A inveja: Vício funesto

A saúde do coração é a vida do corpo; a inveja é a podridão dos ossos (Prov. XIV, 30).

Deus que é o Senhor de todas as coisas, reparte, segundo a sua sapientíssima medida, todos os bens interiores e exteriores.

Deus tem um direito ilimitado sobre as riquezas, sobre a honra, a saúde, a formosura, o talento, a boa índole, e sobre todos os outros bens que dEle recebemos.

Quão irracional e temerária seria pois, se tivesse inveja do próximo pelos bens que Deus lhe concedeu? Não se deve dar o nome de inveja ao desejo que até os corações mais ordenados experimentam de possuir uma felicidade igual à que vêem nos outros. Semelhante desejo é natural e desculpável. O pecado da inveja nasce no momento em que o coração começa a perder a paz, desenvolve-se á medida que o desejo vai aumentando, o espírito desvanecendo-se, e o coração envenenando-se até se começar por fim a exteriorizar e traduzir por palavras e ações.

É um vício infame. Foi por ele que o pecado entrou no mundo (1); e todo o mal que Satanás ainda hoje faz por permissão de Deus, dele procede. O demônio não pode sofrer que seres cuja natureza é inferior à sua, sejam destinados a ocupar no céu o lugar dos anjos rebeldes, nem que os homens, coerdeiros de Cristo, ponham o pé triunfante sobre a sua cerviz. Por isso faz sempre e em toda a parte o mal que pode, ainda à custa dum aumento de sofrimentos.

Vício ignóbil, que nos torna semelhantes a Satanás!

Invejo a estas o talento, a disposição e habilidade para as artes, e os aplausos que lhes tributam; àquelas o nascimento, a nobreza, as riquezas, a formosura, a aceitação de que disfrutam entre superioras e amigas, e a esperança de alcançar uma posição brilhante. Talvez chegue até a ver com maus olhos as vantagens que uma companheira alcançou com o seu trabalho e esforço.

Aborrece-me a sua piedade, recato, amabilidade, circunspecção, naturalidade, aplicação e virtude; tenho-lhe certa aversão, chegando mesmo a vê-la com maus olhos, a dirigir-lhe algumas palavras duras e a prejudicá-la no que posso.

Vício infame, que nasce dum egoísmo mesquinho para ir acabar no culto do eu! porque o fundamento da inveja, consiste em considerar como mal meu o bem alheio.

Vício insensato! longe de alcançares por meio dele o bem alheio, cuja visão desperta em ti tanto ódio, só consegues destruir o bem que possuis, e que és indigna de continuar a possuir.

Quão grave perigo corres de atraíres sobre ti a ira de Deus! Porque Ele podia-te dizer: Ingrata! mendiga à vontade inteligência, valor, virtude, glória, fortuna; trabalha quanto quiseres por alcançar tudo isso! mas sabe que te consomes em vão, porque é de mim que procedem todas as bênçãos. E tu deixaste de as merecer. maldita a terra, ainda que a reques com o suor do teu rosto (2); ela negar-te-á os seus frutos (3); como castigo pese também a esterilidade sobre o teu espírito, inteligência e coração; seja de ferro o céu e a terra de bronze; do teu trabalho não conseguirás nem recolherás nada (4); porque esmagarei a tua dureza e orgulho.

Vício insensato! Com ele dissipas o tempo, gastas as forças, e quanto maior for a inveja com que olhares a felicidade do próximo, mais te apartarás dela.

Porque te deixas arrastar pela tristeza? (5) O bem-estar do coração é a saúde do corpo, a generosidade e a simpatia; a inveja, essa é podridão dos ossos (6).

Vício funesto! Arruína a paz da alma, é fonte de desgraças, excita alegrias criminosas, fomenta juízos temerários, gera suspeitas, calúnias e ódios, deprime os sentimentos, esgota as forças do espírito e da vontade, entristece a alma, excita inimizades, ateia desejos de vingança, aconselha todo o gênero de meios odiosos, e muitas vezes afia o punhal, prepara o veneno e impele ao roubo, à violência e ao assassinato!

Não vês como a terra, saída de fresco da mão de Deus, já está manchada com o sangue derramado pela primeira vez?! É o sangue de um irmão!

Cain deixou-se levar pela ira ao ver que o sacrifício de Abel era mais agradável a Deus do que o seu. O rosto contraiu-se-lhe; e chamando ao campo o irmão inocente, investiu com ele e matou-o (7).

Vício funesto! Foi a inveja dos fariseus que levou o Salvador á cruz. Não conheceram o tempo da visita divina, e os seus olhos escurentados pela inveja, não reconheceram aquele pelo qual tinham suspirado milhares de anos. Deixaram de ser a sua nação para se tornarem réus de inveja (8).

É pois certo que os olhos do invejoso são malignos, e que o seu rosto se vinca em contorções de desprezo pelas almas (9).

Não dês no teu coração guarida a tão funesto vício.

Tudo o que possuis, de Deus o recebeste: basta-te isso para conseguires o teu fim, se com ele quiseres cooperar.

nunca terás de dar conta do que não possuis. Se Deus quisesse que tivesses muitos bens, ter-tos-ia dado, ou ter-se-ia colocado em circunstâncias de os adquirires. Acaso desejas alguma coisa contra a vontade de Deus?

Em vez de olhares invejosamente para os outros, aproveita os talentos que recebeste, e amontoarás um tesouro abundante para a eternidade.

A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.

(1) Sab. II, 24.
(2) Gen. III, 17.
(3) Gen. IV, 12.
(4) Lev. XXIII, 19 ss.
(5) Miq. IV, 9.
(6) Prov. XIV, 30.
(7) Gen. IV, 5-8.
(8) Os. I, 9.
(9) Ecl. XIV, 8.

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