Meu Deus, que o Vosso amor me torne intrépido para Vos procurar e impaciente por Vos possuir.
1 – A alma submetida pelo Espírito santo à purificação interior, ainda que profundamente consciente da sua indignidade e miséria, tem contudo “força ousada e atrevida para se ir juntar com Deus” (J.C. N. II, 13, 9). Donde lhe vem tanta audácia? Do amor que vai sempre aumentando nela; com efeito, como “a propriedade do amor é querer-se unir, juntar, igualar e assemelhar à coisa amada” (ib.), quanto mais cresce o amor na alma, tanto mais ela aspira à união com Deus. Verdade é que o amor ainda não é perfeito, porque ainda a não conduziu a união, contudo é sincero e mediante as “forças que o amor já pôs na vontade [a alma] tem fome e sede do que lhe falta, que é a união” (ib.). Como poderia deixar de aspirar à união com Deus a alma que descobriu algo da Sua beleza infinita e do Seu imenso amor? A mesma luz divina que lhe descobre o abismo do seu nada e do nada das criaturas, ilumina-a, ao mesmo tempo, sobre a superioridade infinita de Deus, de maneira que a prende e cativa, enquanto Deus, à medida que a purifica, a atrai para Si infundindo-lhe novo amor.
Humilde pelo conhecimento real da sua indignidade, mas audaz pelo amor que cresce nela e pelo convite que o próprio Deus lhe dirige atraindo-a secretamente a Si, a alma ousa aspirar a este bem supremo que é a união divina. É humilde no seu audaz desejo, porque sabe não merecer tamanho dom; mas é ousada porque compreende que Deus lho quer dar, porque é tanta a sua fome e sede de Deus que não pode viver longe dEle. “O que não ousará a alma confiante – exclama S. Bernardo – em face dAquele de quem sabe trazer em si a nobre imagem e a luminosa semelhança?” O amor de Deus preveniu-a querendo assemelhá-la a Si pela criação e pela graça; esta divina semelhança, natural e sobrenatural, manifesta claramente o desejo que Ele tem de a unir a Si, e constitui, ao mesmo tempo, a base de tal união. Deus, que lançou este fundamento, quer certamente conduzir a bom termo a Sua obra, e para o fazer espera apenas que a alma secunde a Sua ação, deixando-se purificar, despojar de si mesma e revestir completamente de vida divina.
2 – A alma esfomeada de Deus busca-o sem cessar, “porque, como está em trevas, sente-se sem Ele, estando a morrer de amor por Ele” (J.C. N. II, 13, 8). O amor torna-a impaciente por encontrar o Senhor e, com efeito busca-O com grande solicitude, à semelhança de Madalena que, depois da morte de Jesus, não descansa, levanta-se de madrugada, corre ao sepulcro e, não encontrando aí o sagrado Corpo, põe-se a procurá-lo, interrogando a todos que encontra. “Levantar-me-ei, diz e esposa do Cântico dos Cânticos – e rodearei a cidade; buscarei pelas ruas e praças públicas aquele a quem ama a minha alma” (3, 2). É a atitude da alma que nãos e resigna, que não se dá por vencida, mas que a todo o custo quer encontrar Deus a quem ama mais do que a si mesma.
Neste estado, diz S. João da Cruz, “a alma anda tão solícita, que busca o Amado em todas as coisas; em tudo quanto pensa, logo pensa no Amado; em tudo quanto diz, em todos os negócios que se oferecem, logo é falar e tratar do Amado; quando come, quando dorme, quando vela, quando faz seja o que for, todo seu cuidado é no Amado” (N. II, 19, 2).
Oh! se também tu fosses tão solícito em buscar o teu Deus! O Seu amor preveniu-te desde toda a eternidade; criado à Sua imagem e semelhança, também tu foste revestido de vida divina, e Deus convidou-te à união com Ele. Porque andas então pelo mundo à busca, não de Deus, mas de ti mesmo, solícito não do Seu amor, mas do amor das criaturas? Não há porventura em ti maior ânsia e solicitude pelas míseras coisas da terra do que pelas coisas celestiais e por Deus?
Oh! que necessidade ainda tens de desapego, de renúncia, de purificação! Não resistas mais aos convites divinos; abre de par em par o teu coração à ação purificadora do Espírito Santo, porque só Ele, finalmente, te pode libertar de todos os cuidados e solicitudes terrenas. Se fores atento e fiel em seguir as inspirações do celeste Paráclito, Ele te enviará outras mais sutis e delicadas, que te levarão cada vez mais a pôr de lado todas as vaidades da terra para procurares e amares só a Deus.
Colóquio – “Ó Senhor, vida e fortaleza minha, uma das maiores misericórdias divinas que me tendes feito é a de Vos dignardes convidar uma criatura Vossa tão ingrata e cheia de pecados como eu, a amar Vossa Majestade em cuja presença cobrem o rosto os Serafins do céu, vencidos pelo esplendor da divindade e pelo incêndio do Vosso amor. Sinto-me honrado por tanta liberalidade e, ao mesmo tempo, estimulado a amar-Vos para corresponder ao Vosso amor e ao desejo que tendes de me unir ao Vosso coração, doce ninho para onde quero voar para encontrar repouso.
“Atendam os outros aos cuidados e pretensões terrenas, eu atenderei somente a Vós e serei importuno para impetrar o vosso amor. Não sei nem posso pedir outra coisa senão Vós. Amo-Vos e procuro-Vos; amarei e buscarei sempre a Vossa face, a fim de que ela me atraia e prenda com a sua divina beleza.
“ó Senhor amabilíssimo, não me afasteis de Vós. Sempre fostes liberalíssimo e fizestes altíssimas misericórdias até àqueles que Vo-las não pediam; não sejais rigoroso comigo, que imploro de coração a bondade e a doçura do Vosso amor.
“Prouvera ao Vosso terníssimo coração, ó Filho do Altíssimo, aceitar-me ao Vosso serviço e ter-me entre os jornaleiros da Vossa casa, que sofrem, trabalham, suportam o peso do dia e não querem outra retribuição senão Vós!
“Mas o meu desejo vai mais além, pois suspiro por me unir a Vós por um vínculo indissolúvel. Ó Beleza cheia de majestade, que arrebatais os corações com força infinita e os configurais conVosco, realizai em mim, eu Vo-lo suplico, esta configuração, para que eu não viva mais em mim, mas em Vós e que a lei dulcíssima da Vossa graça e a força do Vosso amor dirijam todos os meus pensamentos, as minhas palavras e todas as minhas obras” (Ven. João de J.M., o.c.d.).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico