Infundi em mim, ó Senhor, um vivo espírito de piedade, a fim de aprender a tratar conVosco com afeto filial.
1 – A doutrina de S. João da Cruz e de Sta Teresa de Jesus oferece-nos um método de meditação particularmente apto para conduzir as almas á intimidade com Deus e para as preparar para a contemplação.
S. João da Cruz indica-nos a nota distintiva desse método: “O fim – diz ele – da meditação e discurso nas coisas de Deus, é auferir algum conhecimento e amor de Deus” (S. II. 14, 2). Vemos imediatamente que o acento não é posto sobre o trabalho da inteligência, sobre o “conhecimento especulativo” de Deus e das verdades da fé, mas sobre o “conhecimento amoroso”, o qual se apoia no pensamento, porém num pensamento afetuoso, penetrado de amor, que brota de um coração amante. Quem ama uma pessoa consegue conhecê-la e compreendê-la muito melhor e com mais facilidade do que quem a estuda, talvez mais minuciosamente, mas sem amor.
Sta Teresa de Jesus fala de modo semelhante e afirma que a oração consiste “não em pensar muito, mas em amar muito” (M. IV. 1. 7). O pensamento é sempre subordinado ao amor; evidentemente, na meditação pensa-se, não para termos mais conhecimentos, mas sim para nos pormos em estado de amar mais o Senhor. Por isso o trabalho da mente deverá servir sobretudo para nos darmos conta do amor de Deus por nós, refletindo sobre as suas várias manifestações. Pode bem dizer-se que não há mistério divino ou verdade de fé que, de um modo ou de outro, não nos fale da excessiva caridade do Senhor. Quanto mais estivermos convencidos deste amor, mais adquiriremos um “conhecimento amoroso” de Deus, ao mesmo tempo que nos sentiremos cada vez mais impelidos a amar Aquele que tanto e primeiro nos amou. Assim a meditação, ou seja, o discurso da inteligência, introduzir-nos-á espontaneamente no exercício do amor. Por conseguinte, na nossa oração, não daremos o lugar principal às reflexões e aos raciocínios, por mais sublimes e elevados que possam ser, mas servir-nos-emos destes enquanto forem necessários para despertar em nós o amor, para nos porem e manterem em exercício atual de amor.
2 – Se na meditação não devemos dar ao pensamento o lugar principal, também não devemos cair no excesso oposto, isto é, em descurar o esforço e a aplicação necessária. Eis a conduta que se deverá ter: antes mesmo de ler o ponto da meditação, a alma terá o máximo cuidado de se pôr bem na presença de Deus, procurando, com um ato decisivo da vontade, afastar todo o pensamento estranho, toda a preocupação, toda a pressa.
Como a oração mental consiste num trato íntimo com o Senhor, é claro que não se poderá tratar intimamente com Ele, se Ele estiver longe da nossa mente e do nosso coração. É verdade que Deus nos está sempre presente, mas nós sempre Lhe estamos presentes a Ele. É portanto necessário estabelecer contato com o Senhor, pôr-se perto dEle, e isto faz-se precisamente quando tomamos consciência da Sua presença. Cada um fará este exercício do modo que julgar ser mais fácil: ou considerando a Santíssima Trindade presente no seu coração, ou Jesus presente nos sacrários das nossas Igrejas, ou representando-as interiormente um episódio particular da vida ou da Paixão do Salvador… E assim, na presença de Deus, sob o Seu olhar, começará pausadamente a leitura do ponto de meditação e aplicar-se-á a refletir com calma a suavidade, não como se raciocinasse consigo mesmo, mas muito mais como se conversasse com o Senhor, em cuja presença se encontra. Quanto mais a alma se habituar a refletir assim, como se tratasse e desenvolvesse com Deus o tema da sua meditação, tanto mais esta atingirá o seu fim, que não é outro senão ajudá-la a entreter–se com o Senhor, a conversar afetuosamente com Ele, como o filho conversa com o pai, como o amigo se entretém com o amigo. Em tudo isto é certamente necessário aplicação e esforço, mas estes devem ser mais orientados a manterem a alma em vivo contato com Deus, do que a fixá-la num raciocínio abstrato e cerrado. Os pensamentos obtidos na meditação – a cujo texto a alma pode voltar sempre que sentir necessidade – servir-lhe-ão para alimentar esse contato e para lhe dar um assunto de conversa com o Senhor. Resumindo, o trabalho da inteligência não deve fazer-nos esquecer que a essência da oração consiste num trato íntimo com Deus, trato em que, mais do que pensar, é preciso amar.
Colóquio – “Ensinai-me, Senhor, a meditar. Ensinai-me a fazer oração, já que eu não sei fazer nem uma coisa nem outra como convém e só de Vós o posso aprender. Dai-me ouvidos para Vos escutar na leitura e na meditação, dai-me língua para Vos falar na oração. Infundi em mim o Vosso divino Espírito para que me ensine sobre o que devo refletir, o que devo dizer e pedir e de que modo o devo pedir para o obter. Que o Espírito Santo me ensine a gemer na Vossa presença, que forme em mim aqueles santos gemidos que Vós sempre ouvis e nunca rejeitais. Inspirai-me, Senhor, um grande amor pela Vossa verdade e doutrina, para que estudando-as, eu as entenda e saboreie. Abri-me a inteligência, abri-me o coração e tornai-me fiel para acreditar naquilo que me ensinais e para praticar aquilo que me mandais” (autor antigo).
Mas sobretudo, Senhor, fazei que a meditação dos Vosso mistérios sirva para me inflamar no Vosso santo amor, para me tornar mais capaz de Vos amar, mais disposto a entregar-me com generosidade ao Vosso serviço. Ensinai-me a meditar não só com a mente, mas sobretudo com o coração. Ensinai-me a meditar com ânimo devoto e amante e então a meditação acrescentará novas centelhas de amor ao amor do meu coração e – como espero pela Vossa graça – nascerá em mim uma chama cada vez mais forte e ardente, cada vez mais capaz de purificar a minha alma e de me lançar amorosamente no cumprimento da Vossa vontade. Como seria feliz, Senhor, se pelo sopro potente do Espírito Santo, esta chama se ateasse num incêndio de amor divino! A minha frieza, a minha mesquinhez, o meu egoísmo, tornaram-me indigno e incapaz, mas Vós, que sabeis suscitar até das pedras, filhos de Abraão, quebrai o meu coração tão duro e frio e despertai nele a chama viva do Vosso amor.
“Ó Deus eterno, Vós sois a bondade eterna e infinita, e ninguém Vos pode compreender nem conhecer plenamente se Vós não Vos dais a conhecer. E dais-Vos tanto a conhecer quanto o vaso da nossa alma estiver disposto a receber. ó dulcíssimo amor, nunca Vos amei em todo o tempo da minha vida… Mas a minha alma sempre Vos deseja e quanto mais Vos possui, mais Vos procura, e quanto mais Vos deseja, tanto mais Vos encontra e saboreia, ó sumo e eterno Fogo, Abismo de caridade” (Sta Catarina de Sena).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.