Amor humilde e reverente

Ó Deus, que sois tão grande, dignai-Vos elevar até Vós a minha alma, tão pequena e miserável.

1 – O amor que impele audaciosamente a alma para a conquista da união divina é, ao mesmo tempo, sumamente reverente e respeitoso, já que a alma entende muito melhor do que antes quão sublime e excelsa é a Majestade de Deus. Se por uma lado o amor a torna impaciente por se unir a Ele, por outro lado, a contínua e clara consciência da sua miséria torna-a mais solícita do que nunca em vigiar atentamente para que na sua conduta não haja nada que possa desagradar a tão excelsa Majestade.

“A alma vê em si desde logo – diz o Doutor Místico – uma verdadeira determinação e eficácia de não fazer coisa que entenda se ofensa de Deus, nem deixar de fazer coisa que lhe pareça ser do Seu serviço. Porque aquele amor escuro pega-se-lhe com mui vigilante cuidado e solicitude interior do que fará ou deixará de fazer por Ele e para O contentar, olhando e dando mil voltas se foi causa de O enfadar” (N. II, 16, 14). Trata-se evidentemente de algo muito superior à simples fuga do pecado, trata-se da firme resolução de evitar qualquer imperfeição, omissão ou negligência voluntárias, e como a alma sabe por experiência que, não obstante a sua boa vontade, muitas de tais faltas ainda lhe poderão escapar, ou por falta de atenção, ou por fragilidade, quer intensificar a sua vigilância para as evitar o mais possível.

É uma solicitude que deriva do amor e não do escrúpulo, verdadeira solicitude amorosa, semelhante à que levava S.ta Teresa Margarida do Coração de Jesus a repetir continuamente: “Que faço agora nesta ação? Amo o meu Deus?” (Sp. pg. 323), ou à que exprimia a B. Ângela de Foligno com esta inflamada expressão: “Reparai, Senhor, se há em mim coisa que não seja amor”.

Se queres um sinal certo do teu amor a Deus, vê se estás firme no teu propósito de fugir da menor coisa que Lhe desagrade; esse propósito deve estar de tal maneira arraigado na tua vontade que não só o tenhas continuamente presente – como tens as coisas que te interessam deveras – mas que seja também poderoso para te impedir de cair em qualquer imperfeição logo que a advirtas. Isto é absolutamente indispensável porque, como ensina S. João da Cruz, “para chegar a alma a unir-se perfeitamente a Deus por amor e vontade… [é preciso] que advertida e conscientemente não consinta com vontade em imperfeição e venha a ter poder e liberdade para o fazer quando advertida” (S. I, 11, 3).

2 – O conhecimento da própria baixeza mantém a alma humilde no seu amor, afugentando dela toda a presunção. Muito longe de contar com os seus méritos e com as suas boas obras, vê claramente que, por mais que faça, tudo é nada em comparação com a excelsa Majestade de Deus, “por isso, em tudo quanto faz, tem-se por inútil e parece-lhe viver em vão” (J.C. N. II, 19, 3). As palavras do Evangelho: “Somos servos inúteis” (Lc. 17, 10), são para ela uma realidade viva e exprimem muito bem o seu estado de alma habitual. É demasiada a luz que o Espírito Santo lhe infunde para cair em alguma ilusão acerca do seu valor ou para se envaidecer das suas obras. Antes “se tem averiguadamente por pior que todas as outras almas: porque, de um lado, o amor vai-lhe ensinando o que Deus merece; e do outro, porque como as obras que aqui faz por Deus são muitas e todas reconhece por falhas e imperfeitas, de todas tira confusão e pena, vendo tão baixa forma de agir por tão alto Senhor” (J.C. N. II, 19, 3). É belo considerar como esta profunda humildade não é só fruto da luz, mas também do amor: o amor fá-la estimar Deus de tal maneira que, embora deseje com ardor possuí-lO, está profundamente persuadida de que é totalmente incapaz de O alcançar. Por outro lado, ainda que humilde e reverente, o amor mantém a sua audácia característica, e a alma não cessa de aspirar à união divina. Neste sentido, S.ta Teresa do Menino Jesus escrevia: “Apesar da minha extrema pequenez ouso fixar o Sol divino, o Sol do Amor” (M.B. pg. 238); a Santa, que se compara com toda a singeleza a um passarinho que só tem penugem, incapaz de levantar voo, compreende bem que sozinha nunca poderá elevar-se tão alto, e contudo não perde a esperança. Se não pode contar com as suas forças, sabe que pode contar com o amor de Jesus, Verbo divino, que incarnou precisamente para vi à procura de nós, pobres pecadores, que “quis sofrer e morrer a fim de atrair as almas até ao seio da eterna morada da Trindade bem-aventurada” (ib. pg. 240). A Santa está certa de que um dia Jesus Se comoverá com a sua fraqueza e descerá sobre ela para a fazer uma “presa” do Seu amor: “um dia, assim o espero, vireis procurar a Vossa avezita, e subindo com ela à mansão do Amor, mergulhá-la-eis para a eternidade no incandescente abismo deste Amor” (ib. pg. 241). Sim, Jesus está pronto para vir também ao encontro da tua alma para a elevar à desejada união, mas quer que tu O saibas aguardar com fidelidade, numa generosa e plena dedicação ao Seu serviço.

Colóquio – “Ó Verbo divino, Vós sois a Águia adorada que amor e que me atrai!… Sois Vós que, descendo até à terra de exílio, quisestes sofrer e morrer a fim de atrairdes as almas até ao seio da eterna morada da Trindade bem-aventurada; sois Vós que, voltando para a inacessível luz que será para sempre Vossa Mansão, sois Vós que continuais ainda no vale de lágrimas, escondido sob a aparência dum Hóstia branca… Ó Águia eterna, quereis alimentar-me com a Vossa substância, a mim, pobre e pequeno ser, que voltaria ao nada se o Vosso divino olhar me não comunicasse a vida a cada instante…

“Ó Jesus, deixai-me, no excesso do meu reconhecimento, deixai-me dizer-Vos que o Vosso amor vai até à loucura. Como quereis que, perante esta loucura, o coração não se me atire para Vós? Como poderia a minha confiança ter limites?

“Ah! por Vós, bem o sei, também os Santos cometeram loucuras, realizaram grandes coisas porque eram águias… Jesus, sou demasiado pequena para realizar grandes coisas, e a minha loucura é esperar que o Vosso amor me aceite como vítima…

“Ó meu Bem-Amado, por tanto tempo quanto quiserdes, a Vossa avezinha continuará sem forças e sem asas, permanecerá sempre com os olhos fixos em Vós; quer ser fascinada pelo Vosso olhar divino, quer tornar-se a presa do Vosso amor. Um dia, assim o espero, ó Águia adorada, vireis procurar a Vossa avezita e, subindo com ela à Mansão do Amor, mergulhá-la-eis para a eternidade no encandescente abismo deste Amor a quem se ofereceu como vítima” (T.M.J. M.B. pg. 240 e 241).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico

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