritmo febril da vida moderna”.
E se lhes observais que semelhante religião é a mais absoluta deformação do Cristianismo, vos olharão espantados. Naturalmente, muitos deles, à medida que o tempo passa, principalmente os moços, se atiram de uma vez aos negócios ou aos vícios, e um belo dia, já não vão à missa, muito menos à desobriga, e são capazes até de dizer que “perderam a fé”… Coitadinhos! Nunca a tiveram, porque nem sequer a conheceram.
3. – Temos ainda a terceira categoria, que compreende os mais decididos e fervorosos entre os cristãos. Muitos deles fazem parte de alguma associação ou irmandade religiosa. Estes, pelo menos, saberão o catecismo? Feitas poucas exceções, devemos responder que não.
Em reuniões da juventude, e falando a moços que freqüentam a Comunhão e merecem todos os elogios pela coragem e franqueza com que professam a sua fé, experimentei perguntar-lhes:
– Que é a “graça”? ou: em que consiste a “ordem sobrenatural” e em que difere da ordem natural?
As respostas me convenceram de que é enorme a ignorância dos princípios do Cristianismo, até mesmo entre os melhores cristãos, entre os que mais praticam a religião.
Vós que me ledes, se tivésseis de explicar agora o que entendeis por graça e por ordem sobrenatural… não sei bem qual seria o resultado de vosso exame. E não há dúvida, quem ignora isto e pretende falar em Cristianismo, assemelha-se a quem quisesse ler sem conhecer as letras do alfabeto. No fim desta obra, todos ou quase todos os meus leitores estarão convencidos de que tinham uma grande e urgente necessidade de aprender os elementos do catecismo, que julgavam conhecer e não conheciam!
Houve uma vez um estudante muito sabido, que, não estando preparado para o exame, por não ter estudado a matéria, resolvia o árduo problema colando. Mas, para que o professor não desconfiasse, mudava, aqui e acolá, alguma palavra. Podeis imaginar o pitoresco resultado.
Um exemplo: O companheiro vizinho havia escrito que Cristóvão Colombo descobriu a América em 1492, O nosso inteligente estudante copiou, alterando um pouco, da seguinte forma: “Magalhães descobriu a América em 2492”. Como estais vendo, só mudou um nome e um algarismo! Pouca coisa, não é verdade? Ou, como dizem os franceses: “quantité négligeable” – quantidade desprezível. Muitos de nossos excelentes associados de organizações católicas, se fossem submetidos a um exame de catecismo – não de teologia – fariam a mesma triste figura. Ao expor alguns pontos fundamentais do dogma – por exemplo, as naturezas e a pessoa em Jesus Cristo – mudam alguma cousa, algum pequeno detalhe, e assim demonstram que sabem religião… como aquele genial estudante sabia história.
E ademais, cá entre nós, sem que ninguém nos ouça: – respondei a vós mesmos: É ou não é verdade que nada vos importaria, a vós e à vossa vida, se as Pessoas da Santíssima Trindade, em vez de três, fossem duas ou fossem cinco?
Mais: É ou não é verdade que, se Deus não houvesse revelado este mistério, viveríeis tranqüilamente sem ele, e nenhuma modificação haveria em vossa vida religiosa?
E que significa tudo isto, senão um desconhecimento completo do catecismo? Não vos parece que deve ser mais profundo do que um abismo vossa ignorância religiosa, se o primeiro dos principais mistérios da fé vos deixa tão olimpicamente indiferentes?
Muitos se lamentam, porque – enquanto, nos primeiros séculos, instruir-se no Cristianismo, nas escolas dos catecúmenos, significava converter-se e os cristãos daquele tempo contribuíam para mudar a face do mundo, ou melhor, para estabelecer uma nova civilização – agora, pelo contrário, os cristãos de hoje ameaçam retroceder à civilização pagã.
Nada mais justificado do que tais queixas. É que os cristãos de antanho conheciam o Cristianismo e os cristãos de hoje não o estudam nunca, talvez convencidos que possuem uma ciência infusa…
Mais ainda. Não falta quem se queixe de que as epístolas de S. Paulo já não são lidas ou de que as obras dos Santos Padres, os grandes luzeiros da Igreja, são quase como proibidas para os cristãos de água de flor de laranjeira de nossos dias. Nisto também não há de que a gente se admirar, Como se pode entender S. Paulo, prescindindo do sobrenatural e da graça? Quem não sabe os primeiros elementos da ordem sobrenatural, toma S. Paulo e os Santos Padres, e logo se aborrece, nem mais nem menos do que um pobre matuto a quem entregassem uma tábua de logaritmos! É preciso ter algum preparo para ler e compreender. Do contrário, uma borboleta nos interessa mais que o arco de Tito.
Que mais? Muitos falam contra as degenerações da piedade cristã, contra a superficialidade do formalismo e esse dulçoroso sentimentalismo enganador, que anda por aí. Está direito. Mas, pelo amor de Deus! como quereis que se evitem semelhantes desastres se nos falta a luz, o conhecimento, o pensamento cristão? Não era sem motivo que o pranteado Cardeal André Ferrari não fazia um discurso sem repetir, com a voz aflita do bom pastor: – “Catecismo! Catecismo!” – Não era sem motivo que um sábio do estôfo dé S. Roberto Belarmino, com a mesma pena com que escrevera as páginas imortais das “Controvérsias”, escreveu também o pequeno catecismo.
2. Catecismo e Apologética
Permitam-me um parêntesis e perdoem-me a linguagem rude e franca. Falo de catecismo e não de apologética.· Hoje em dia, para disfarçar a ignorância religiosa, muita gente – desconhecedora da pedagogia cristã e da didática católica – recorre aos cursos de apologética. Pois bem: a apologética pressupõe, tanto em quem ensina como em quem aprende, um conhecimento exato daquilo que se quer defender, e, por conseguinte, só é possível depois do estudo completo e profundo do catecismo.
Nos tempos do modernismo fez-se grande estardalhaço a propósito de apologética, preconizando a necessidade de novos métodos apologéticos; pretendia-se nada menos do que rasgar a apologia tradicional, para substituí-la pelo leite e o mel do coração, ou por um apelo à vida e à ação. A “mentalidade” contemporânea, dizia-se então, revolta-se contra os antigos argumentos, não se dobra ante os silogismos, os milagres e as profecias. É preciso, diziam os modernistas, tomar como ponto de partida as exigências íntimas e profundas da alma humana e, em nome de tais exigências, apelar para o sobrenatural, com o método da imanência!…
Se isto era um despropósito e uma forma do naturalismo, que foi autorizadamente condenado, não se pode negar a ineficácia e, não raro, os danos da apologética exposta inoportunamente a pessoas sem preparo, que mais entendem a dificuldade do que a solução, e portanto, em vez de aprenderem a verdade, acumulam dúvidas e erros. Eu não condeno, repito, a apologética tradicional. A culpa não é dela, nem do valor intrínseco das suas provas, mas sim da leviandade dos que fazem apologética, quando o que falta são as primeiras noções do catecismo.
Não se considera que a apologética é, por si mesma, bastante difícil, pois exige um bom conhecimento da filosofia e da história e a elas se reduz; seu estudo se torna uma cousa simplesmente absurda, quando falta um conhecimento profundo dos ensinamentos da fé.
A apologética importa na defesa da religião. Como se quer defender uma causa que se não conhece? Comece-se a estudar o catecismo. É o único meio para poder depois chegar a uma útil discussão apologética. Os grandes apologistas dos primeiros tempos, Santo Tomaz de Aquino e os mais ilustres cultores da apologética tradicional, demonstraram como a fé é racional – um verdadeiro rationabile obsequium – porque não caíram no absurdo que hoje se alastra, isto é, querer levantar um debate sem examinar os termos da questão. Menos apologética e mais catecismo, eis a palavra de ordem de toda pessoa sensata e séria. Já é tempo de acabar com essa tolice tão comum, de considerar o catecismo como se fosse qualquer brinquedo para crianças. Não existe uma fé para a infância e outra para os adultos. O Deus da criança é também o Deus do pai e da mãe de família, é o Deus de Dante e de Volta. Não só aos meninos, mas sobretudo aos jovens, aos profissionais, aos homens maduros, aos estudiosos das ciências, da filosofia e das letras, aos incrédulos que, quando falam ou escrevem sobre coisas nossas, provocam o riso de grandes e pequenos, a todos, enfim, devemos dizer: Estudai o catecismo! Estudai o catecismo! Depois, se for necessário, nos dedicaremos ao estudo da apologética.
A presente obra não tem outra finalidade senão esta: não apologética, não discussões teológicas, mas simples enunciado do que ensina o Cristianismo e que a maior parte dos católicos não conhece, embora se trate da cousa mais indispensável a todo homem que deseja resolver o problema da vida.
3 . Exposição orgânica do Cristianismo
– Quer dizer então, concluirá alguém, que nós, homens feitos, professores, industriais, doutos ou quase doutos, devemos reler o pequeno catecismo que tivemos nas mãos nos anos da nossa infância?
Na verdade, isto não vos faria nenhum mal, já que aquelas paginazinhas andam muito esquecidas. Mas não é esse precisamente o meu pensamento. Julgo que necessitais de uma exposição elementar do Cristianismo, que corresponda à vossa cultura. E é esse o objetivo da presente obra, que se propõe oferecer-vos em germe o ensino católico.
Um germe lembra logo a idéia de um organismo em que existem muitas partes, ou melhor, muitos membros, mas cuja multiplicidade vive na unidade.
Não se pode entender um livro orgânico, uma doutrina sistemática, um verdadeiro poema, senão por este método: reduzindo a multiplicidade à unidade. Num livro há muitos capítulos e cada capítulo contém muitas páginas, muitas linhas, muitas palavras; mas, se é um livro orgânico e não um conglomerado de fragmentos, tem uma idéia única que o informa da primeira à última letra. E ninguém pode afirmar que o entende, se, através de cada parte do livro, não depreende a unidade da idéia inspiradora.
Eis aí porque não é fácil entender Dante e muito menos apreciá-lo. Eis porque penso que a maioria dos meus leitores, ainda que lesse o catecismo, não compreenderia o Cristianismo na sua unidade orgânica.
A doutrina cristã é tão maravilhosamente una na multiplicidade de seus dogmas, de seus preceitos, de seus Sacramentos, de todas as suas manifestações litúrgicas e de todo o desdobramento de sua inesgotável fecundidade, que, para conhecer a fundo, e não superficialmente, um só que seja dos seus ensinamentos, é necessário considerá-lo em sua conexão com o resto do Cristianismo. O dogma da Trindade está ligado aos demais dogmas. E a vida cristã, por sua vez, não pode prescindir do dogma da Santíssima Trindade. Se até agora, repito, para vós que me ledes, nada significa na prática o mistério de Deus uno e trino, é porque não o estudastes com um método orgânico. Bem sei: o dogma da Trindade não é o da Imaculada Conceição nem o da Infalibilidade Pontifícia. O que se deve crer não é o que se deve praticar. Não se pode absolutamente confundir o natural com o sobrenatural. Um ramo de uma árvore é diverso de outro ramo. Mas, assim como os vários ramos são ramos de uma planta idêntica, e estão organicamente unidos entre si, assim também veremos que é um absurdo explicar um ponto de doutrina, prescindindo dos outros pontos. É um absurdo separar o campo teórico do campo prático, separar o dogma dos mandamentos, as obras da fé, a graça da natureza elevada e redimida. Veremos como, posto um ponto, se ilumina todo o resto, e como também, tirado um ponto, ameaça ruir todo o conjunto.
Também aqueles que estudam o Cristianismo e saem vencedores em certames e concursos de catecismo, muitas vezes estudaram as várias partes da doutrina cristã, mas separadamente. Sabem enunciar o mistério da Encarnação, o dogma da Trindade, os vários princípios concernentes à graça, os diversos Sacramentos e demais pontos. Mas nunca tiveram uma idéia completa do nexo que une com admirável harmonia todo o ensino e ,a vida cristã.
É inútil. Não posso considerar verdadeiro dantista o que sabe de cor toda a Divina Comédia, e a comenta verso por verso, e lembra com exatidão todos os personagens e fatos a que alude o imortal Poeta do povo italiano, mas jamais compreendeu a unidade das três partes, ou melhor, a alma única, inspiradora ele todas as palavras, de todos os versos, ele todos os cantos, de todas as invictas e de todas as referências. E assim como não compreenderia o Duomo de Milão quem soubesse a origem de cada pedaço de mármore de que se compõe e de cada estátua que o adorna, mas não atingisse a unidade harmônica de toda essa multidão de pequenas obras de arte, assim também, para compreender o catecismo realmente, de maneira a haurir dele uma instrução educativa e formadora, não basta conhecer superficialmente cada parte do dogma e da moral, mas é mister chegar à unidade orgânica, unidade em que o pensamento e a vida, o céu e a terra, o natural e o sobrenatural, a história sagrada e a profana, resplandecem na harmoniosa conexão de um todo, extraordinariamente rico, mas inexoravelmente uno.
Rogo, portanto, ao leitor se arme de paciência e me siga passo a passo. Esta não é uma obra para ser lida aos saltos. Tal método não se poderia aplicar a uma obra de atemática, por exemplo, pois não seria possível entender o desenvolvimento das fórmulas algébricas ou das demonstrações geométricas, senão seguindo ordenadamente a sua exposição. Com maior razão se exige uma leitura continuada para um livro de religião, no qual se trata de expor sua vida íntima e seu interno dinamismo, com critério didático cuidadosamente escolhido e estudado.
Lereis, meditareis, refletireis. E quando chegardes perto do fim, lá pelo capítulo catorze ou quinze, só então compreendereis a fundo o terceiro e o primeiro. Mas, estou certo, este livro não o lereis uma só vez, porém o haveis de reler e meditar mais vezes, justamente porque ele vos indicará a existência de uma jóia de inestimável valor.
Quero colocar diante de vossos olhos precisamente a divina jóia da fé, que até hoje para vós esteve oculta pelas trevas da ignorância. Não duvido do valor, da beleza e do encanto desta jóia. Só receio que minha débil mão não possa aproximá-la convenientemente dos vossos olhos, ou que me falte luz para iluminá-la suficientemente.
Se preferis outra comparação, dir-vos-ei que sei perfeitamente que meu livro é um barco tosco e pouco atraente; entretanto, o mar que devemos sulcar é tão divinamente belo, que, se embarcais comigo, não podereis deixar-vos ficar a dormir na cabina. Um estremecimento vos sacudirá; e, postados no convés, esquecendo a pobreza do barco, contemplareis extasiados a majestade das águas e dos céus.
RECAPITULAÇÃO
I – A ignorância religiosa é enorme. São inúmeros os que não amam a Jesus Cristo, porque não O conhecem. Todos eles podem-se agrupar numa destas três categorias:
a) Os totalmente analfabetos, que nada sabem de Cristianismo, ainda que, em outros ramos, tenham adquirido uma cultura mais ou menos vasta.
b) Os cristãos “praticantes” e que, apesar disto, só possuem um verniz de religião, sem que ela chegue a nortear sua vida ou nela exerça qualquer influência.
c) Muitos católicos, que fazem parte de associações ou irmandades, mas conhecem muito superficialmente a fé que professam e defendem.
II – Diante de tal ignorância religiosa, há mais necessidade de catecismo que de apologética. Antes de entreter discussões à cerca das verdades cristãs, é preciso estudá-las.
III – O verdadeiro e único método de estudo consiste, não em examinar separadamente as diversas partes do dogma, da moral, ou do culto cristão, mas em buscar e compreender o princípio de unidade, que nos demonstrará a harmônica conexão dos dogmas entre si e o nexo entre os dogmas e a vida.
As Verdades Básicas do Cristianismo por Monsenhor Francisco Olgiati, Reitor da Universidade de Milão, Tradução direta da 2. ª edição italiana pelo P. Luiz Marcigaglia S. S., 1942.
Última atualização do artigo em 8 de abril de 2025 por Arsenal Católico