Ó Senhor, tornai-me generoso e fiel no Vosso serviço para que não ponha mais obstáculos à Vossa ação em mim.
1 – A fonte de água viva da qual brotam a experiência amorosa de Deus e a luz contemplativa, não é outra coisa senão a operação do Espírito Santo que age nas almas mediante a atuação dos dons. E como todos nós recebemos no batismo os dons do Espírito Santo, que são disposições sobrenaturais que nos tornam capazes de acolher as moções divinas, é claro que se Deus no-los concedeu, não foi para os deixar inativos, mas para os pôr em ato. Por isso a sua atuação não pode considerar-se um fato extraordinário, mas conatural, de tal modo que a experiência amorosa de Deus e a luz contemplativa que deles derivam não podem ser estranhas ao pleno desenvolvimento da graça. Por outras palavras, se uma alma se abre generosamente à ação da graça e se lhe corresponde com plena boa vontade, pode-se pensar com razão que o Senhor não lhe negará pelo menos alguma gota de água viva, ou seja, algum conhecimento contemplativo. Sta Teresa afirma-o energicamente e diz a este respeito: “Não tenhais medo de morrer de sede neste caminho; numa falta a água da consolação” (Cam. 20,2). Mas devemos compreender que o “caminho” de que fala a Santa, é o da doação total, da generosidade que não conhece limites, que nunca diz “isto é demais”, da generosidade que se dá sem calcular e que persevera apesar das asperezas do caminho, da aridez interior e das dificuldades externas.
Se é justo que a alma que se sente chamada à intimidade divina aprecie e deseje a contemplação, não é fora de propósito que procure preparar-se para a receber. Deus não concede esta graça a muitas almas porque não as encontra convenientemente dispostas. É necessário, pois, trabalhar, para não sermos privados dela por nossa culpa. E se tivermos feito tudo o que depende de nós para nos dispormos o melhor possível, não devemos temer que o nosso esforço se perca. De um modo ou de outro, mais cedo ou mais tarde, o Senhor sempre nos dará de beber.
2 – Teresa de Jesus, falando da atmosfera espiritual em que habitualmente desabrocha a contemplação, propõe, acima de tudo, um intenso exercício das virtudes, particularmente do desapego total e da humildade profunda. É preciso notar que não se contenta com um exercício feito de qualquer forma, mas exige que seja plenamente generoso e, muitas vezes, até verdadeiramente heróico. O motivo é este: a contemplação é um dom gratuito de Deus, portanto exige generosidade da nossa parte; as almas pouco generosas jamais a conhecerão. É sempre o grande princípio inculcado pela Santa: “Deus não força ninguém; toma o que Lhe damos, mas não Se dá a Si de todo, até que de todo nos demos a Ele” (Cam. 28, 12).
Além desta atmosfera de generosidade, é ainda necessária uma diligente e constante aplicação ao recolhimento e à oração. Quanto mais a alma souber recolher-se em Deus, tornando cada vez mais íntima e profunda a sua oração e o seu contato vital com Ele, tanto mais estará apta a receber as moções divinas. Eis, em síntese, qual deve ser a nossa preparação: por um lado, um intenso exercício de mortificação, de abnegação, de desapego (1) – e esta é a prática das virtudes – e por outro, uma intensa aplicação à vida de oração.
Preparando-nos para a contemplação, não pretendemos fazer dela o fim da nossa vida sobrenatural. o fim é sempre o amor, já que a santidade consiste essencialmente na perfeição da caridade. Contudo, a contemplação é um meio muito poderoso para nos fazer chegar em breve à plenitude do amor e é por isso que nós a desejamos. A nossa vida é um caminhar para Deus, um contínuo tender, um contínuo orientar das nossas energias para Ele. Feliz a alma que é fortemente atraída para o Senhor! O seu passo torna-se mais ágil e rápido. É precisamente esta a grande ajuda que nos vem da contemplação. E assim compreendemos que nos devemos preparar para ela, não para gozar as suas doçuras, mas para entrar em cheio no caminho da intimidade divina, no caminho do amor perfeito, pois que nada é capaz de nos orientar totalmente para Deus e para a Sua glória como aquela experiência amorosa e aquela luz contemplativa que constituem a essência da contemplação.
Colóquio – “Meu Deus, se quereis entrar numa alma para Vós regalardes e a cumulardes de bens, não tendes outro caminho senão este: que a alma esteja só, pura e com grande vontade de Vos receber. Se Vos pomos muitos tropeços e não fazemos nada para os tirar, como haveis de vir a nós? Como queremos que nos façais grandes mercês?
“Que pretensões as nossas! Ainda estamos em mil embaraços e imperfeições, as virtudes ainda não sabem andar, porque ainda há pouco começaram a nascer – e praza a Vós, meu Deus, que estejam ao menos começadas! – e não temos vergonha de querer gostos na oração e de nos queixarmos de aridez!
“Ó Senhor, Vós sabeis melhor do que eu o que me convém; não sou eu que Vos hei de aconselhar o que me haveis de dar, pois podeis dizer-me, com razão, que não sei o que peço. Toda a minha pretensão, ao começar a ter oração e ao preparar-me para receber os Vosso dons, há de ser trabalhar, determinar-me e dispor-me com quanta diligência puder, a conformar a minha vontade com a Vossa, meu Deus. Vós fazeis-me compreender que nisto consiste a maior perfeição que se pode alcançar. Quanto mais perfeita for esta conformidade, mais receberei de Vós e mais adiantada estarei neste caminho” (T.J. Vi. 8, 9; M. II, 7 e 8). Ajudai-me, Senhor, a formular generosos propósitos a fim de que saiba dar-me a Vós sem reserva alguma, sem divisão alguma. É isto o que esperais de mim; depois vireis Vós completar a Vossa obra.
“Sou Vossa, meu Deus! Fazei de mim o que quiserdes e levai-me por onde Vos aprouver. Se, com o Vosso auxílio, for verdadeiramente humilde e desprendida de tudo, não deixareis de me conceder a graça da oração e muitas obras ainda superiores a todos os meus desejos” (T.J. M. IV, 2, 10).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
(1) Este assunto foi desenvolvido amplamente na primeira parte da Obra; aqui refere-se sobretudo à oração.