As páginas lamentáveis da história da Igreja

Fachada da Basílica de São Pedro em Roma, início da noite. Cidade do Vaticano., Creative Commons, Wikimedia Commons

AS PÁGINAS LAMENTÁVEIS DA HISTÓRIA DA IGREJA

Se considerarmos sem opinião preconcebida isso que acabamos de dizer, a nossa fé não naufragará por causa das tristes páginas da história da Igreja, que os seus inimigos costumam apontar com ares de maldade triunfante.

A) Quem, por exemplo, ainda não teria ouvido falar dos “maus papas”? Que devemos pensar disto? Será verdade que também houve maus papas? E se os houve, qual deve ser sobre isso o nosso juízo?

a) Os católicos chamam ao papa “Santo Padre”. E, quando falam dele, dizem: “Sua Santidade”.

Essa expressão magnífica aplica-se porventura à pessoa ou à dignidade? Quereremos dizer por ela que, quando alguém vem a ser papa, já é um santo?

Não! O cargo, a dignidade que o reveste, é que é santa. E essa dignidade, de fato, obriga-o a se esforçar para atingir, também ele, a maior santidade de vida. E vemos, na realidade, que, entre os 262 papas, houve 81 santos canonizados, 33 mártires e 7 bem-aventurados, sem contar os que levaram vida verdadeiramente santa, mas ainda não foram canonizados, por exemplo um dos papas mais recentes, Pio X.

Coisa estranha: há homens que, nessa magnífica história de dezenove séculos, só enxergam os poucos anos ou dezenas de anos cobertos de sombras. O sol também tem manchas. Mas haverá alguém que se choque com isso e vire as costas ao sol? E, por causa das poucas páginas sombrias e brumosas da história dos papas, havemos de esquecer as numerosas páginas luminosas e edificantes, percorrendo volume todo?

b) Mas, se é certo, e se podemos afirmar com ufania, que ao maior número dos papas a expressão “Santíssimo Padre” não se aplica só à dignidade, mas também à sua pessoa, a verdade obriga-nos, todavia, a reconhecer com pesar que, assim como entre os doze apóstolos houve um Judas, assim também, entre os 262 papas houve alguns – que não foram dignos do cargo.

Por mais penosa que seja esta verificação, não pode, entretanto, abalar a nossa fé. Os papas a cujos nomes se ligam tristes recordações, estiveram sobretudo em luta uns com os outros, sujeitos à influência de partidos poderoso e foram levados ao sólio pontifício pela ambição da sua família ou da sua nação.

Também houve, então, maus papas? Infelizmente sim.

Daí resulta, por isso, que Cristo não tenha fundado o papado? De modo algum.

Cristo predisse que o inferno desencadearia todos os ataques contra a Igreja. E poderia Ele ter pensado em ataque mais perigoso do que o que atingiria a Igreja em seu chefe?

Os maus papas são, pois, também uma prova da origem divina da Igreja. Porquanto, se a religião católica fosse criação humana, então teria sido irremediavelmente arruinada pelos maus papas.

B) Essa idéia abre justamente novos pontos de vista, que esclarecem ainda mais a questão. Põe em foco o papel da divina Providência na Igreja.

Quando Nosso Senhor Jesus Cristo colocou a sua Igreja no mundo, muniu-a deste viático: “Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo” (S. Mt. XXVIII. 20). E Nosso Senhor, realmente sempre tem protegido sua Igreja e estado com ela em todas as lutas e provações que ela tem tido de sofrer até hoje.

a) Com que solicitude a Providência tem guiado a sua Igreja.

Primeiramente, houve três séculos de perseguições sangrentas. O seu fim era fazer amadurecer a Igreja de Cristo, visando a dominação espiritual, e demonstrar que a verdade não seria vencida por nenhum cruel terror.

Logo depois da vitória da verdade, a Igreja pôde empreender uma nova tarefa: a educação dos povos. Mas agora, ao lado do triunfo das forças da verdade, devia tomar lugar a vitória moral da conquista das nações bárbaras, por uma paciência e uma caridade sem exemplo, ou por uma severidade e uma disciplina paternais, ou mesmo pelo brilho das suas pompas exteriores.

Quantos se escandalizariam hoje da severidade e das pompas da Igreja na idade média! Entretanto, se a Igreja – no interesse da salvação da alma de seus filhos – combateu, fulminou com a excomunhão, puniu os obstinados, só pode escandalizar-se disso quem ainda não viu uma mãe que castiga, ou os olhos carregados de ameaça de um pai, quando educam filhos indisciplinados ou procuram protegê-los nos perigos. Não devemos encarar tudo isso do ponto de vista atual, mas conforme o modo de pensar daquela época.

E se os bispos na idade média galopavam em corséis fogosos e desfilavam perante seus súditos seguidos duma escolta deslumbrante, se residiam em castelos, como “príncipes da Igreja”… tudo isso, evidentemente”, parece-nos atualmente inimaginável. Mas não nos choquemos com que assim fosse outrora. Com efeito, não teria sido possível, com monges andando de pés descalços, conquistar ao Cristo um povo habituado ao esplendor, às pompas exteriores e ao fausto: faziam-se mister príncipes da Igreja cavalgando corséis espumantes, revestidos de ouro e prata.

E aí está porque, na idade média, os bispos andavam a cavalo e eram também ricos senhores… Somente…

b) Somente, a divina Providência bem sabe quando a Igreja precisa do poder exterior para realizar sua finalidade, e também quando não precisa. E quando não precisa, e quando é melhor que seja privada disso para a direção das almas, então Deus tem o cuidado de tirar isso das mãos da Igreja e de substituí-lo por outra coisa.

Para domar os povos bárbaros da idade média, a Igreja precisava também da força exterior, temporal. Mas hoje, parece que a divina Providência quer aproximar a Igreja das almas sem o poder político, sem os bens terrenos, fora da influência do Estado, unicamente pela força do amor e da caridade. Seja como for, tudo sucede como a Providência o quer. Mas é certo que, sejam quais forem as mudanças que o futuro reserve, a humanidade, nas suas instituições políticas e sociais, nunca poderá prescindir do amor dos representantes de Cristo, nem da força que prega a fidelidade ao dever e a pureza dos costumes.

Enquanto os filhos ainda estão em tenra idade, precisam frequentemente das advertências dos pais, e merecem até às vezes sérias punições. É por isso que, nos séculos remotos, saíam frequentemente dos lábios da Igreja palavras de censura, e, se isso não bastava, a excomunhão fulminava governantes e povos.

Hoje, os povos chegaram à maioridade. A Igreja, evidentemente, não deixa de persistir mãe deles, mas dirige-se a eles, como os pais falam a filhos já grandes; – ainda hoje ela lhes faz censuras, quando preciso, não com o tom severo de outrora, mas, com os acentos dum amor inquieto. Ainda hoje, vivem entre vós bispos e padres, mas eles não têm mais o direito de viver como senhores, por trás das janelas engradadas dos bispados; eles participam em sua alma dos sofrimentos de corpo e alma dos seus fiéis.

Mas, assim como Cristo estava com a Igreja quando era cercada desse brilho mundano, desse poder e desse esplendor, estará também com a Igreja, se um dia, talvez, ela for despojada de todo poder e de todo brilho exterior, continuando porém a sua santa missão de pregar aos fiéis a doutrina de Cristo.

S. Pedro, o primeiro papa, tinha um báculo pastoral de pau, Pio XII, o 262º papa, tem um báculo de ouro e prata. De que será o do último papa? Quem poderá dizê-lo?

a) Se Nosso Senhor Jesus Cristo viesse atualmente ao Vaticano, e ali recebesse as homenagens do papa descido do trono e prostrado diante dele no pó, certamente não mudaria nada ao seu poder, nem ao seu campo de atividade, como nada também ao seu ambiente de corte, à sua habitação, aos seus paramentos de ouro.

Com efeito, foi a divina Providência quem quis que, durante os três primeiros séculos, os papas não estivessem num trono, mas na prisão, e que, dos 32 primeiros papas, 30 morressem mártires. Foi a divina Providência quem quis que, na idade média, os papas e os bispos estivessem em tronos, cercados de esplendor e de fausto, para conduzirem o rebanho de Cristo. Mas, do mesmo modo, a divina Providência também poderia querer que um dia o vigário de Cristo fosse obrigado a descer de novo à nudez das catacumbas.

b) Não conhecemos o futuro. Não sabemos o que a Providência, reserva à Igreja.

Mas sabemos uma coisa. Sabemos que a Igreja tem duas faces, humana e divina. Sabemos que a atividade da Igreja é composta desses elementos humanos e divino, e só os que não pensam nisto, é que se escandalizam das faltas e das nódoas, que se prendem à Igreja.

Precisamente porque a Igreja é composta de homens, sempre penetrarão nela fraquezas humanas. Não nos envergonhemos de reconhecer, com o apóstolo S. Tiago, que “todos pecamos em muitas coisas” (S. Tg., III, 2). Não nos envergonhemos de reconhecer que temos nossos defeitos, e que pesam sobre nós as imperfeições de milhões e milhões de cristãos, há dezenove séculos. Mas, ao lado das pequenezas humanas, devemos também pensar na grandeza divina. No semblante da Igreja, não devemos ver apenas os traços humanos, mas também os traços divinos; de maneira que é impossível não constatarmos nisso uma solicitude manifesta da divina Providência.

Quem olha a Igreja sem espírito preconcebido, tem que reconhecer mesmo por trás das rugas de dezenove séculos como, incessantemente, o Espírito Santo age sobre ela, com uma força que não decresce.

Quem vê isso, ainda hoje, é obrigado a exclamar, como Jacó quando acordou do seu sonho: “Certamente o Senhor está neste lugar, e eu não sabia” (Gên., XXVIII, 16). É obrigado a dar o testemunho que Nosso Senhor deu de Si mesmo. “Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam… Feliz aquele que não se escandalizar de mim” (S. Mt., XI, 5-6).

* * *

E agora, irmãos, respondei a esta pergunta: Podeis considerar sempre a Igreja, com o entusiasmo duma piedade filial? Ou, quando numa praia ou num ambiente viciado pela fumaça dos cigarros, caluniam a nossa santa religião, vos juntais facilmente às zombarias e julgais tão mesquinhamente quanto o remendão de Veneza?

Que fazia esse remendão? Postava-se embasbacado diante do quadro de um célebre pintor italiano, e quando lhe perguntavam se o quadro lhe agradava, ele respondia dando de ombros: “É bonito, é bonito. Mas uma fivela do sapato de um dos personagens não foi pintada no lugar certo”.

Meus irmãos, a nossa Igreja segue o caminho da História há dezenove séculos. Esse caminho é certamente poeirento, pedregoso, – deverei então escandalizar-me de que seus pés também estejam cobertos de pó? Hei de escandalizar-me de que o ideal e a realidade nem sempre se ajustem exatamente, como jamais se ajustam onde quer que intervenha mão humana? A Igreja tem duas faces. E amo-te, Igreja Católica, minha Mãe, apesar das rugas do teu semblante, amo-te apesar de alguns defeitos da tua vida exterior, porque amo o teu semblante interior, a tua alma, a fonte da tua vida íntima: amo a Nosso Senhor Jesus Cristo. Amen.

Última atualização do artigo em 18 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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