Dilação da conversão

“Não demores a tua conversão ao Senhor, nem a difiras de dia para dia.” (Ecl. V, 8.)

O que é que impede a tua conversão? Acaso a frivolidade, ou o receio das dificuldades? Como poderei evitar este ou aquele pecado, abandonar este ou aquele mau hábito?

Difícil será; impossível não, enquanto puderes contar com o tempo e a graça de Deus. Queres deixar a cura para quando a chaga estiver mais agravada? Cada pecado que cometes, é uma nova ferida a cair sobre as anteriores, a irritá-las cada vez mais; é dar ousadia à paixão e violência ao apetite; é diminuir um grau de luz à razão, e outro de força à vontade; é afastarmo-nos de Deus, fazer que nos conceda menos graças; é apertar as cadeias da escravidão de Satanás e do mundo e estreitar o círculo em que as paixões nos têm encerrados.

Romper estas cadeias, sair deste círculo, é mais fácil hoje do que amanhã, e amanhã do que no dia seguinte.

Se quiseres, podes rompê-las. És mesmo obrigada a fazê-lo. Porque se Deus sempre e cada momento quer que saias desse estado, sempre e a cada momento estás obrigada a voltar à sua amizade, a cumprir o teu destino, a alcançar o teu fim.

Se, pois, te queres realmente converter, não deixes para amanhã o que deves fazer hoje mesmo.

Como sou insensata! Em que estarei eu confiada! Sim: desejo muito a minha conversão! Mas… depois de mais algum tempo, ao cabo de algumas semanas, passados mais alguns dias! Que loucura! E nem ao menos sabes se chegarás a esta noite com vida. Sim, desejo muito a minha conversão! Mas… quando me vir já prostrada no leito de dor! Que insensatez! E nem sequer sabes se a morte te virá surpreender assentada numa cadeira, de pé no lugar em que te encontras, deitada no leito em que pensas descansar esta noite, ou no meio das ruas da cidade!

Houve quem dissesse: Alma minha, recreia-te e goza; tens bens em abundância; está assegurada a tua felicidade![1]

Néscio, esta mesma noite virão demandar a tua alma: para quem ficarão todas as riquezas que amontoaste?[2]

Haverá coisa mais certa do que a morte, que uma só vez nos há de arrebatar?

E quem poderá saber, quando, como e onde ela nos colherá! Oh incerteza espantosa!

Cerca de trinta e seis milhões de homens passam todos os anos desta vida para a outra; são três milhões por mês, cem mil por dia, quatro mil centro e sessenta e seis por hora. E eu hei de ser um dia incluído neste número. Evitar a morte, é para mim totalmente impossível. Por isso tratarei de me assegurar, andando sempre preparada para a receber.

Poderia já ser tarde para isso, se ela me colhesse desprevenida!

E ela em toda a parte te está espiando: em casa, no quarto, à mesa, sempre te encontras rodeada de laços[3].

Bem sei, que és muito jovem ainda: mas desses trinta e seis milhões de cadáveres, quantos tinham menos anos do que tu?! Onde estão hoje algumas das tuas companheiras da mocidade?

Quem te pode assegurar que chegarás à idade madura, ou que atingirás a velhice? Lembra-te que o ataúde te vai seguindo como a sombra por toda a parte, e que talvez amanhã mesmo se feche sobre o teu cadáver.

Nem a todos os frutos beneficiam os raios do sol; nem a todos alcança a cuidadosa mão do pomareiro: depois de largo tempo de risonhas esperanças, a quantos arrebata a tempestade ainda verdes e duros! E lá ficam esquecidos por terra, sujeitos a serem calcados pelos viandantes.

Procura que a tua lâmpada jamais se extinga por falta do azeite do amor; procura conservar-te sempre em estado de graça; não seja que o esposo colhendo-te desprevenida, se veja obrigado a excluir-se como às virgens néscias, com aquelas palavras: Não te conheço[4].

Não digas: “A misericórdia de Deus que é grande, compadecer-se-á dos meus pecados!. Porque se dele procede a misericórdia, é dele também a justa ira: ambas se aproximam rapidamente; o rosto irado do Senhor fere o pecador endurecido. Não dilates pois, a conversão, nem a difiras de um dia para o outro, porque pode estalar a sua cólera, e destruir-se no tempo da vingança[5].”

A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.

[1] Luc. XII, 19.
[2] Luc. XII, 20.
[3] Ecl. IX, 20.
[4] Mat. XXV, 12.
[5] Ecl. V, 6-9.

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