A união, lei das famílias, é também a lei dos Estados

Família de Santa Teresinha
Família de Santa Teresinha

Quae domus tam stabilis, quae tam firma est civitas quae non dissidiis funditus possit everti (1) CICERO, De amicitia.

“Multiplicai-vos, disse o Senhor à primeira família, povoai a terra e submetei-a”. Os homens, ao se multiplicarem, somente puderam submeter a terra ao seu império, quer dizer, o solo e as forças da natureza, as plantas e os animais, enquanto conservaram a união entre eles. O homem isolado nada pode. A associação fez tudo o que vemos: foi ela que produziu todas as riquezas que a civilização possui atualmente. Tudo saiu do trabalho dos homens associados no espaço e no tempo.

Sem união, não há associação, e se se tenta formar a associação, ela não tarda a se dissolver. É a união que faz com que um conjunto se mantenha e forme um todo. No momento em que ela é quebrada, a sociedade cai em ruínas. Nós vemos a grande anarquia em que se debate nossa infeliz França. A Sabedoria Divina havia-nos prevenido do que hoje nos acontece: “Todo reino dividido contra si mesmo será destruído, e toda a cidade ou casa dividida contra si mesma não poderá subsistir”.

Ora, a união procede do amor. O amor é, pois, a primeira lei do mundo moral, assim como seu correlativo, a atração, é a primeira lei do mundo físico. Uma e outra põem a unidade na infinita variedade das coisas. “Assim como os astros gravitam em suas órbitas porque constituem força e peso, disse Funck-Brentano, a título de conclusão de seus estudos sobre a civilização e suas leis, assim o homem vive em sociedade porque é inteligência e amor”.

O amor começa por unir o esposo à esposa, os pais aos filhos. Mas logo alarga o círculo de sua ação. Pelos casamentos que os filhos contraem, o parentesco se estende e chama a si a afinidade, que não se contenta mais em unir as pessoas, mas as próprias famílias. “A chama sagrada da amizade, diz Jean Bodin, mostra seu primeiro ardor entre o marido e a mulher, depois entre pais e filhos, e entre os irmãos, e entre estes e os parentes mais próximos, e entre os parentes mais próximos e os aliados” (2).

Continuando a irradiar-se longe de seu centro, a mesma chama cria essas unidades superiores, que vimos tomar os nomes de Fraternidade, Gens, Mesnie, Pátria, nomes todos que lembram que essas entidades sociais tiveram seu princípio na família. A entidade social suprema, a nação, não é verdadeiramente viva e vigorosa senão durante o tempo em que conserva e mantém em seu seio o fogo sagrado, como aconteceu na antiga França.

A Revolução extinguiu-o, suprimindo o núcleo, quero dizer, a família real. Em lugar de amor, em lugar de união, nada mais há entre nós além do antagonismo. A França compacta, magnífica de coesão entre suas províncias, de unidade dos sentimentos patrióticos de seus filhos, foi sucedida por uma desagregação de homens e de coisas, de tal forma que parecemos aos olhos das outras nações não ser mais do que uma poeira que o vento das revoltas e das guerras pode dispersar num instante (3).

Como fazer parar essa ruína? Não respondemos a essa pergunta por nós mesmo. Tomaremos emprestada uma palavra estrangeira, a palavra de um homem que nem é da estirpe francesa, apesar de unido a ela pela naturalização e pela conversão do judaísmo ao catolicismo. Ela parecerá mais isenta de preconceitos.

“Como sair, pergunta ele, do espetáculo de nossas divisões, como retornar à unidade necessária?” “Não existem dois caminhos: é retornar ao princípio que, no século V, construiu a França”.

“A um povo precipitado para fora do seu caminho, arrancado de suas tradições e que morre, não se pode dar sangue, vida, patriotismo, entusiasmo, senão reconduzindo-o, ligando-o de novo a seu princípio”.

“O princípio gerador da nação francesa, que foi a monarquia cristã, foi substituído de um golpe por um outro princípio. O homem sem dúvida nenhuma mais capaz de fazer triunfar esse novo princípio, Thiers, então chefe do poder executivo, propôs a esse respeito um ensaio sob uma imagem a que não faltavam grandeza e sedução. Ele comparou a República, cujo só nome era para muitos um espantalho, ao temido Cabo das Tormentas, no sul da África, tão famoso por tantos naufrágios, e do qual os navios, durante muito tempo, não ousaram se aproximar. Mas um navegador achou-se mais audacioso e mais confiante do que os outros. Impondo, pois, ao terrível cabo um nome de melhor augúrio, o de Boa Esperança, ele ousou tentar a travessia: a tentativa foi coroada de sucesso e o Cabo das Tormentas permaneceu Cabo da Boa Esperança. E o ancião, tão hábil quanto espirituoso, concluía desta maneira: Ousemos, senhores, tentar um novo e leal ensaio da República; o que era o Cabo das Tormentas talvez seja igualmente amanhã o Cabo da Boa Esperança. Eis que doze anos passaram (hoje quarenta, melhor dizendo) e o ensaio proposto continua. Os que tinham interesse em fiscalizar esse ensaio, em dirigir-lhe o funcionamento, a marcha, acharam-se não somente senhores, mas senhores absolutos da França. Nada do que pode levar ao sucesso, nem o poder, nem a riqueza, nem o gládio, nem a palavra, nem a audácia, nem as aclamações, nem a devoção, nem a abnegação de numerosas pessoas, nada faltou. Pois bem! Após doze anos (quarenta anos) de tentativa completa, ininterrupta, na presença de uma França fracionada por toda a parte, mais semelhante, em suas divisões, a um navio cujas pranchas se descolam (4) e se destacam, do que a um povo de irmãos; contemplando com estupefação “a religião expulsa da escola, a cruz arrancada dos cemitérios, os socorros espirituais negados aos soldados e aos doentes, os religiosos expulsos e dispersos, as finanças malbaratadas, o exército desorganizado, a magistratura reduzida à servidão, a indústria insuficientemente protegida, a agricultura empobrecida e sem apoio, a propaganda anarquista tolerada, os funcionários cristãos destituídos ou em desgraça; em resumo: no interior, a França tiranizada pelo espírito de facção; no exterior, a França impotente e rebaixada” (5); na presença de tal espetáculo podemos dizer, com a mão na consciência, que o Cabo das Tormentas transformou-se em Cabo da Boa Esperança?

“Não, a esperança está em outro lugar! Está no retorno nacional, necessário, ao antigo princípio que, tendo criado a França, pode, apenas ele, reconstruí-la”.

“Sim, é lá que se encontra refugiada a esperança! Porque onde se encontra o princípio gerador da unidade, lá se encontra a renovação da pátria francesa!”

“Nada, com efeito, é tão forte na história de um povo quanto o princípio gerador que foi sua fonte; nada é tão abençoado por Deus quanto a fidelidade no conservar esse princípio. A nação judia deu disso memorável exemplo. Todos sabem que na sucessão ilustre de seus reis encontra-se um que, filho degenerado de David, tomou a peito, ao que parece, merecer o título de opróbrio e de carrasco de seu povo, tanto ele se mostrou ímpio e cruel. Foi Manassés, o Nero do povo hebreu. Ora, aconteceu que Deus, tendo pena dos gemidos das vítimas, interveio, por um desses golpes de justiça que reboam na história. Ele abandonou o mau rei a Assurbanípal e a seus assírios. Estes, tendo-o atado a duas correntes, levaram-no cativo para a Babilônia. Não era o caso de aproveitar um fato tão oportuno para modificar o governo hebraico, ou mudar a dinastia, ao menos para substituir o rei ímpio, tornado cativo, proclamando o filho dele? Nada disso se fez. Fiel ao princípio gerador de sua nacionalidade, o povo hebreu não julgou ter o direito de modificar-lhe a essência: limitou-se a estabelecer um governo provisório; e assim que, após longos meses de um duro cativeiro, passado nas lágrimas e no arrependimento, Manassés, libertado pela mesma mão divina que o havia precipitado nos ferros, reapareceu em Jerusalém, seu trono o aguardava, intacto; a fidelidade de seu povo não havia mudado!”

“Então, Deus, o Qual também não muda, teve prazer em recompensar magnificamente tão admirável fidelidade. Fê-lo mediante dois acontecimentos particularmente providenciais. O primeiro foi a aparição de Judite, uma das heroínas judias. Já senhores do rei, os assírios haviam-se vangloriado de se tornarem incontinenti senhores do reino. Foi quando Judite, suscitada por Deus, barrou-lhes a passagem. O segundo fato, não menos providencial, foi a ascensão de Josias ao trono de David. Neto e segundo sucessor de Manassés, Josias foi sem contestação um dos melhores reis de Judá, uma de suas glórias mais puras, aquele de quem a Escritura fez este belo elogio: “A memória de Josias é como um perfume de suave odor”.

“Eis o que pode em favor da unidade, e para a felicidade de um povo, a fidelidade ao princípio gerador de sua existência!”

“Perseverança na oração. Aceitação da penitência. Retorno à unidade. Tais são, de acordo com a Bíblia e no domínio da ordem moral, as três condições indicadas por Deus para a cura das nações”. *

“Cumprindo-as, a cura da França é moralmente certa. E se a cura se opera, ver-se-á reaparecerem, com o retorno às crenças religiosas, o respeito por todos os direitos, o desabrochar da honra, a prática de uma verdadeira liberdade, a nobre ambição da glória, a proteção dos fracos, a segurança do comércio, o entusiasmo da prosperidade, a busca de nossa união, numa palavra, tudo o que contribuiu para fazer da França, durante séculos, desejados neste momento, o mais belo reino depois do reino do céu” (6).

Para que a coesão exista no corpo social e lhe dê vida e prosperidade, não basta que o amor ligue o soberano aos súditos e os súditos ao soberano; ele deve unir os súditos entre eles pela dedicação das classes superiores às classes inferiores e pelo serviço das inferiores às superiores.

A antiguidade não ignorou completamente esse dever, ou pelo menos concordou que era necessário. Cícero diz que Rômulo deu aos senadores o nome de “pais” para marcar a afeição paternal que eles tinham pelo povo.

Conhecemos a posição que ocupou na organização de Roma a clientela. Essa instituição estabelecia relações determinadas e constantes entre um certo número de pessoas do povo e uma gens dos patrícios. O chefe dessa gens, nas relações com seus clientes, usava o nome de “patrão”, criado para ressaltar os sentimentos de paternidade relativamente a eles. Por seu turno, a qualificação de cliente marcava naquele que a usava uma disposição habitual de estar pronto para o serviço (cluere, ouvir, ter o ouvido aberto). As obrigações recíprocas correspondiam às palavras. O patrão tinha o dever, a obrigação de ajudar seu cliente com conselhos e crédito, de defendê-lo perante os tribunais, de sustentá-lo com sua influência nos processos e litígios, e mesmo com armas, a fim de prover às suas necessidades em caso de miséria. De sua parte, o cliente devia ao patrão o respeito, obsequium, e a dedicação pessoal: dando-lhe o voto nos comícios, armando-se e combatendo por ele, contribuindo no pagamento de seu resgate, no dote de sua filha etc. Existia nisso, em uma palavra, uma troca regrada e contínua de serviços. Estivesse ou não sempre presente essas relações a afeição, do ponto de vista social o resultado era o mesmo.

Quando o feudalismo nasceu, a clientela havia desaparecido há séculos. Como por efeito de um instinto natural, este encontrou-se baseado no mesmo princípio da assistência mútua. O suserano devia prestar socorro e proteção a seus vassalos, como o pai a seus filhos, assegurar-lhes justiça, manter a ordem e a segurança no feudo, providenciar a subsistência dos necessitados. Em troca, vassalos e proprietários deviam fidelidade e assistência a seu suserano na paz e na guerra, e também em circunstâncias idênticas àquelas em que o cliente tinha deveres para com seu patrão, por exemplo, no caso do casamento da filha do suserano.

“A experiência quotidiana que o homem faz da exigüidade de suas forças, diz Leão XIII, obriga-o e leva-o a associar-se a uma cooperação estrangeira. Lemos nas Santas Escrituras esta máxima: “É melhor que dois estejam juntos do que estarem sós, porque então eles tiram proveito de sua sociedade. Se um cai, o outro o sustenta. Infeliz do homem só! porque cairá e não haverá ninguém para levantá-lo”. E esta outra: “O irmão que é ajudado por seu irmão é como uma cidade forte”. Desta propensão natural nascem as sociedades” (7). Antes de escrever estas máximas nos santos Livros, Deus gravou-as no coração do homem; e é o que explica como as instituições, repousando sobre os mesmos princípios, puderam nascer espontaneamente na antiguidade pagã assim como no seio do cristianismo.

Entre nós, desde a época merovíngia vê-se um certo número de pequenos proprietários, chamados vassi, recomendarem-se a homens mais poderosos e mais ricos, chamados seniores. Ao seu sênior, que lhe dá um presente em terras, o vassus promete assistência e fidelidade. Pela metade do século IX o movimento se precipita, uma multidão de famílias suplica à família senhorial de tomá-las sob sua proteção: Defendei-nos, defendei a terra que possuímos e aquela que ireis conceder-nos, e nós vos prestaremos todos os serviços de um fiel vassalo. Foi no século XIII que essa organização social, fundada na dedicação e nos serviços recíprocos, atingiu seu apogeu. E foi também naquela época que a nação francesa alcançou o mais alto grau de prosperidade, que ela pôde exercer sobre todas as nações da Europa uma ascendência que não mais reencontrou.

A maioria dos historiadores assinalou que o regime feudal estabeleceu-se entre quase todos os povos da Europa, sem que nenhum deles o tivesse tomado emprestado de outro. E achou-se tão resistente que Le Play pôde observá-lo ainda cheio de vida nas planícies orientais da Rússia. Eis o que ele diz: “As relações da família com o senhor têm simultaneamente o respeito e a familiaridade que reinam entre os filhos e o pai. Sua autoridade fornece ao camponês um ponto de apoio para a conservação da propriedade. O senhor exerce a autoridade, como fazia o suserano da Idade Média, pela manutenção do regime de comunhão em família. Ele a protege contra a deterioração… O senhor concede recursos à família em todas as circunstâncias em que seus meios de existência se achem comprometidos, por exemplo, em caso de incêndio, de fome, de epizootia e de doenças epidêmicas. E o senhor pode contar com o trabalho dos camponeses para o sucesso de sua própria atividade”.

Esse patronato que vemos estabelecer-se assim sob formas muito parecidas, em tempos tão distantes e em tantos lugares, saiu evidentemente da família, é uma extensão do seu espírito. A prosperidade da família, dissemos, tem seu princípio na união, união proveniente da comunhão de afeições e de esforços. Foi a visão dos felizes efeitos que produz essa união, que levou-a a espraiar-se além dos limites da família e que fez nascer a clientela entre os romanos, o feudalismo entre nós. Da família embrionária, se posso assim dizer, o espírito familiar ampliou-se com o desenvolvimento que teve a família patriarcal, e daí ganhou e animou a fraternidade, a gens , o feudo, e enfim as nações, que não podem, elas também, viver e prosperar senão na união e pela comunhão dos esforços.

A Idade Média estava plenamente convencida disso. O espírito de proteção penetrava-a tão perfeitamente que, ao mesmo tempo em que realizava o feudalismo no campo, criava nas cidades mesnies urbanas, depois estabelecia entre as cidades vizinhas as lignages das cidades francesas, as paraiges das cidades lorenas, as geslachten das cidades flamengas etc., todos nomes que, por si sós, bastam para mostrar o princípio de onde esses grupos saíram, o espírito que lhes deu luz, posto que todas essas palavras são tomadas do vocabulário da família. Cada um desses grupos tinha uma organização comum, de caráter familiar e ao mesmo tempo militar, como o grupo feudal. É necessário conhecer esses fatos, se se quer ter a exata dimensão do mal que ronda a sociedade atual e do remédio que se lhe deve aplicar.

O Espírito Familiar, no Lar, na Cidade e no Estado, Monsenhor Henri Delassus, Doutor em Teologia, 1910.

(1) Quão estável seja o lar, assim é firme o Estado, de modo que as discórdias não podem destruir seus fundamentos. (N. do T.).

(2) Liv. III, cap. VII.

(3) Tinha que ser assim, desde que a França ficou sem rei. A Review of Review (agosto de 1907, p. 120) fazia esta observação: “Todo o sistema de nosso governo de partidos tem por efeito aumentar e avivar, de alguma maneira, aquilo que nos divide; daí a imperiosa necessidade de achar, como corretivo e contrapeso, um órgão para exprimir e reforçar o que nos une. Eis a função que nobremente preenche nosso monarca. Ele restaura os compromissos acerca dos quais todos os homens de bem estão de acordo, mas dos quais se desviam facilmente as lutas de partido. A Grã-Bretanha e a Irlanda são, pelo menos com seu rei, um reino unido”.

(4) A expressão, como se sabe, é de Gambetta.

(5) Esse quadro foi traçado em 20 de outubro de 1883 por G. de la Tour, no Univers. Quantos traços poder-lhe-iam ser acrescentados em 1910, e como todos os traços primitivos poderiam ser exasperados!

(6) Dieu a fait la France guérissable, pelo abade Augustin Lémann.

(7) Encíclica Rerum Novarum.

(*) Grifo nosso.

Última atualização do artigo em 25 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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