Pilatos oferecia ao povo castigar Jesus com açoites, não seria somente doloroso, seria humilhante; a pena só era aplicada aos escravos e aos habitantes subjugados por Roma, a lei proibia a punição em cidadãos romanos. Pensava que seria suficiente, pois se de algum modo era culpado perante os judeus, com os açoites ficaria desprestigiado e humilhado e não teria mais fascínio perante o povo. A proposta não atraiu ninguém, mesmo assim decidiu aplicá-la imediatamente, pensava que talvez conseguisse convencer e mudar a opinião dos sacerdotes.
Com esta intenção e fugindo de toda gritaria, entrou para o pretório com o Senhor, reclamando daquela ralé.
Falou com Jesus sobre o ódio de que estavam contra ele e como tentou persuadi-los; que sabia que era por inveja, mas não conseguia raciocinar com toda aquela algazarra; que era melhor sofrer com os açoites do que morrer; que não era prudente um confronto, pois poderia perder o governo da província; que assim eles se acalmariam e se livraria deles; que se preparasse para sofrer o castigo. O Senhor mesmo calado, era como se dissesse: Estou pronto!
Desde aplanta dos pés até o alto da cabeça, não há nele coisa sã (Is 1, 6). A pena consistia em açoitar todo o corpo. Assim o Senhor curaria as chagas de seu corpo místico, a Igreja. Jesus teve que sofrer uma crueldade tão grande, porque foi em troca da nossa horrível sensualidade e desonestidade.
Pilatos entregou Jesus aos carrascos, que o retiraram de sua presença e ordenaram que se despisse. Ele, ultrajado, não retribuía com idêntico ultraje; ele, maltratado, não proferia ameaças (1 Pd 2, 23). Enquanto era despido para receber o tormento, os verdugos com pressa começaram a insultar e a rasgar suas vestes. O mais formoso corpo, concebido sem pecado, unido a divindade para honrar toda a criação e que ao contemplá-lo, pudéssemos dar graças a Deus, estava desnudo, bem ali no pretório e foi açoitado na frente de todos.
Os executores começaram os açoites. Amarraram com força as mãos do Senhor em uma coluna, para que não se soltassem pela crueldade e violência usada durante a sessão.
Não era necessário atar o Senhor. Mesmo livre, aceitaria pacificamente, pois estava preso por amor, e se não fosse por amor nada poderia segurar Jesus a uma coluna.
Castigaram conforme o costume romano. A punição era mais cruel entre os romanos que entre os judeus. (8) Existiam vários instrumentos de tortura: o látego tinha três tiras de couro duro amarradas a uma vara curta; o fuste era uma simples correia de couro; o pior de todos era o flagelo, que era um látego com bolinhas de metal e pedaços pontudos de ossos amarrados por arame na ponta. Os verdugos se revezavam na aplicação, segundo parece, eram seis que descarregavam com toda força os golpes nas costas do Filho de Deus. (9)
Jesus Cristo flagelado por nossa culpa; devemos entender como somos valiosos, fomos comprados a um preço muito alto; estamos em dívida com quem pagou por nós; não podemos voltar à escravidão do pecado; precisamos valorizar agrandeza do nosso resgate.
A coluna em que estava preso era baixa, de modo que as costas ficavam arqueadas e esticadas, deixando assim uma área maior para os açoites. O flagelo acertava desta maneira o corpo todo. Não sabemos o número de açoites; (10) era costume romano deixar a cargo dos carrascos e a resistência do condenado. Não podiam ser poucos os açoites, não só pela crueldade dos verdugos, mas porque eram muitos os pecados da humanidade que o Senhor tinha que saldar.
O profeta havia falado do estado depois da flagelação. Não tinha graça, nem beleza para atrair nossos olhares, e seu aspecto não podia seduzir-nos (Is 53, 2). Tudo é uma ferida, uma contusão, uma chaga viva (Is 1, 6). Se tudo isso sentia o profeta tão longe no tempo, imagine o que sentia sua Mãe que estava próxima do local. Todas as mães sofrem pelos filhos; a Virgem Maria sofreu mais, porque seu Filho era Deus. Derramou tantas lágrimas, quanto foi derramado o sangue de seu Filho.
A Virgem Maria contaria aos ausentes que durante a Paixão do Filho, sentiu em sua própria carne o primeiro açoite, recobrando-se viu o corpo de Jesus todo chagado; que os viu rasgando a carne até aparecerem os ossos.
Somente a Virgem Maria sabia reconhecer plenamente o amor que Deus tinha pela humanidade, não poupando o Filho único. Ela também se unia a entrega com todo amor, para que todos os homens fossem salvos, desejando que todos reconhecessem o imenso benefício do Senhor para com eles.
Existe alguém tão cego que não o conheça? Que tenha um coração tão duro que não fique contrito e renda-se aos seus pés? Qualquer pessoa teria com paixão por alguém que para salvar um ladrão, fosse preso pelo seu crime e vendesse todos os bens para pagar por um crime que não cometeu. Se este beneficiado, embora ladrão, fosse um homem de verdade, ficaria envergonhado por outro estar preso e na miséria por sua culpa, sem demora confessaria que era o culpado e o outro inocente.
Porventura posso restituir o que não roubei? (SI 6B, 5). Nosso coração é ingrato se não reconhece os pecados feitos contra Deus; nosso coração é de pedra se não chora implorando perdão.
Quando o fiador liquida a dívida, o devedor fica livre. Assim é a justiça de Deus, uma vez que Cristo pagou por nós, não pede nada, a penas deseja que aproveitemos a graça. A redenção foi algo de tão grandioso e generoso, que embora seja uma graça imensa que Deus perdoe as ofensas dos homens, maior ainda é o pagamento que Jesus Cristo realizou por nossas dívidas.
O homem merecia ser preso, que escarnecessem dele, lhe batessem, o castigassem com açoites e depois o matassem, mas quem aceitou isso, foi um homem que ao mesmo tempo era Deus. (11)
Jesus Cristo desejou receber no corpo a punição que nós merecíamos pela nossa impureza; corrigiu na sua carne a nossa rebeldia; à custa da sua dor deu exemplo de como devemos dominar a carne, para que ela não se imponha ao espírito e nos faça cair no pecado.
O mais belo dos filhos dos homens (SI 44, 3) perdeu a formosura e ficou com o corpo todo chagado, como um leproso, para que a nossa alma ficasse bela e agradável aos olhos de Deus; e também fez por sua Igreja, para apresentá-la a si mesmo toda gloriosa, sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, mas santa e irrepreensívei (Ef 5, 27).
A Paixão do Senhor, Luis de La Palma, 1624.
(8) . Entre os hebreus as chicotadas não podiam passar de 39.
(9). Segundo estudos no Santo Sudário, seriam dois os flageladores: um de cada lado, aproximadamente a um metro d a vítima, desferindo simultaneamente os golpes. Ambos seriam destros.
(10). O Santo Sudário indica um número superior de 120 golpes e m a i s d e700 feridas decorrentes d o s açoites.