Todas as coisas choraram a morte do Senhor. Em sua morte aconteceram tantos prodígios que ficava bem claro a força escondida, mesmo depois de sua partida. Aqueles braços esticados na cruz escondiam o poder de Deus. A escuridão, após a morte do Senhor, desapareceu e o dia voltou a ficar claro. O sol iluminava o maravilhoso corpo de Jesus. O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; sobre aqueles que habitavam uma região tenebrosa resplandeceu a luz (Is 9, 1).
E eis que o véu do templo se rasqou em duas partes de alto a baixo, a terra tremeu, fenderam-se as rochas (Mt 27, 51). E toda a multidão dos que assistiam a este espetáculo e viam o que se passava voltou, batendo no peito (Lc 23, 48).
O primeiro lugar que sentiu a morte do Senhor foi o santuário. O templo celebrado no mundo inteiro pela magnitude, onde Deus havia escolhido sua morada, viu o véu rasgar-se de alto a baixo.
No templo havia um lugar chamado Santo, e outro mais escondido que levava o nome de Santo dos Santos. O átrio do local Santo dividia-se com um véu pendurado do alto até embaixo, um segundo véu separava o Santo dos Santos.
No lugar santo estava a mesa dos pães da proposição, o altar dos sacrifícios e o candelabro de sete braços. No Santo dos Santos estava o incensário de ouro e a arca do testamento, toda em ouro também. Na arca havia uma urna de ouro que continha o maná, a vara de Aarão e as tábuas da lei que Moisés recebeu de Deus.
Em cima da arca tinha dois querubins de ouro, um de frente para o outro, que com suas asas cobriam a mesa dos pães da proposição.
Pelo átrio se entrava no lugar Santo, e dali se chegava ao Santo dos Santos. O átrio era um lugar comum a todos; no santo, só podiam entrar os sacerdotes, para oferecerem os sacrifícios do dia; e no Santo dos Santos, somente o sumo sacerdote podia entrar, e apenas uma vez por ano para oferecer o sangue do sacrifício, derramando-o pela sua culpa e pelas culpas do povo.
O rompimento do véu foi o maior sinal ocorrido, maior que o eclipse, o tremor de terra e as pedras rachadas.
Os judeus podiam atribuir o terremoto e o eclipse como acontecimentos naturais, mas o véu se rasgar era com certeza um sinal divino. Com o sinal, Deus anunciava o abandono do templo, não seria mais necessário esconder com o véu o local. O templo agora estava vazio.
O exato local do Santo dos Santos encontrava-se agora no Calvário, onde a verdadeira arca da aliança, que guarda todos os tesouros de Deus, estava como verdadeira vítima da propiciação divina. Porque é Deus que, em Cristo, reconciliava consigo o mundo (2Cor 5, 19). A vara de Aarão tinha sido substituída pela cruz. As tábuas da lei foram superadas e aperfeiçoadas pelo mandamento novo: o amor. O maná ficava como uma recordação, pois o verdadeiro alimento é o corpo e o sangue de Jesus.
E quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim (Jo 12, 32). Com a força do amor, atraiu todas as coisas para si; a sinagoga ficou vazia e o templo uma casa deserta e sem dono.
O Santo dos Santos significava o reino dos céus, o lugar escondido aos olhos dos homens, onde Deus habitava.
O caminho do Santo dos Santos ainda não estava livre, enquanto subsistisse o primeiro tabernáculo. Porém, já veio Cristo, Sumo Sacerdote dos bens vindouros. E através de um tabernáculo mais excelente e mais perfeito, não construído por mãos humanas, sem levar consigo o sangue de carneiros ou novilhos, mas com seu próprio sangue, entrou de uma vez por todas no santuário, adquirindo-nos uma redenção eterna (Hb 9, 8.11-12).
Por esta razão rasgou-se o véu do templo, mostrando que estava aberto o caminho do céu.
Todos o s sinais foram de grande alegria para os que acreditavam em Jesus crucificado. Para os judeus foi um sinal que encheu de temor. Mesmo assim muitos não acreditaram, mas outros viram no sinal toda indignação de Deus e se arrependeram de suas crueldades.
Enquanto o véu se rasgava, a terra tremeu, fenderam-se as rochas (Mt 27, 51). A própria terra reconheceu o seu criador e se alegrava com o triunfo sobre os inimigos.
Ó Deus, quando saíeis à frente de vosso povo, quando avançáveis pelo deserto, a terra tremia (SI 67, 8-9). Ó montes, por que saltastes como carneiros, e vós, colinas, como cordeiros? Ante a face de Deus, treme, ó terra (SI 113, 6-7).
Os louvores eram para lembrar da libertação e do afogamento dos egípcios no Mar Vermelho. Se o Senhor fez este portento para o seu povo escolhido, que tantas vezes fora infiel, com mais razão o faria para honrar seu Filho amado, que sempre foi fiel. O Senhor resgatou o seu povo da escravidão do pecado, sustentando-o com a sua fortaleza, pelo deserto da cruz até chegar à terra prometida dos céus. Conduzistes com bondade esse povo, que libertastes; e com vosso poder o guiastes à vossa morada santa (Ex 15, 13).
As rochas se quebravam, mas os judeus permaneciam firmes, não reconheciam os pecados.
Percebendo a derrota, o inferno tremeu. A morte foi tragada pela VItória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? (1Cor 15, 55). O Senhor do alto da cruz fez desaparecer a morte para sempre (ls 25, 8). Onde estão tuas calamidades, ó morte? (Os 13, 14). A vida absorveu a morte.
Cancelando o documento escrito contra nós, cujas prescrições nos condenavam. Aboliu-o definitivamente, ao encravá-lo na cruz (CI 2 , 14). Despojou os demônios do poder, que até então possuíam sobre os homens. Caíram sobre eles o terror e a angústia, o poder do vosso braço os petrificou ( Ex 15 , 16).
O reino de Cristo venceu os espíritos diabólicos; o poder do pecado e das trevas desapareceu diante do brilho luminoso da cruz. Abria-‘se nos corações dos homens a fé, a esperança e a santidade. Começava a florescer um novo tempo no mundo.
Muitos gentios deram testemunho. Os soldados que estavam de guarda foram os primeiros a manifestar publicamente a fé em Cristo. Graças a Jesus Cristo, vós que antes estáveis longe, vos tornastes presentes, pelo sangue de Cristo (Ef 2, 13). Aconteceu o mesmo no nascimento, os gentios vindo do Oriente vieram adorá-lo . Agora, enquanto os judeus zombavam, os gentios o reconheciam como Deus. O centurião e seus homens que montavam guarda a Jesus, diante do estremecimento da terra e de tudo o que se passava, disseram entre si, possuídos de grande temor: Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus! ( Mt 27, 54).
O mérito da Paixão do Senhor também alcançou alguns judeus. E toda a multidão dos que assistiam a este espetáculo e viam o que se passava voltou, batendo no peito (Lc 23, 48).
A Paixão do Senhor, Luis de La Palma, 1624.