Ó Senhor, ajudai-me a procurar-Vos e a unir-me a Vós através da aridez e da impotência do meu espírito.
1 – Mesmo sem a intervenção das causas físicas ou morais de que já falamos, pode passar-se de um estado de fervor sensível para a mais absoluta aridez. Isto dá-se por obra direta de Deus que põe a alma na impossibilidade de fazer oração com a ajuda da imaginação e de se exercitar, como antes, em atos de amor sensível. Na realidade, ao passo que anteriormente a alma meditava ou se entretinha afetuosamente com Deus, com facilidade e com gosto, agora já não é capaz de nada; é-lhe impossível associar duas ideias. Pensamentos ou leituras que antes a impressionavam, deixam-na agora totalmente indiferente e o coração permanece duro e frio como uma pedra. Embora vigie cuidadosamente para se manter fiel à mortificação e à generosidade ou intensifique a sua preparação para a oração, suplicando fervorosamente a Deus que a ajude, não consegue tirar do seu coração nem uma gota de devoção. A pobre alma aflige-se e assusta-se julgando que, por causa de alguma culpa sua, o Senhor a abandonou. E não sabe que esta espécie de aridez esconde uma grande graça de Deus, graça de purificação e de progresso no caminho espiritual.
De fato, por meio da aridez, o Senhor pretende libertá-la das ninharias da sensibilidade para a transportar ao plano mais puro e mais sólido da vontade. Quando sentia na oração grande conforto, a alma, sem dar por isso, prendia-se um pouco a essas consolações sensíveis e assim amava e procurava a oração, não puramente por Deus, mas também por si mesma. Estando agora privada de todo o gosto da oração, aprenderá a praticá-la apenas para agradar a Deus. Além disso, não encontrando nenhum apoio nos belos pensamentos e nas doces emoções, aprenderá a prosseguir unicamente à custa da vontade, exercitando-se em atos de fé e de amor, totalmente áridos, mas tanto mais meritórios quanto mais voluntários. Deste modo o seu amor a Deus tornar-se-á mais puro porque mais desinteressado, mais sólido porque mais voluntário.
2 – Por meio da aridez a alma progride também na humildade. A sua incapacidade para meditar, para fixar a atenção, para despertar bons sentimentos no seu coração, convence-a cada vez mais do seu nada, faz-lhe tocá-lo com a mão, de modo que já não necessita de esforços e raciocínios para compreender que sem a ajuda de Deus não pode fazer nada. E assim, pouco a pouco, vai-se despojando do seu amor próprio, do sentimento de confiança nas suas próprias forças que, mais ou menos secretamente, se tinham insinuado na alma quando tudo lhe era fácil e agradável na vida de oração.
Ao mesmo tempo, vendo-se diante do Senhor tão pobre e miserável, nasce nela um sentimento de maior respeito, de maior reverência perante a infinita Majestade De Deus. Quando, na oração, conseguia entreter-se intimamente com Ele, talvez se esquecesse um pouco da distância infinita que separa Deus da Sua criatura. É verdade que Deus gosta de que O tratemos com grande confiança e convida-nos, de mil maneiras, á Sua intimidade; todavia Ele permanece sempre o Inacessível e nós, o nada, a miséria. Por isso é muito proveitoso este sentimento de maior reverência que se desenvolve na alma através da experiência do próprio nada e que sempre – mesmo nos momentos de maior intimidade amorosa – lhe permitirá aproximar-se de Deus com verdadeira humildade de oração.
Se, portanto, na sua oração, a alma não souber fazer outra coisa senão humilhar-se diante do Senhor, reconhecendo o seu próprio nada, mostrando-Lhe a sua impotência e incapacidade e, por outro lado, adorar a Sua infinita grandeza, terá empregado muito bem o seu tempo. É certo que neste estado de aridez, sobretudo quando é mais atormentada por distrações, a alma tem sempre a impressão de adiantar pouco na oração; mas que não se perturbe porque – como diz S. Pedro de Alcântara – “diante de Deus fez muito aquele que fez o pouco de que é capaz. Não é difícil permanecer longo tempo na oração quando se têm consolações, mas sim quando a devoção sensível é pouca. É então que a oração se torna mais meritória e aumentam a humildade, a paciência e a perseverança”.
Colóquio – “Ó Senhor, seja bendito o Vosso nome por todos os séculos, pois determinastes que eu sofresse esta tribulação. Eu não posso evitá-la e por isso recorro a Vós para que me ajudeis a convertê-la em bem. Ó Senhor, estou profundamente aflito, o meu coração não tem repouso e está atormentado por esta dura prova. Que Vos direi então, ó Pai amantíssimo? Estou esmagado pelas angústias, salvai-me, Senhor! Isto acontece-me para que Vos seja dada glória, porque serei muito humilhado e depois Vós me libertareis. Dignai-Vos, Senhor, livrar-me, pois eu sozinho, miserável como sou, que posso fazer e onde posso ir sem Vós?
“Dai-me uma vez mais a graça da paciência; ajudai-me, Senhor e não terei medo em qualquer provação, por mais grave que seja. Entretanto que direi eu em tão grandes angústias? Senhor, seja feita a Vossa vontade. Mereci ser atormentado e oprimido e é-me útil sofrer. Agrade-Vos ao menos que eu suporte com paciência esta provação, para que a tempestade passe e venha a bonança” (Imit. III, 29, 1 e 2).
“Ó Jesus, nas minhas relações conVosco, nada. Só aridez. Contudo sou muito feliz, por sofrer o que Vós quereis que sofra. Fico muito satisfeita por não fazerdes cerimônia comigo, mostrais assim que eu não sou para Vós uma estranha.
“ó Senhor, fazei que as minhas trevas Vos sirvam para alumiar as almas. Se for essa a Vossa vontade, consinto em caminha toda a minha vida na senda escura em que ando, contanto que chegue um dia ao termo da montanha do amor.
“Sim, sou feliz por não ter consolação alguma porque acho que assim o meu amor não é como amor das noivas da terra que estão sempre a olhar para as mãos dos seus noivos, para ver se lhes trazem algum presente, ou então para o seu rosto para nele surpreenderem um sorriso de amor que as extasie. Ó Jesus, quero amar-Vos só por Vós. Não desejo amor sensível, mas que ele seja sentido só por Vós” (T.M.J. Cart. 51, 90, 93, 89).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.