No fogo depura-se o ouro e a prata; no crisol da humilhação o homem agradável a Deus (Ecl. II, 5).
Oh meu Deus! como é duro o jugo que pesa sobre nós (1), e como é trabalhosa a luta (2) que temos de sustentar contra os nossos inimigos interiores e exteriores!
Não temas, filha. Mais poderosa és tu, acompanhada da minha graça, do que todos os teus inimigos. Se conhecesses os tesouros que estão ocultos nas tentações, e os meios que tens para as venceres, não te queixarias quando te vês atormentada por elas.
Mas, Senhor, os meus inimigos, conjuram-se contra mim, procurando por todos os meios perder-me e oprimir-me (3).
Ainda que todos maquinem a tua ruína, eu só quero o teu bem quando permito que sejas tentada. À falsa segurança seria mais perigosa para ti do que as tentações; mas estas, quando são constantes, lembram-te a tua fragilidade, excitam a tua vigilância e obrigam-te a procurar o meu auxílio na oração.
Quão salutar é a experiência humilhante que tiras das tentações! forçam-te a reconhecer quão pobre é a tua virtude, e escassas aas tuas forças: os teus olhos levantam-se involuntariamente ao céu, as tuas mãos procuram a minha mão, e teu coração corre a refugiar-se no meu.
Na tentação aprendes que o mundo, lugar de luta e de tormentos, não é a tua verdadeira pátria, e a erguer ao céu as tuas aspirações. Ai de mim, exclamas com o Salmista, com quanta dor vejo prolongarem-se-me os dias de peregrinação sobre a terra! (4) E com São Paulo: Quem me libertará deste corpo de morte! (5) Com tais ideias e sentimentos morre em ti o amor ao mundo, e aviva-se o amor de Deus.
Mas as tentações, com consequência frequente de mais hábitos anteriormente adquiridos, subministram-te outras tantas ocasiões de fazeres penitência. Foi bom que vós me humilhásseis, para aprender a vossa lei (6). Daqui nascem desejos de mortificação e penitência, e um santo ódio contra ti mesma.
A virtude purifica-se no crisol da humilhação (7). É nele que se separa a escória do amor próprio e do desejo de se procurar a si mesma, do ouro puro do amor de Deus; o que é teu, do que é dele.
Já vês que as tentações longe de constituírem um sinal de reprovação, são condição necessária para o aperfeiçoamento na virtude. Porventura não era Tobias um servo fiel?
Não servia ao Senhor com toda a sinceridade e generosidade? E contudo bem sabes o que Deus lhe disse pelo anjo: Porque tu eras aceite a Deus, por isso foi necessário que a tribulação te provasse (8).
Sim: muitas vezes a tribulação é uma prova singular do meu amor: com ela forneço-te uma ocasião de me mostrares a tua fidelidade e de entesourares méritos para o céu. Não é isto amar-te e querer-te bem?
As tentações fortalecem-te. A cada vitória que alcanças, corresponde na tua vontade um novo grau de fortaleza e um aumento de facilidade para te determinares para o bem.
Virtude, que não pode resistir à prova, é fraca e duvidosa. Que experiência tem, quem nunca foi tentado? (9)
Finalmente as tentações aumentam a tua glória no céu. Uma vitória breve, dá-te direito a um galardão eterno, cem vitórias a cem coroas. E queixas-te das tentações?
Deves é certo, encher-te de humildade e não as desejar; mas, sê ao mesmo tempo vigilante, aspira à perfeição, e não temas.
Mas quem sabe se vou sucumbir nelas? Sou tão nova, tão fraca e tão inexperiente! Não temas. Tudo podes naquele que te conforta! (10) Conheço a tua fraqueza e o barro de que foste formada (11). Mas eu vou escolher exatamente os fracos para confundir os fortes (12), a fim de que nenhum homem se desvaneça diante de mim (13).
Confia na minha graça, que é mais forte do que todos os teus inimigos.
Trago-te escrita nas minhas mãos (14). Por ti derramou o meu Filho o seu sangue, e deu a sua vida. Como poderei depois disto esquecer-te?!
A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.
(1) Ecl. XI, 1.
(2) Job. VII, 1.
(3) Salm. LIII, 5.
(4) Salm. CXIX, 5.
(5) Rom. VII, 24.
(6) Salm. CXVIII, 71.
(7) Ecl. II, 5
(8) Tob. XII, 13.
(9) Ecl. XXXIV, 9.
(10) Fil. IV, 13.
(11) Salm. CII, 14.
(12) Cor. I, 27.
(13) Cor. I, 29.
(14) Ecl. XXXIV, 9.
Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico