Ó Senhor que sois justo e amais o que é justo, ensinai-me a perfeição da justiça.
1 – A justiça duma alma que aspira à perfeição não é fria, árida, avarenta, limitada apenas ao dever, mas é grande, liberal, generosa, vivificada pelo sopro dilatante da caridade. Por isso vai muito além da justiça exterior – que reveste as ações mas não brota do coração – e é, acima de tudo, justiça interior, ou seja, retidão do coração e da mente, justiça de pensamentos, de desejos, de sentimentos, de intenções. A alma que a possui não ouviu em vão as palavras de Jesus: “Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus” (Mt. 5, 20). A justiça dos fariseus era insuficiente porque se limitava a uma observância puramente exterior das prescrições legais, não tendo escrúpulos de calcar aos pés, ás escondidas, deveres sacrossantos. Aqueles homens encobriam a sua conduta pública com o mando da justiça, não se preocupando em inspirar nela o seu comportamento privado, os afetos e os desejos do seu coração. De que vale, por exemplo, arvorar-se publicamente em defensor dos direitos do povo, quando, na vida privada, não se retribui aos operários segundo a justiça, ou se falta à honestidade no comércio, nos negócios, no exercício da profissão? De que serve rodear uma pessoa de palavras gentis, de promessas, ou até dar-lhe presentes, quando senão querem reconhecer e respeitar os seus direitos?
A alma sedenta de justiça tem horror a todos estes modos de proceder e, muito longe de se contentar com parecer justa nas ações que podem ser observadas, quer sê-lo em todas, mesmo naquelas que se ocultam aos olhares dos homens e que são conhecidas só de Deus, quer sobretudo a justiça do coração e do espírito, porque só da justiça interior procederá a justiça exterior.
2 – Se conosco mesmos devemos ser rigorosos em exigir a justiça em todas as nossas ações internas e externas, não devemos sê-lo tanto em relação ao próximo. Ninguém como Jesus veio trazer a justiça ao mundo e ninguém como Ele agiu com maior bondade e doçura. Ainda quando se tem o dever, em razão do ofício ou do apostolado, de salva guardar ou de estabelecer a justiça num determinado meio, é preciso evitar proceder com rigor, pelo contrário, é necessário agir com bondade, procurando antes persuadir do que impor. Quem pretender fazer justiça pela força, nada conseguirá ou, quando muito, conquistará uma posição forçada que bem depressa cairá por terra. Seguindo o exemplo de Jesus, é preciso procurar que a justiça penetre nas almas e na sociedade pela caridade, pelo amor, pela compreensão das fraquezas alheias. Se queremos ser realistas lembremo-nos de que, por mais que se faça, nunca se poderá conseguir na terra, nem sequer nos melhores ambientes, uma justiça absoluta. A justiça perfeita só no céu a alcançarmos; também Jesus suportou as injustiças de Judas e dos fariseus e, embora tivesse podido fazê-lo, não quis que a cizânia fosse arrancada do campo até ao momento da ceifa. Especialmente quando se trata de injustiças que nos ferem, devemos ser muito pacientes e misericordiosos. Para uma alma que aspira à santidade, pode dizer-se que o maior ato de justiça consiste em suportar com paciência e humildade as injustiças de que é objeto, já que seria absurdo pretender chegar à perfeição sem seguir o caminho trilhado por Jesus. Se Ele, inocentíssimo, sofreu tantas injustiças sem um queixume, não será justo que nós, pecadores, soframos ao menos alguma coisa sem nos considerarmos vítimas, mas com santa naturalidade e serenidade? A própria justiça, por conseguinte, leva-nos a suportar as injustiças. Assim esta virtude que começa por nos impor que demos a cada um o que lhe pertence, atinge o seu ponto culminante levando as nossas almas a entrarem plenamente no caminho da santidade e da união com Deus.
Colóquio – “A justiça procede de Vós, ó meu Deus, tem sempre os olhos voltados para Vós e da justamente a cada um o que ele espera. Porém, que é esta justiça e que significa ter os olhos sempre voltados para Vós? Oh! a justiça é uma das Vossas perfeições, ou melhor, Vós sois a mesma justiça, ó Deus! E quem reflete em si próprio esta virtude, tem voltado para Vós o seu olhar, porque a Vós se assemelha e quer assemelhar-se em todas as ações, agindo sempre sem engano nem fraude. Pondo depois os olhos em Vós, ó Verbo Incarnado, a alma vê que sois tão justo que, em vez de faltar à justiça quisestes punir em Vós todos os nossos pecados. Por isso, também ela quer fazer justiça em si mesma dos seus próprios erros. Mas vê também que em Vós a justiça não exclui a misericórdia, de tal maneira que Vós, ó Cristo, Vos dais em alimento aos Vossos remidos: alimentai-los com as Vossas palavras, obras e exemplos, mas muito mais com o Vosso Sangue precioso” (cfr. Sta M. Madalena de Pazzi).
“Ó Senhor, o perfume da Vossa justiça está em toda a parte e é tão abundante que Vós não sois chamado simplesmente o Justo, mas a própria Justiça, ou antes, a Justiça justificante; e tanto mais podeis justificar quanto mais inclinado estais a perdoar. Por isso todo aquele que, detestando os seus erros, tem fome e sede de justiça, pode esperar em Vós, pois justificais o ímpio.
“Ninguém tenha a presunção de pensar que a sua justiça ou a sua santidade bastam para lhe assegurar a salvação. Portanto, corro para Vós, ó jesus: a Vossa Paixão é o supremo refúgio, o único remédio! Ela socorre-nos quando a nossa sabedoria nos falta, quando a nossa justiça é demasiado fraca e quando são vãos os méritos da nossa santidade. Se a minha fortaleza vacilar, não perderei a coragem. Sei muito bem o que hei de fazer: tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor. iluminai os meus olhos, ó Senhor, para que saiba o que Vos agrada e então serei prudente. Perdoai as culpas da minha juventude e da minha ignorância, e serei justo. guiai-me, ó Senhor, no Vosso caminho, e serei santo. Mas se o Vosso Sangue não intercede por mim, não serei salvo” (S. Bernardo).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico