Fazei-me compreender, ó Senhor, que o sinal mais certo do meu amor por Vós é um sincero amor do próximo.
1 – A alma que vive para Deus deve estar certa de que o seu amor por Ele não é uma ilusão. Qual é, pois, o critério que poderá dar-lhe esta certeza? Sta Teresa de Jesus responde: “O sinal mais certo que existe, a meu ver, para saber se guardamos estas duas coisas [o amor de Deus e do próximo], é guardar bem o do amor do próximo; porque não podemos saber se amamos a Deus ainda que tenhamos grandes indícios para entender que O amamos, mas ao próximo sim. Estai certas de que, quando mais vos virdes aproveitar neste, tanto mais o estareis no amor de Deus” (M. V, 3, 8). Este argumento é indiscutível porque existe uma única virtude de caridade; o nosso amor por Deus é dificilmente controlável, mas é impossível enganarmo-nos acerca do amor que temos ao próximo. Com efeito, não é necessária muita perspicácia para verificarmos se somos caritativos, pacientes, indulgentes, benévolos para com os irmãos. Do nosso comportamento para com eles podemos deduzir a medida do nosso amor para com Deus.
Por vezes podemos iludir-nos imaginando estar adiantados no amor de Deus por certos gostos espirituais que experimentamos durante a oração, por certos desejos impetuosos que se levantam em nós, parecendo-nos estar sempre prontos a enfrentar por amor dEle qualquer sacrifício. Sta Teresa de Ávila, hábil conhecedora das armadilhas em que podem cair as almas, põe-nos de sobreaviso: “Não, irmãs, não! O Senhor quer obras. Se vires uma enferma a quem podes dar algum alívio, não tenhas receio de perder a devoção e compadece-te dela; se tem alguma dor, que te doa a ti; e se for preciso, que jejues, para que ela coma; isto não tanto por ela, mas porque o Senhor o quer” (M. V, 3, 11). Eis, portanto, em que consiste o verdadeiro amor. Foi neste sentido que S. João Evangelista pôde dizer: “Nós sabemos que fomos transladados da morte para a vida porque amamos os nossos irmãos” (I, 3, 14). Não diz porque amamos a Deus, mas porque amamos os nossos irmãos, precisamente porque a caridade fraterna é o sinal mais seguro de um verdadeiro amor de Deus.
2 – Sta Teresa de Jesus escreve: “É tão grande o amor que Sua Majestade tem por nós que, em paga do que temos ao próximo, fará crescer de mil modos o que temos por Sua Majestade; disto não posso duvidar” (M. V, 3, 8). Bela e autorizada afirmação que nos impele com entusiasmo à prática da caridade fraterna e nos faz compreender como a Santa tinha razão ao exclamar: “Se entendêssemos bem a importância desta virtude, não nos aplicaríamos a outro estudo” (ib. 10).
Uma alma que ama deveras o Senhor, nada mais deseja do que crescer no Seu amor e eis o meio infalível: praticar com grande cuidado e caridade fraterna. Esta alma aspira ardentemente à união com Deus, e eis o caminho real: estar unida aos irmãos. Devemos ter sempre na memória que a virtude da caridade é uma participação, não somente na caridade infinita com que Deus Se ama a Si mesmo, mas também no amor imenso com que ama as Suas criaturas. Quanto mais amamos os irmãos, tanto mais penetramos na corrente de amor com que Deus envolve todos os homens, tanto mais participamos na Sua atitude de benevolência, de bondade, de caridade infinitas. E é assim que a caridade fraterna nos une a Ele que é caridade por essência: Deus caritas est, “Deus é caridade, e quem permanece na caridade permanece em Deus e Deus nele” (I Jo. 4, 16). Ao contrário, quando faltamos à caridade fraterna, afastamo-nos de Deus, afastamo-nos da Sua atitude de caridade infinita, o que equivale afastarmo-nos e por vezes a separarmo-nos dEle. Por isso nos exorta o Apóstolo: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros porque a caridade vem de Deus: E todo o que ama, nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama, não conhece a Deus, porque Deus é caridade. Aquele que não ama permanece na morte” (ib. 4, 7 e 8; 3, 14). Deste modo compreendemos que o amor sobrenatural para com o próximo difere muito do amor humano e em vez de nos afastar do amor divino, lança-nos para Deus com um vigor sempre crescente e une-nos cada vez mais a Ele.
Colóquio – “Ó Senhor, o sinal mais certo que existe, a meu ver, para saber se Vos amo deveras é guardar bem o amor do próximo. Como isto é muito importante, devo procurar ir-me examinando mesmo nas coisas miúdas, não fazendo caso de umas muito grandes que por junto me vêm na oração pelas quais me aprece que farei e acontecerei pelo próximo e para que se salve uma só alma. Se depois as obras não são conformes com isso, não há motivo para crer que as farei.
“Não, meu Deus, não devo acreditar que cheguei à união conVosco e que Vos amo muito, pela devoção e regalos que posso ter na oração. Devo, ao contrário, pedir-Vos que me deis o amor do próximo com toda a perfeição e depois deixar-Vos agir. Se da minha parte me esforçar e fizer todo o possível para o procurar e forçar a minha vontade para que faça em tudo a dos outros, ainda que perca os meus direitos; se apesar das repugnâncias da natureza esquecer os meus interesses para não atender senão aos seus e quando se oferecer ocasião tomar sobre mim o trabalho para o tirar ao próximo, Vós me dareis certamente mais do que o que eu sei desejar. Não devo pensar que isto não me há de custar algo e que encontre já tudo feito. De resto, ó Senhor, não Vos custou também a Vós o amor que nos tivestes? Para nos livrardes da morte, suportastes uma morte tão penosa como foi a morte na cruz” (T.J. M. V, 3, 8-12).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico