A lembrança da presença de Deus e o sentimento dessa divina presença

Perguntais como poderíeis fazer para levar vossa mente direito a Deus, sem olhar nem para a direita nem para a esquerda. Muito agradável me é a vossa proposição, tanto mais quanto traz consigo a resposta: há que fazer isso que dizeis, isto é, ir a Deus sem olhar nem para a direita nem para a esquerda. Não é isto o que perguntais, bem o vejo; mas perguntais como poderíeis fazer para firmar de tal modo a vossa mente em Deus, que nada possa desprendê-la nem retirá-la dEle. Duas coisas são necessárias: morrer e ser salvo, porquanto depois disso nunca haverá separação, e o vosso espírito estará indissoluvelmente preso e unido a seu Deus.

Dizeis que não é ainda isso o que perguntais, mas sim o que poderíeis fazer para impedir que a menor mosca retire de Deus a vossa mente, assim como faz; quereis dizer a menor distração. Perdoai-me, mas a menor mosca de distração não retira de Deus a vossa mente, tal como dizeis, pois nada nos retira realmente de Deus senão o pecado; e a resolução que tomamos pela manhã, de mantermos nosso espírito unido a Deus e atento à sua presença, faz que fiquemos sempre nessa presença, até mesmo quando dormimos, já que dormimos em nome de Deus e segundo a Sua santissima vontade. Parece mesmo que a sua divina Bondade nos diz: Dormi e repousai, e entrementes eu terei os olhos sobre vós para vos guardar e defender do leão rugidor que anda sempre em torno de vós para vos poder destruir. Vede, pois, se não temos razão para nos deitarmos modestamente, assim como havemos dito. O meio de fazermos bem tudo quanto fazemos é sermos bem atentos à presença de Deus; pois nenhum de nós o ofenderá vendo que Ele nos olha. Os próprios pecados veniais não são capazes de nos desviar da trilha que conduz a Deus; sem dúvida, eles nos sustam um pouco no nosso caminho, mas todavia não nos desviam dele, e muito menos as simples distrações; e isto disse-o eu na Introdução (“Introd. à vida devota”).

No que concerne à oração, não nos é ela menos útil, nem menos agradável a Deus, do que se tivéssemos nela muita consolação, porque nela há mais trabalho, contanto todavia que tenhamos a fidelidade de nos retirarmos dessas distrações e não deixemos a mente deter-se nelas voluntariamente.

O mesmo sucede com o custo que temos, ao longo do dia, de determos nosso espírito em Deus e nas coisas celestes, contanto que tenhamos o cuidado de retirar o nosso espírito para impedí-lo de correr atrás dessas moscas e borboletas, como uma mãe faz com seu filho. Ela vê que esse pobre pequeno gosta de correr atrás das borboletas, cuidando apanhá-las; ela o retira e o retém incontinente pelo braço, dizendo-lhe: Meu filho, tu te consumirás a correr atrás dessas borboletas, ao sol; melhor é que fiques ao pé de mim. Esse pobre filho ai fica até a tempo de ver outra borboleta, atrás da qual estaria igualmente pronto a correr, se a mãe o não retirasse como antes. E que fazer aí senão termos paciência e não nos cansarmos do nosso trabalho, já que ele é tomado por amor de Deus?

Mas, se me não engano, quando dizemos que não podemos achar a Deus, e que nos parece estar ele muito longe de nós, que­remos dizer que não podemos ter o sentimento da sua presença. Tenho notado que muitas pessoas não fazem diferença entre Deus e o sentimento de Deus, entre a fé e o sentimento de fé; o que constitui um grandíssimo defeito. Quando elas não sentem Deus, parece-lhes que não estão na presença dEle, e isto é uma ignorância; porquanto uma pessoa que vai sofrer o martírio por Deus, e que não obstante não pensa em Deus durante esse tempo, senão na sua pena, por não ter o sentimento da fé nem por isso deixa de merecer em favor da sua primeira resolução, e de fazer um ato de grande amor. Muito há que dizer do ter a presença de Deus (entendo o estar em sua presença), e do ter o sentimento da sua presença; só Deus nos pode fazer esta graça; porque, dar-vos os meios de adquirir esse sentimento, isto não me é possível.

Perguntais como devemos fazer para nos mantermos com grande respeito diante de Deus, como sendo indignos desta graça. Não há outro meio de fazê-lo senão como dizeis: considerar que Ele é nosso Deus e que nós somos suas fracas criaturas, indignas dessa honra; como fazia S. Francisco de Assis, que passou uma noite toda interrogando a Deus nestes termos: “Quem sois Vós, e quem sou eu?”

Requer-se, contudo, mantermo-nos em grande reverência em falando à divina Majestade, já que os Anjos, tão puros, tremem na presença dela. Porém, meu Deus, dirão algumas pessoas, nem sempre eu posso ter esse sentimento da presença de Deus que causa tamanha humilhação à alma, nem essa reverência sensível que me faz aniquilar-me tão doce e agradavelmente diante de Deus. Ora, também não é dessa presença que eu entendo falar, mas daquela que faz que a parte suprema e a ponta do nosso espírito se conserve baixa e em humildade perante Deus, em reconhecimento da Sua infinita grandeza e da nossa profunda pequenez e indignidade.

O Segredo da Salvação, A Lembrança da presença de Deus e as Orações jaculatórias, extraído das Obras de S. Francisco de Sales, por Fernando Millon, Missionário de S. Francisco de Sales, 1952.

Última atualização do artigo em 7 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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