Meu Deus que me criastes para Vós, fazei que eu possa voltar para Vós e unir-me a Vós por amor.
1 – Toda a vida do homem é um caminho de regresso a Deus. Veio de Deus e para Deus deve voltar; e quanto mais totalmente se voltar para Ele, a ponto de chegar á íntima união com Deus, tanto mais terá alcançado o fim para que foi criado e por isso será perfeita e eternamente feliz. S. Tomás ensina que uma coisa é perfeita quando atinge o seu fim; ora a perfeição do homem consiste em alcançar a Deus e em se unir a Ele, seu último fim. na união com Deus o homem encontra tudo quanto pode desejar; encontra a sua paz, a satisfação da sua ânsia de infinito, da sua sede de amor e de felicidade imperecível. “Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Vós” (S.to Agostinho); na união com Deus o homem encontra a sua felicidade eterna. A vida do céu não é mais do que esta união com Deus elevada à sua última perfeição; e porque perfeitamente unido a Deus, o homem dar-Lhe-á então a máxima glória, o máximo amor que redundarão para si próprio em bem-aventurança eterna.
A alma que ama verdadeiramente a Deus não se resigna a esperar o céu para se unir a Ele, mas anseia por gozar antecipadamente na terra esta união. Será possível? Sim, porque Jesus disse: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará e nós viremos a ele e faremos nele morada” (Jo. 14, 23). O Senhor indica-nos por estas palavras qual a condição para vivermos unidos a Ele: o amor. “Quem permanece na caridade, permanece em Deus e Deus nele” (I Jo. 4, 16). O amor é a grande força que nos une a Deus desde esta vida em que, prisioneiros da matéria, não podemos gozar ainda do contato direto com Ele, da visão face a face.
“O fim da vida espiritual – diz S. Tomás – é que o homem se una a Deus por meio do amor (IIª IIª, q. 44, a. 1, co.). Com os passos do amor – gressibus amoris – caminhamos para o nosso último fim: a união com Deus. A união de amor com Deus, é o grande ideal que deve iluminar e dirigir toda a nossa vida, é a grande meta que, com o auxílio divino, queremos alcançar neste mundo tanto quanto for possível à nossa condição de peregrinos.
2 – S. João da Cruz explica em que consiste a união de amor com Deus. Não se trata da união substancial que sempre existe entre Deus e todas as coisas criadas e pela qual “lhes conserva o ser que têm”. Esta espécie de união é natural e nunca pode faltar em nenhuma criatura, nem sequer no pecador; a união de amor, pelo contrário, é sobrenatural e não se verifica sempre, mas só nas almas em graça. “Ainda que seja verdade que Deus está sempre na alma dando e conservando nela, com a sua existência, o ser natural, contudo nem sempre lhe comunica o ser sobrenatural. Porque este não se comunica senão por amor e graça, na qual nem todas as almas estão; e ainda essas não o estão em igual grau; porque umas estão em maior e outras em menor grau de amor” (S. II, 5, 3 e 4).
O ponto de partida para a união de amor com Deus é o estado de graça; o ponto de chegada é o pleno desenvolvimento da graça, de modo que a alma fique totalmente sobrenaturalizada, e todas as suas forças, toda a sua vontade, todo o seu afeto, se concentrem em Deus, não desejando e não amando senão aquilo que Deus quer e ama. A graça é a vida de Deus em nós; vida que se desenvolve mediante o progresso do amor. A graça cresce na alma na medida em que o amor aumenta; por consequência, a sua participação na vida divina torna-se mais profunda e condu-la a uma união com Deus cada vez mais intensa e perfeita. A graça e o amor são o gérmen precioso da união com Deus; são eles que põem a alma em comunhão íntima com Ele: comunhão de vida, de pensamento, de vontade. Deus permanece sempre Deus, distinto da criatura; a criatura conserva sempre a sua personalidade, e contudo a alma fica de tal maneira impregnada de vida divina, Deus “comunica-lhe de tal modo o Seu ser sobrenatural, que parece mais Deus que alma” (cfr. ib. 7).
Tal é o termo da união com Deus na terra. Termo altíssimo, no qual porém não é temerário fitar o olhar, já que na graça batismal todos recebemos o gérmen da união com Deus.
Colóquio – “ó Jesus, quem me dará a graça de formar um só espírito conVosco? Rejeitando a multiplicidade das criaturas, ó Senhor, só quero a Vossa unidade. Ó Deus, só Vós sois o uno, a única unidade necessária à minha alma! Ah! querido Amigo do meu coração, uni esta pobre e única alma à Vossa única Bondade! Vós sois todo meu, quando serei eu todo Vosso? O ímã atrai o ferro e prende-o a si. Senhor Jesus, meu Amor, sede Vós o ímã do meu coração, prendei, atraí, uni para sempre o meu espírito ao Vosso Coração paternal. Oh! já que fui feito para Vós, porque motivo não estou em Vós? Abismai esta gotinha, que é o meu espírito que Vós me destes, no mar da Vossa bondade, donde procede. Senhor, já que o Vosso Coração me ama, porque me não arrebata para Si, desejando-O eu tanto? Atraí-me e correrei após os Vossos atrativos para me lançar nos Vossos braços e não mais me afastar pelos séculos dos séculos. Amen” (S. Francisco de Sales).
“Ó meu Jesus! Quem poderá fazer-nos compreender o proveito que há em nos lançarmos nos Vossos braços e fazer conVosco este pacto: eu ocupar-me-ei de Vós, e Vós ocupar-Vos-eis de mim; Vós olhareis pelos meus interesse e eu olharei pelos Vossos?
“Sem Vós, que sou eu, Senhor? Se não estou unida a vós, que valho? Se me desvio um pouco da Vossa majestade, onde vou parar?
“Senhor meu, Misericórdia minha e Bem meu, que poderei eu desejar de melhor nesta vida do que estar de tal maneira unida a Vós, que não haja divisão entre Vós e mim?
“Ó Senhor da minha vida, atraí-me a Vos de tal modo que a minha vontade permaneça tão unida a Vós que nunca mais se possa apartar da Vossa” (T.J. P. 4, 18 e 9; 3, 15).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico