A Paixão do Senhor: Os soldados ultrajam Jesus

Cristo Coroado de Espinhos, por Dirck van Baburen, entre 1621 e 1622

Enquanto os soldados açoitavam o Senhor, Pilatos fingia não ver ou talvez tivesse saído do pretório. Não pretendia com a pena castigar o réu, apenas tentava satisfazer os inimigos. Provavelmente os inimigos pagaram aos verdugos para que castigassem com bastante violência. Entre a dissimulação do governador e o ódio dos acusadores, os verdugos se excederam acima do suportável na punição. Assim que desprenderam Jesus da coluna, recomeçaram os escárnios e as injúrias.

Pilatos formou uma ideia particular sobre o reino de Cristo, misturando o que tinha ouvido dos judeus e do próprio Jesus. Tinha tomado conhecimento que uns dias antes, o povo o aclamara rei, mas não conseguia compreender o mistério sobre um reino de outro mundo. Sabia que Jesus atribuía a si mesmo uma dignidade real e que os judeus não a aceitavam. Era evidente que não merecia morrer, talvez apenas uma punição pela confusão causada na cidade. Soube que Herodes o considerou um louco. Talvez por tudo isso tenha deixado os soldados ridicularizarem o Senhor, assim os judeus ficariam satisfeitos e não pediriam mais sua morte.

Os soldados ficaram entusiasmados pela possibilidade de se divertirem livremente. Cumpria-se o que estava escrito: aumentaram a dor daquele a quem feristes (SI 68, 27).

Foram tão criativos na humilhação, que somente uma intervenção do demônio pode explicar a tamanha barbárie que se apoderou dos carrascos. Somente acreditamos em tamanha crueldade por estar relatada no Evangelho, de outra forma , nunca poderíamos acreditar em tamanho horror.

Para injuriar e escarnecer de Jesus, não foi suficiente apenas os carrascos, chamaram todo o pelotão, perto de cento e vinte cinco soldados; foram todos se divertir e passar o tempo com aquele louco que se achava rei.

O Senhor havia vestido a túnica após os açoites, o sangue coagulado do corpo se prendia na sua vestimenta. Com força usada, abriram-se as feridas e voltou a sangrar. Arrancaram-lhe as vestes e colocaram-lhe um manto escarlate (Mt 27, 28).

Quem trajava o manto vermelho era o imperador romano, deste modo ficava patente a chacota em cima de quem pretendia ser rei. O manto era velho, rasgado e sujo; colocaram de qualquer jeito, demonstrando que sua pretensão era de um louco.

Depois os soldados teceram de espinhos uma coroa e puseram-lhe sobre a cabeça (Jo 1 9, 2). A coroa tinha a forma de um capacete e cobria toda a cabeça, alguns espinhos eram longos e pontiagudos, outros curtos e encurvados. Não sabemos quais tipos de espinhos foram usados, pois em Jerusalém existem muitas espécies. Cravaram com toda força, usando pedaços de pau, para não ferirem as mãos. A dor foi enorme e o sangue começou a escorrer pelo rosto. O Senhor deixou para nós, junto à sua coroa, duas preciosidades: a dor e a humilhação.

Continuando a injúria, puseram-lhe na mão uma vara para fazer de cetro real (Mt 27, 29). Tinham Jesus como um homem sem valor, a vara representava seu reino: fraco e partido.

O Senhor havia dito aos discípulos sobre o destino do Filho do homem: Escarnecerão dele, cuspirão nele (Mc 10, 34).

Ajoelhados diante de Jesus, começaram a saudá-lo: Salve, rei dos judeus! E davam-lhe bofetadas (Jo 19, 3), zombavam e fingiam adorá-lo como rei. Cuspiam-lhe no rosto e, tomando da vara, davam-lhe golpes na cabeça (Mt 27, 30), misturando aquela saliva asquerosa com o precioso sangue e enterrando mais os espinhos em sua cabeça.

Os soldados conduziram-no ao interior do pátio, isto é, ao pretório (Mc 15 , 16). Era grande e comportava todo o público espectador. Assentaram Jesus para que todos pudessem ver, despiram-no e colocaram o manto curto e a coroa de espinhos, e diziam debochados: Este manto, senhor rei, quem envia é o imperador de Roma. Todos, soldados e povo, gargalhavam com a encenação. Colocando em sua mão a vara: Receba o cetro real, que representa o reino: vazio como sua cabeça. Escorriam lágrimas de dor dos olhos de Jesus, Senhor dos senhores, Rei dos reis.

Ao cravarem a coroa de espinhos com pauladas, diziam: Como é rei, não pode ficar sem uma coroa, esperamos que esta seja de seu agrado. Escorrendo sangue pelos cabelos, testa, rosto e pescoço, o Senhor inclinou a cabeça para o alto, para que nós que estávamos caídos, pudéssemos nos levantar. Mas vós sois, Senhor, para mim um escudo; vós sois minha glória, vós me levantais a cabeça (SI 3, 40).

Quem poderá reclamar de uma ofensa, quando vemos o quanto o Senhor sofreu por nós?

Jesus permanecia imponente ante os algozes. Aos que me feriam, apresentei as espáduas, e as faces àqueles que me arrancavam a barba; não desviei o rosto dos ultrajes e dos escarros (Is 50, 6). O Senhor era mais poderoso em sofrer, do que os inimigos em o maltratarem; sentava-se com tanto esplendor, como se fosse uma coroação real; aceitava as injúrias como se fossem louvores. Nunca houve na história, um rei ou imperador que aceitasse com tanto amor aquele manto sujo, o cetra-vara e a coroa de espinhos. O Senhor gostaria que todos os homens estivessem presentes à sua coroação. Mas poucos estavam presentes ao convite: Saí, ó filhas de Sião, contemplai o rei Salomão, ostentando o diadema recebido de sua mãe no dia de suas núpcias, no dia da alegria de seu coração (Ct 3, 11). O rei glorioso por vossa santidade (Ex 15, 11), seria coroado não por jóias, mas pela riqueza que Deus lhe concedeu para sua glória: a obediência até a morte por amor.

O manto rubro era velho e não tinha valor, porque o verdadeiro traje real eram as chagas com seu sangue.

Reúnem-se todos e vem a ti. Por minha vida, diz o Senhor, de te revestirás, como uma noiva te cingirás (Is 49, 18). Aquele manto representava os amigos fiéis, por quem derramava seu sangue, os tornando novos, limpos e cheios de graça. Felizes aqueles que lavam as suas vestes para ter direito à árvore da vida e poder entrar na cidade pelas portas (Ap 22, 14). Por este caminho se tornou Rei dos reis, porque todos os seus súditos, ficaram vestidos de vermelho com seu precioso sangue.

Nenhuma coroa seria digna, pois tudo neste mundo é perecível. O que fica é o amor que se adquire pelo sofrimento, como espinhos que ferem. Embora merecêssemos a morte eterna e todo o sofrimento, o Senhor recebeu os espinhos em nosso lugar. O que seria para nós castigo, para Ele foi glória eterna. Dos espinhos de que fomos poupados, brotou flores de imortalidade, uma coroa perene. Cravada firmemente em sua cabeça, assim não cairia e ninguém poderia tirá-la, seu reino seria inabalável e perpétuo.

O seu cetro era uma vara, mas de ferro: Tu as governarás com cetro de ferro, tu as pulverizarás como um vaso de argila (SI 2, 9). Teria domínio sobre todos os povos, os reis do mundo lhe seriam submissos e seus inimigos ficariam humilhados e frágeis como vasos de barro. O Senhor estenderá desde Sião teu cetro poderoso: Dominarás, disse ele, até o meio de teus inimigos (SI 1 09, 2). Assim aconteceu: os apóstolos saíram e conquistaram o mundo com a Palavra. A força não era deles, vinha do alto; eram frágeis como uma vara, mas o Senhor os tornou rijos como ferro. A fraqueza de Deus é mais forte do que os homens (1Cor 1, 25). Uma vara posta na mão de Deus é mais forte que tudo. Santo Atanásio diz que os a póstolos foram à vara frágil: ignorantes e fracos, mas em pouco tempo se estenderam por todo o mundo, com o cetra de Deus, vencendo e convertendo reis, sábios e poderosos.

Vede, irmãos o vosso grupo de eleitos: não há entre vós muitos sábios, humanamente falando, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. O que é estulto no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e o que é fraco no mundo, Deus o escolheu para confundir os fortes; e o que é vil e desprezível no mundo, Deus o escolheu, como também aquelas coisas que nada são, para destruir as que são. Assim, nenhuma criatura se vangloriará diante de Deus (1Cor 1, 26-29). Nem conferirá a si, a força e o poder que vem de Deus.

Como o seu reino foi fundado em homens, os escárnios foram necessários para que estes se tornassem pacientes na adversidade, desprezassem os aplausos e renunciassem a tudo que no mundo separa de Deus. Assim ficariam preparados todos o que confessam seu nome; mártires e santos saberiam que a felicidade não é triunfar neste mundo, mas servir ao Senhor.

Não seria justo apenas alguns assistirem, então, o trouxeram para o pátio, onde todos pudessem ver a sua coroação.

A Paixão do Senhor, Luis de La Palma, 1624.

Última atualização do artigo em 11 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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