Ensinai-me, ó Senhor, a mortificar a minha carne para viver plenamente a vida do espírito.

1 – O homem pode desviar-se do dever, ou por temor das dificuldades e do sacrifício que encontra, ou pelos atrativos do prazer; no primeiro caso vem em seu auxílio a virtude da fortaleza, no segundo a da temperança. A temperança é a virtude que modera em nós o desejo desordenado do gozo sensível, mantendo-o dentro dos limites assinalados pela razão e pela fé. Dada a profunda desarmonia produzida me nós pelo pecado, pela qual a parte inferior tende a rebelar-se contra a parte superior apetecendo-lhe coisas contrárias ao espírito, não poderemos defender-nos dos atrativos do prazer sem o socorro desta virtude que Deus infundiu na nossa alma para nos tornar capazes de reprimir a tendência desregrada para o gozo. Como a fortaleza, com as virtudes conexas da magnanimidade, da paciência e da perseverança, é um sustentáculo para a nossa fraqueza, assim a temperança, com as virtudes que dela derivam – sobriedade, castidade, continência, modéstia, etc. – é um freio para a nossa concupiscência. todavia, embora seja um freio, não tem só o papel negativo de temperar, conter e moderar o amor desordenado ao prazer, tem também um positivo, que é regular as paixões e permitir-nos o uso dos sentidos em perfeita harmonia com as exigências do espírito, de modo que a nossa vida espiritual não seja perturbada. É assim que a temperança, juntamente com a graça e com as outras virtudes, cura e eleva a nossa natureza, estabelecendo em nós a harmonia destruída pelo pecado. Isto porém não se pode realizar sem a nossa colaboração que, no campo da temperança, consiste sobretudo na mortificação das paixões e dos sentidos. “Se viverdes segundo a carne – diz S. Paulo – morrereis, mas se, pelo espírito, fizerdes morrer as obras da carne, vivereis” (Rom. 8, 13). A virtude da temperança foi infundida em nós para nos tornar capazes de “fazer morrer as obras da carne”, morte que não é fim em si mesma, mas condição indispensável par a vida do espírito.

2 – A beleza da virtude da temperança consiste em ajudar-nos a percorrer, em sentido contrário, o caminho andado pelos nossos primeiros pais. Em consequência do seu pecado perderam a harmonia perfeita entre o espírito e a matéria, caindo em profunda desarmonia e nós desta temos de alcançar aquela. Assim como o cavaleiro enfreia o cavalo fogoso antes de se lançar na corrida, também nós, para empreendermos este caminho, devemos impor à nossa carne as fortes rédeas da mortificação, de modo a sermos senhores de todos os seus movimentos e apetites.

Compreende-se facilmente como é necessária a mortificação no campo da castidade: viver castos sem mortificar o próprio corpo é uma ilusão, pois nem a virtude nem o voto de castidade mudam a nossa natureza, nem nos tornam insensíveis aos atrativos dos sentidos, do mundo e do demônio. Pelo contrário, compreende-se menos a necessidade da mortificação a respeito do sentido do gosto. Neste campo até as almas que tendem à perfeição condescendem geralmente com bastante facilidade com o prazer sensível, considerando-o totalmente inocente e sem consequências para a vida do espírito. Porém não é assim, porque tudo o que é desordem, mesmo leve, na vida dos sentidos, cansa e enfraquece mais ou menos a vida do espírito. Efetivamente há sempre desordem quando, no uso de alimentos e bebidas, nos deixamos determinar de algum modo pelo gosto que neles encontramos, tomando mais do que o necessário quando nos agradam, mostrando-nos descontentes ou recusando-os se não correspondem aos nossos gostos. Isto também é escravidão dos sentidos, é deixar-se dominar pelo prazer sensível e, portanto, é deixar em nós uma porta aberta à rebelião dos sentidos contra o espírito. S. Paulo adverte-nos: “Não vos enganeis… Aquilo que o homem semear, isso também colherá. Aquele que semeia na sua carne, da carne colherá a corrupção; mas o que semeia no espírito, colherá do espírito a vida eterna” (Gál. 6, 7 e 8). Aquele que na sua vida semeia prazeres sensíveis, de qualquer espécie que sejam, semeia corrupção, pois tudo o que é dos sentidos anda à deriva e está destinado a perecer. Como poderá uma alma que aspira a uma vida espiritual elevada, sujeitar-se, embora só em matéria leve, às satisfações dos sentidos? “Não te canses, pois não entrarás no sabor e na suavidade do espírito se não te deres à mortificação de tudo isso que queres” (Am. I, 38).

Colóquio – “Eu não me espanto, Senhor, das desordens humanas, pois feristes o meu coração com a Vossa perfeitíssima caridade e o guardastes sob a custódia da pureza. Oh! se os cegos mortais experimentassem a doçura e a suavidade do Vosso santo amor! Creio que detestariam imediatamente os prazeres dos sentidos e conceberiam deles horrível náusea e fastio, correndo logo ávidos e sequiosos a saciar-se na fonte da Vossa doçura. mas porque não correm atrás dos Vosso perfumes?

“Compreendo-Vos, Verdade eterna. Se estes, por meio duma atenta meditação, considerassem e tivessem sempre presentes os imensos benefícios que diariamente lhes dispensais, facilmente se deixariam atrair pela doçura inefável do Vosso amor e vê-los-íamos correr com anelante desejo, a deleitar-se na fragrância da Vossa grande doçura” (Sta Catarina de Sena).

“Uma só coisa desejo, Senhor: procurar-Vos! E para Vos procurar, não pararei a colher as flores que encontrar no meu caminho, ou seja, nunca mais pararei a saborear os prazeres que nesta vida se me podem oferecer porque me impediriam de prosseguir o meu caminho. Não porei o meu coração nas riquezas e nos bens que o mundo oferece, não admitirei os contentamentos e deleites da minha carne, não pararei nos gostos e nas consolações do meu espírito, a fim de não ser detido ao buscar-Vos, meu Deus e meu amor, pelos montes das virtudes e dos trabalhos. Fazei, Senhor, que a minha alma se enamore verdadeiramente de Vós, que Vos estime mais do que a outra coisa qualquer e então, confiando no Vosso amor e na Vossa proteção, terei forças para repelir todos os afetos naturais e apetites sensitivos” (cfr. J.C. C. 3, 5-10).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 25 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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