Ó Senhor, atraí-me a Vós pelo caminho que quiserdes e como quiserdes. Só Vos peço a graça de saber seguir-Vos sempre.
1 – A aridez que provém de Deus não tem só a vantagem de nos fazer progredir na virtude, mas também a de nos introduzir numa oração mais elevada. S. João da Cruz ensina que, mediante esta espécie de aridez o Senhor convida a alma a uma forma de oração mais simples e mais profunda a que chama “contemplação inicial”. Para que se possa distinguir esta aridez da proveniente de outras causas, dá-nos três sinais. Eis o primeiro: como a alma “não encontra gosto nem consolo nas coisas de Deus, tão pouco o encontra em alguma coisa criada” (N. I, 9, 2). Quando a aridez provém de faltas cometidas, a alma também perde o gosto pelas coisas de Deus, mas então vai à procura de consolações humanas, e neste caso, embora não sinta já alegria em estar com o Senhor, não se volta para as criaturas, antes permanece firme na decisão de manter o seu coração desprendido delas. O segundo sinal é que, apesar da sua aridez, a alma “traz ordinariamente a memória em Deus com solicitude e cuidado penoso, pensando que não serve a Deus” (ib. 3); por outras palavras, a alma sofre com a sua insensibilidade espiritual, receia não amar o Senhor, não O servir, e no entanto, continua a procurá-lo coma ansiedade de quem não consegue encontrar o seu tesouro. Continua sempre ocupada de Deus, se bem que de um modo negativo e penosos, semelhante àquele que experimenta quem sofre a ausência de uma pessoa amada. Pelo contrário, quando a aridez é culpável, particularmente se provém dum estado de tibieza habitual, a alma já nãos e preocupa nada com não amar a Deus; tornou-se indiferente. O último sinal consiste “em não poder já meditar nem discorrer no sentido da imaginação, como costumava, por mais que fala da sua parte” (ib. 8). A alma quereria meditar, aplica-se a isso, esforça-se o mais que pode e todavia, não consegue nada. Quando este estado é contínuo – se fosse pouco duradouro poderia provir de causas físicas ou morais – e, embora alternando entre dias de maior ou menor intensidade, tende a invadir toda a alma, de modo a tornar-se-lhe impossível a meditação, então é o caso de ver em tal aridez o chamamento do Senhor a uma oração mais profunda.
2 – Mergulhando a alma na aridez, o senhor quer elevá-la, de um modo muito humano e baixo de tratar com Ele, a um modo mais sobrenatural. Na meditação, a alma ia para Deus pelo trabalho da sua inteligência, meio ótimo, mas sempre muito limitado e inadequado para nos fazer conhecer a Deus que, sendo infinito, supera imensamente a capacidade da nossa inteligência. Ora Deus, pondo a alma na aridez, torna-lhe impossível a meditação obrigando-a, por assim dizer, a ir para Ele por outro caminho.
Segundo S. João da Cruz, este caminho é o da contemplação inicial, que consiste em começar a conhecer a Deus, não só com a inteligência, mas também pela experiência do amor. Experiência que não comunicará à alma novas ideias de Deus, mas que lhe dará o “sentido” das Suas grandezas. De fato, já vimos que no meio da aridez, nasce nela uma pena que a atormenta por não amar já o Senhor, por não O sentir, pena que não existiria se não tivesse adquirido um sentido profundo das grandezas de Deus e de quanto Ele é digno de ser amado. tal sentimento não é fruto de raciocínios – que agora a alma não está em estado de fazer – mas da sua experiência de amor. De fato, ainda que não se aperceba disso, ama a Deus muito mais do que antes, e a melhor prova é a grande pena que a atormenta pelo temor de não O amar. E assim através desta penosa experiência de amor, que consiste na preocupação de não amar e não servir o seu Deus, nasce na alma o conhecimento contemplativo, ou seja, o “sentido” de Deus. Trata-se de um conhecimento que, na verdade, não é nada reconfortante, mas que todavia é preciosíssimo, porque, melhor que qualquer meditação, infunde-lhe o “sentido” da Divindade e enamora-a cada vez mais daquele Deus de quem compreende melhor agora a infinita amabilidade. Estas vantagens são tão preciosas que, para as obter, a alma não só deve abraçar com coragem a aridez que o Senhor lhe envia, mas reconhecer nela uma das maiores misericórdias que Ele lhe pode fazer.
Colóquio – “Ó Jesus, como é amarga e pesada a vida quando Vos ocultais ao nosso amor. Que fazeis então, ó meu doce amigo? Não vedes as minhas angústias e o peso que me oprime? Onde estais? Porque não vindes consolar-me, já que eu não tenho outro amigo fora de Vós?
“Mas se Vos agrada deixar-me neste estado, ajudai-me a aceitá-lo por Vosso amor. Fazei que Vos ame tanto, que sofra por Vós tudo o que quiserdes, mesmo as penas da alma, a aridez, as angústias, a frieza aparente… Ah! é uma dura prova de amor amar-Vos sem sentir a doçura deste amor, é um martírio!
“Ó Jesus, há muitos que Vos servem quando Vós os consolais, mas há poucos que Vos façam companhia quando dormis sobre as ondas, ou sofreis no jardim da agonia! Quem Vos quererá servir unicamente por Vós mesmo? Oh! fazei que possa ser eu!
“O Santo Evangelho ensina-me que Vós deixais as ovelhas fiéis no deserto. Como é eloquente esta Vossa maneira de proceder! Estais seguro delas, não poderão fugir porque são escravas do amor, por isso lhes tirais a Vossa presença sensível para levar as Vossa consolações aos pecadores, ou antes, se as conduzis ao Tabor é só por alguns instantes. Ó Senhor, fazei de mim o que Vos aprouver. Se me parece que me esqueceis, pois bem, sois livre, porque já não sou minha, mas Vossa. Mais depressa Vos cansareis de me fazerdes esperar do que eu de Vos esperar” (cfr. T.M.J. Cart. 32, 73, 144, 121, 81).
Ó meu Deus, só Vos peço uma coisa: que nesta aridez o meu amor cresça e que e permaneça fiel a todo o custo. Que quanto menos sinta que Vos amo, tanto mais Vos ame com a realidade dos fatos; quanto menos o meu amor me dê alegria, tanto mais eu Vos dê alegria. E se, para crescer no amor, me for necessário sofrer, bendita seja essa prova pois me feris para me instruir, me mortificais para me sarar e me dar mais vida.
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.