Que a Vossa graça, ó Deus, me torne perseverante até ao fim.
1 – Para sermos santos não basta sermos corajosos, pacientes, praticarmos todas as outras virtudes por alguns dias, meses ou anos, mas é necessário perseverar neste exercício até ao fim, sem ceder À fadiga, ao desânimo ou à moleza. É este o ponto crucial porque, como diz S. Tomás, “aplicar-se por longo tempo a qualquer coisa difícil – e a virtude quase sempre o é – constitui uma particular dificuldade” (IIª IIª, q. 137, a. 1, co.); só superando esta dificuldade poderemos chegar à perfeição. Não somos anjos, somos homens. O anjo, puro espírito, é estável, por sua natureza: tomada uma resolução, permanece fixo nela; mas não sucede assim conosco que, sendo compostos de espírito e de matéria, sofremos as consequências da sua mutabilidade e das suas flutuações. Como a estabilidade é a característica do espírito, assim a volubilidade é a característica da matéria. Eis porque é tão difícil sermos perfeitamente constantes no bem. Embora tendo formulado interiormente bons propósitos, sentimos pesar sobre nós a fraqueza da parte sensível que foge ao esforço fatigante, contínuo, e por isso tenta libertar-se dele ou pelo menos reduzi-lo ao mínimo. O nosso corpo está sujeito ao cansaço, à sensibilidade, é suscetível de impressões, de perturbações e tudo isto ocasiona contínuos altos e baixos: as mesmas coisas que há pouco nos entusiasmavam, passado algum tempo tornam-se antipáticas, aborrecidas, a ponto de nos parecer quase impossível poder suportá-las. Esta é a nossa condição sobre a terra, condição a que ninguém pode fugir. Apesar de tudo Deus chama-nos à santidade, e uma vez que esta requer um exercício assíduo das virtudes, Ele – que nunca pede nada de impossível – remediou a instabilidade da nossa natureza, infundindo em nós a virtude da perseverança, que tem por objeto particular a constância no esforço. Se, por nossa natureza, somos instáveis, podemos, com a ajuda da graça, tornar-nos perseverantes.
2 – Existem duas formas de perseverança. A primeira é tão perfeita que não tem nenhuma lacuna, é sempre retilínea, sempre igual a si mesma, até nas coisas mais difíceis e incalculáveis. É a perseverança da virtude heroica, das almas chegas ao estado da união transformante e que por isso vivem habitualmente sob o governo do Espírito Santo. Meta belíssima a que podemos e devemos aspirar, mas à qual não nos é dado chegar com o exercício da virtude porque somente a intervenção habitual dos dons do Espírito Santo pode curar até ao fundo a instabilidade da nossa natureza.
A segunda forma é a das almas fervorosas e também das almas perfeitas que ainda não gozam da moção habitual do Espírito Santo, e por isso apresenta lacunas mais ou menos leves segundo a maior ou menor perfeição da alma. Neste caso a continuidade da perseverança não consiste em permanecer perfeitamente estável no bem, mas antes no incessante recomeçar, mal se adverte alguma falta. basta às vezes um momento de distração, uma novidade que nos colhe de improviso, um pouco de cansaço ou de emotividade para deixarmos escapar qualquer falta que tínhamos proposto sinceramente evitar a todo o custo: e eis-nos por terra! Isto, porém, não é motivo para desanimar, para nos entristecermos, é antes motivo para nos humilharmos, reconhecendo a nossa fraqueza e para invocarmos, com maior insistência, a ajuda de Deus, para nos levantarmos imediatamente e recomeçarmos. Dada a mobilidade da nossa natureza humana, a nossa perseverança consiste praticamente num contínuo recomeçar. Esta é a perseverança a que todos devemos chegar porque depende da nossa boa vontade, uma vez que Deus infundiu em nós esta virtude e nos dá, momento a momento, a graça suficiente para a pormos em ato. Não está em nosso poder libertar-nos da instabilidade da natureza e por isso não nos é possível evitar todas as demoras no bem, negligências, fraquezas ou faltas, mas está em nosso poder recomeçar imediatamente apenas advertimos ter posto um pé em falso. Eis a perseverança que Deus exige de nós e se formos fiéis na sua prática, estando sempre prontos a levantar-nos depois de qualquer falta, o próprio Deus coroará os nossos esforços concedendo-nos a graça suprema da perseverança final.
Colóquio – “Ó Senhor, certamente serei alvo se perseverar até ao fim; mas esta perseverança, para merecer a salvação, deve ser virtuosa. De Vós me vem a virtude que me salva. Sois Vós que me fazeis perseverar até conseguir a salvação.
“Eis que estou ainda em plena luta: luta exterior contra a falsa virtude, luta interior contra as minhas concupiscências. Ao considerar em quantas pequenas misérias caio todos os dias ainda que não seja mais do que com pensamentos e com palavras, noto que o seu número é muito grande e que deste grande número de pequenas coisas se vai formando um grande montão. Ai de mim! Quem me libertará deste corpo de morte? Libertar-me-eis Vós, ó Senhor, com a Vossa graça por meio de Jesus Cristo Vosso Filho e nosso Senhor. No trabalho, portanto, desta guerra, elevo o olhar para a Vossa graça e no ardor e na secura invoco a Vossa sobra vivificadora.
“Assisti-me, ó Senhor Jesus e repeti-me: ‘não te canses pelo caminho estreito; eu passei por ele primeiro do que tu, eu sou esse mesmo caminho; sou eu que guio e tomo sobre mim aquele que conduzo, conduzindo-o até mim'” (Sto Agostinho).
“Concedei-me, ó Deus eterno, a virtude da perseverança sem a qual não Vos posso agradar nem ser aceite por Vós. Esta virtude traz à alma a abundância da caridade e o fruto de todas as canseiras. Oh! como serei feliz se Vós, Senhor, me derdes esta virtude pois desde a terra me fará saborear um penhor de vida eterna; no entanto a Vossa luz mostra-me que não posso chegar a tanto sem sofrer muito porque esta vida não passa sem fadiga; e quem quisesse fugir da fadiga fugiria do fruto da santa perseverança” (Sta Catarina de Sena).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 25 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico