Quando colocamos algo valioso nas mãos de alguém é porque confiamos que cuidará bem, como se fosse seu. Se isso acontece conosco, que somos muitas vezes mentirosos e fazemos as coisas mal feitas, muito mais razoável e sensato é que confiemos em Deus, pois o Senhor é fiel em suas palavras e santo em tudo o que faz (SI 144, 13). Por acaso conhecemos alguém que esperou algo de Deus e não foi atendido? Tudo o que temos é de Deus; devemos considerar e crer que tudo o que faz por nós é bom.
É mais valiosa a confiança em Deus quando estamos sofrendo contrariedades. Nestes momentos, além de confiar, devemos nos colocar em suas mãos e dizer: seja feita a sua vontade. Assim, manifestamos que Ele é justo e santo em tudo, ainda que nos levasse à morte. Se ele me mata, nada mais tenho a esperar; e assim mesmo defenderei minha causa diante dele (Jó 13, 15).
Assim ensinou o Mestre que confiou sempre em Deus, mesmo no meio dos tormentos. Antes de começar sua Paixão, colocou sua vida e sua honra nas mãos de Deus: Meu Pai, se é possível, afasta demim este cálice! Todavia não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres. Meu Pai; senão é possível que este cálice passe sem que eu o beba, faça-se a tua vontade! (Mt 26, 39.42). Quando Pedro tentou persuadi-lo, disse: Não hei de beber eu o cálice que o Pai me deu? (Jo 18, 11). O Senhor se colocou totalmente nas mãos do Pai, mesmo depois de ver a morte e a vergonha que sofreria. Ainda assim, confia plenamente e entrega seu espírito ao Pai. Chamou de Pai antes de sofrer e continuou chamando de Pai quando estava para morrer. Sabia, com certeza, que ressuscitaria ao terceiro dia, que a vitória era devida pelos seus méritos. Não quis fazer justiça pelas próprias mãos, se colocou nas mãos de Deus esperando pelos três dias, porque retomaria seu corpo, já glorioso e imortal.
Nas mãos de Deus estaria totalmente seguro, porque ali a morte não tem poder. As almas dos justos estão na mão de Deus, e nenhum tormento os tocará (Sb 3, 1). Não há outra saída, só Deus pode salvar o homem. Não podemos fazer outra coisa, só podemos nos colocar nas mãos de Deus e confiar na sua misericórdia, dizendo: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.
O Senhor com o brado mostrou confiança e segurança na hora da morte, sabia que triunfava sobre os inimigos. Foi um clamor de vencedor.
Demonstrou que era Senhor da vida e da morte, que morria por seu próprio desejo; como teve forças para dar o grito, também poderia estender a vida o tempo que quisesse. Tanto que o centurião que estava diante de Jesus, ao ver que ele tinha expirado assim, disse: Este homem era realmente o Filho de Deus. (Mc 15, 39).
Jesus na cruz falou sete vezes, ao contrário do silêncio durante todo o julgamento. Tanto que própria Escritura pondera o silêncio: Eis o meu servo que eu amparo, meu eleito ao qual dou toda minha afeição, faço repousar sobre ele meu espírito, para que leve as nações a verdadeira religião. Ele não grita, nunca eleva a voz, não clama nas ruas (Is 42, 1-2). Foi maltratado e resignou-se; não abriu a boca (Is 53, 7). Não se defendeu perante as acusações, inclusive disse ao pontífice: Porque me perguntas? Pergunta aqueles que ouviram o que lhes disse. Estes sabem o que ensinei (Jo 18, 21).
Sete vezes falou na cruz, não em defesa própria, mas para nosso proveito; três vezes falou com Deus e quatro vezes com os homens: a primeira foi para perdoar o ladrão; a segunda vez com sua Mãe e João; a terceira foi para dizer que tinha sede e que bebia o único fruto da sinagoga, o vinagre; na quarta vez dirigiu-se à nova Igreja, proclamando que tudo estava terminado e que tinha conquistado a salvação. Na primeira vez que falou na cruz dirigiu a palavra ao Pai, depois falou com Ele uma vez no meio e finalmente dirigiu-lhe as últimas palavras. Foi um exemplo de como devemos recorrer a Deus em todas as ocasiões. Ele deve ser o princípio e o fim , e estar no meio das nossas ações. Não é preciso gritar, pois Deus ouve o mais silencioso desejo da alma. Mas, Jesus bradou para que soubéssemos e ficássemos seguros de que suas preces tinham sido ouvidas por Deus.
Eu bem sei que sempre me ouves, mas falo assim por causa dopovo que está em volta, para que creiam que tu me enviaste (Jo 11, 42). Nos dias de sua vida mortal, dirigiu preces e súplicas, entre clamores e lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, e foi atendido pela sua piedade. Embora fosse Filho de Deus, aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve (Hb 5, 7-8). Porque vós não abandonareis minha alma na habitação dos mortos, nem permitireis que vosso Santo conheça a corrupção (Sl 15, 10).
Pedia o que já estava anunciado simbolicamente em Jonas, que ao terceiro dia voltaria.
Jesus, depois de se dirigir ao Pai, inclinou a cabeça e rendeu o espírito (Jo 19, 30). Com tudo que sofreu, desde a noite anterior, sem descansar ou dormir, ainda resistiu por mais de três horas. Ele mesmo havia dito: O Pai me ama, porque dou a minha vida para retomar. Ninguém a tira de mim mas eu a dou de mim mesmo e tenho o poder de a reassumir: Tal é a ordem que recebi de meu Pai (Jo 10, 17-18).
Os que odeiam a minha vida, armam-me dladas; os que me procuram perder, ameaçam-me de morte; não cessam de planejar traições (SI 37, 13). Mesmo assim, ninguém lhe tirou a vida, somente quando toda a Escritura tinha se cumprido deu o grito e entregou a alma. Morreu erguido como um valente.
Ficou seu corpo pendurado na cruz, mas unido sempre com a pessoa do Filho de Deus. A cruz sustentava aquele corpo sagrado que representava para Deus: o preço da nossa salvação. Para os homens representava: o consolo dos sofrimentos; o exemplo para a vida; o guia do caminho; a esperança; o amor; a imagem dos escolhidos. Jesus na cruz também representa o desespero dos demônios, o vencedor da morte e do pecado, o Santo.
Do alto da cruz ensina, censura, alenta e ama. Apesar de sua morte, ele ainda fala (Hb 11, 4).
A Paixão do Senhor, Luis de La Palma, 1624.
Última atualização do artigo em 14 de março de 2025 por Arsenal Católico