A simplicidade divina

Ó Senhor, Ser simples por excelência, tornai simples o meu olhar e o meu coração, a fim de Vos poder servir com simplicidade de espírito.

1 – Deus é o Ser simples por excelência porque é uno na Sua essência e em todas as Suas perfeições. S. Tomás, quando fala da simplicidade de Deus, limita-se a apresentá-la como exclusão de toda a espécie de composição. Em Deus não há partes quantitativas como em nós que somos compostos de corpo e espírito; Deus é simples porque nEle não há matéria, mas só espírito puríssimo. também o anjo é um espírito puro e, todavia, o anjo é um ser composto porque nele, com em nós, a essência é diversa da existência; a essência angélica não existe por si própria, mas tem somente a capacidade de existir e, de fato, nenhum anjo, como igualmente nenhum homem, existiria se Deus não o chamasse à vida. Eu Deus reside, pelo contrário, a suma simplicidade, infinitamente superior à dos anjos; nEle, essência e existência são a mesma coisa, a Sua essência existe por si, Ele é o Ser eternamente subsistente.

Nem sequer as Suas inumeráveis perfeições criam multiplicidade em Deus: Deus não é composto de bondade, de formosura, de sabedoria, de justiça, mas é ao mesmo tempo o Ser infinitamente bom, formoso, sábio e justo. nEle não há diferença entre substância e qualidade, porque tudo é substância, as Suas perfeições infinitas são a Sua própria substância. Deus abrange, numa única perfeição muito simples, a perfeição do Ser divino, todas as múltiplas perfeições que encontramos espalhadas pelas criaturas e outras inumeráveis, tal como um milhão encerra o valor de muitíssimos escudos. A simplicidade divina, portanto, não é pobreza, mas riqueza infinita, perfeição infinita na qual nos devemos contemplar como num espelho.

Considera como Deus é rico de inumeráveis perfeições e todas possui no mesmo grau e repara, ao contrário, como tu és pobre de virtudes; se alguma tens, considera com é limitada, mesquinha, mesclada de defeitos; sim, se possuis alguma virtude, é imperfeita e quantas outras te não faltam!

Olha como Deus é simples e tu, pelo contrário, que complicado! Contempla a simplicidade divina e procura copiá-la em ti por meio de uma verdadeira simplicidade de espírito.

2 – Em Deus, o Ser não é distinto do agir, nem o poder é distinto do ato. Deus é ato puríssimo, ato de inteligência infinita que sempre subsiste e abrange toda a verdade e, ao mesmo tempo, ato de vontade que subsiste sempre e quer o bem. No pensamento eterno de Deus não há mistura alguma de erro; na vontade eterna de Deus não há nenhum desvio par ao mal. Em Deus não há sucessão de pensamentos, mas um pensamento único, eterno, imutável, subsistente, que compreende toda a verdade. Em Deus não há diversos atos de vontade consecutivos, mas uma vontade única, perfeitíssima, imutável, que sempre quer o bem com puríssima intenção e que, ao permitir o mal, só o permite em vista de um bem maior.

Se desejas aproximar-te de algum modo, da simplicidade divina, deves evitar toda a forma de duplicidade. Evitarás a duplicidade da mente pela busca imparcial da verdade, amando e aceitando a verdade mesmo quando te exige sacrifícios, mesmo quando não te honra por pôr a nu os teus erros e defeitos. Deves também cultivar a mais franca sinceridade, fugindo de todo o gênero de mentira: “Seja o vosso falar – disse Jesus – sim, sim; não, não” (Mt. 5, 37); e, mais que nas palavras, esta simplicidade deve resplandecer no teu pensamento e na tua mente, porque “se o teu olho for defeituoso, todo o teu corpo estará em trevas” (Mt. 5, 23). O pensamento é o olho que guia o teu proceder; se os teus pensamentos são simples, retos e sinceros, sê-lo-ão também as tuas ações.

Evitarás a duplicidade da vontade coma retidão de intenção: retidão que te deve impelir a agir unicamente para agradar a Deus. Então, apesar da multiplicidade das tuas ações, haverá em ti simplicidade e unidade profundas. Já não coxearás, inclinando-te ora para um lado ora para outro: para o teu amor próprio e para o amor de Deus, para a criatura e para o Criador, mas caminharás por uma via única, a via reta do dever, da vontade de Deus, do Seu beneplácito.

Colóquio – “Ó Deus altíssimo, no Vosso Ser único e simples, Vós sois todas as virtudes e grandezas dos Vossos atributos: sois onipotente, sábio, bom, misericordioso, justo, forte, amoroso e outros infinitos atributos e virtudes que não conhecemos. Sois todas estas coisas no Vosso Ser simplicíssimo.

“Ó admirável excelência de Deus! Ó abismo de deleites, que sois tanto mais abundante quanto mais as Vossas riquezas se recolhem na unidade e simplicidade infinita do Vosso único Ser! O conhecimento de cada uma das Vossas perfeições é tal que uma não impede o conhecimento e o gozo perfeito da outra; antes cada uma das graças e virtudes que há em Vós é luz de qualquer outra grandeza Vossa porque, pela Vossa limpidez, ó Sabedoria divina, muitas coisas se vêem em Vós, vendo-se uma” (J.C. CV. 3, 2 e 17).

“Ó divina Essência, abismo de maravilhas sem fundo e sem limites! Ó insondável oceano de grandezas, ó unidade do meu Deus, ó simplicidade, ó eternidade sem princípio nem fim, a quem tudo está continuamente presente! Ó imensidade que tudo encheis e tudo contendes! Ó imensidade que abraçais todas as perfeições imaginárias, ó imutabilidade, ó imortalidade, ó inacessível esplendor! Ó verdade incompreensível, ó abismo de ciência e de sabedoria, ó verdade do meu Deus!… Ó divina força que tudo sustentais e tudo fazeis, ó divina onipotência, ó divina providência que tudo governais! Ó justiça, ó bondade, ó misericórdia, ó beleza, ó glória, ó fidelidade!… Ó Deus grande, adoro em Vós todas as magnificências e perfeições que tenho contemplado, bem com as outras inumeráveis e inconcebíveis que me são e serão desconhecidas. Adoro-Vos, louvo-Vos, glorifico-Vos e amo-Vos por tudo o que Vós sois. Oh! como rejubila o meu coração vendo-Vos tão grande e tão repleto de toda a sorte de tesouros esplendores! Se eu possuísse todas estas grandezas e Vós estivésseis privado delas, quereria imediatamente despojar-me para Vo-las dar” (S. João Eudes).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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