Quem teme a Deus nada despreza (Ecl. VII, 19).
A presença de Deus nas criaturas não é ociosa.
Pois não é Deus quem as move e conduz ao seu fim, não é Ele quem opera nelas?
Sim: Deus trabalha, por assim dizer, nas criaturas para mim; é ativo, opera e cansa-Se de certo modo por mim.
E Jesus Cristo, o Homem-Deus e o meu Salvador, não trabalhou só por mim até ao cansaço, padeceu, derramou o Seu Sangue, e finalmente deu a Sua vida por mim no meio dos mais horrorosos tormentos.
E ainda hoje continua a trabalhar, a aoperar, e a sofrer no Santíssimo Sacramento do Altar.
Mas, Jesus Cristo operando não perde o seu repouso; apesar de ativo, está em paz; oferecendo-Se por nós, não diminui a Sua felicidade.
Meu Deus, que confusão para o meu amor!
É verdade que eu estou na disposiçao de Vos amar; mas, bem longe de me querer sacrificar por Vós, busco ao contrário o meu gozo nele: numa palavra não tenho um amor forte, capaz de se levantar à altura do sacrifício.
Talvez julgues, jovem cristã, que poucas ocasiões se te hão de apresentar de mostrares a atividade deste amor.
Enganas-te: a cada passo se te estarão apresentando.
Não te empregas todos os dias nas ocupações próprias do teu estado? Mas o seu cumprimento exato exige atenção e supõe sacrifício e trabalho.
Desempenhas realmente esses deveres com a perfeição que requere a grandeza e amabilidade daquele por amor de quem e em cuja honra prometes desempenhá-los?!
Que cegueira a nossa, e que mesquinhos são os nossos juízos! Damos importância às coisas grandes, e desprezamos as pequenas. E não reparamos que enquanto raramente se apresentam ocasiões de praticarmos coisas grandes, as pequenas aparecem todos os dias! Por isso diz a Sagrada Escritura esta sentença dum sentido muito profundo: Quem teme a Deus, nada despreza (1).
Deus vê os corações (2). Quem com perseverança e coração generoso procura a maior perfeição em tudo o que faz opera maravilhas, ainda que as suas obras sejam aparentemente de pouco valor.
Não distingas entre umas obrigações e as outras, sob pretexto de que esta é importante e aquela não. Quem obedece filialmente ao Senhor, nada julga de pouca importância. Em todas as obras, grandes ou pequenas, podemos mostrar que entregamos o coração a Deus. Eis pois, o modo como hás de mostrar o teu amor.
Fidelidade nas coisas pequenas: palavras dum sentido profundo, espantosas para as almas tíbias, suaves para as fervorosas.
Fidelidade nas coisas pequenas: breve resumo da mais elevada santidade.
Fidelidade nas coisas pequenas: caminho espinhoso, mas muito direto da verdadeira perfeição.
Fidelidade nas coisas pequenas: amor heróico, sacrifício, martírio.
Mas esta fidelidade nas coisas pequenas oferece uma dificuldade particular à inconstância da tua juventude: assim se explica que deixes tão facilmente atender aos teus deveres, sobretudo se se trata de coisas de pequena importância.
Mas violenta-te. Procura para o futuro dar a tudo verdadeira importância; mostra que o teu amor está sempre disposto para o sacrifício, que não esmorece nem descansa, e que cumpres por amor de Deus com as tuas obrigações, quer sejam muito importantes, quer tenham pouco valor e transcendência.
A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.
(1) Ecl. VII, 19.
(2) I Reis, XVI, 7.