Ó Espírito Santo, mostrai-me o caminho que condiz à verdadeira pobreza de espírito e dai-me forças para o percorrer até ao fim.
1 – Quando a alma secunda as moções dos dons, estes produzem nela tão excelentes frutos de virtude que a fazem saborear antecipadamente alguma coisa da bem-aventurança eterna, da qual são doce penhor e que, por isso, se chamam bem-aventuranças. A cada um dos dons corresponde uma bem-aventurança; ao dom do temor corresponde a da pobreza de espírito: “Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o reino dos céus” (Mt. 5, 3).
O dom de temor, tendo por fim conduzir a alma a libertação completa do pecado, visa a extinguir nela a concupiscência das coisas terrenas que é a sua causa principal. Por isso, impele-a ao desapego completo de si mesma de modo que, despojando-a de todas as pretensões de egoísmo ou de orgulho, de toda a cobiça ou exigência dos bens terrenos, a vai estabelecendo gradualmente numa perfeita pobreza de espírito. Perante as honras, satisfações, afetos das criaturas, riquezas e comodidades que a vida nos pode oferecer, o Espírito Santo murmura no nosso coração as palavras de Jesus: “Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens… depois vem e segue-me” (Mt. 19, 21). Quer dizer, não queiras ter mais do que aquilo que possuis, despoja-te mesmo daquilo que tens; não estejas ávido nem de riquezas nem de prazeres ou consolações, nem de glória, nem de afeições terrenas, mas abandona todos estes bens que, enchendo-te o coração de terra, te impedem de te encheres de Deus.
O Espírito Santo move a alma à pobreza material, ensinando-lhe a contentar-se com pouco, a não ter pretensões a respeito das coisas necessárias à vida, mas move-a ainda à pobreza espiritual, porque sem esta a primeira nada vale. “A carência das coisas – diz S. João da Cruz – não despe a alma, se delas tem apetite… As coisas deste mundo não ocupam a alma, nem lhe causam dano, pois não entram nela, mas só a vontade e o apetite delas, que moram nelas” (S. I, 3, 4).
2 – A pobreza de espírito não abrange apenas o desapego dos bens materiais, mas também o dos bens morais e até dos espirituais. Quem alimenta pretensões acerca da afirmação da sua personalidade ou da estima e consideração das criaturas, quem conserva algum apego à sua própria vontade, às suas próprias ideias, ou ama muito a sua independência, não é pobre de espírito, é ainda rico de si mesmo, de amor próprio e de orgulho. “Se queres ser perfeito – exorta S. João da Cruz – vende a tua vontade… vem a Cristo pela mansidão e humildade e segue-O ao Calvário e ao sepulcro” (AM. III, 7).
De igual modo, quem anda ainda atrás do afeto das criaturas, da alegria e das satisfações que estas lhe podem dar, não é pobre de espírito; nem tão pouco aquele que, na vida de piedade, nas suas relações com Deus, vai em busca de consolações e de gostos espirituais. A pobreza de espírito consiste em estar completamente despojado e vazio de todas estas pretensões, de tal maneira que a alma pretenda e deseje uma só coisa: possuir a Deus, e fique contente mesmo quando Deus Se deixa encontrar somente nas trevas, na aridez, na desconsolação, no sofrimento. Esta é a perfeita pobreza de espírito que liberta a alma de tudo o que não é Deus e nisto consiste o motivo da sua felicidade, pois “à alma que se despe dos seus apetites, quereres e não quereres, a vestirá Deus com a Sua pureza, gosto e vontade” (J.C. AM. II, 19). A bem-aventurança prometida aos pobres de espírito é a posse de Deus, posse que os revestirá das riquezas infinitas de Deus. Esta é a meta a que o Espírito Santo nos deseja conduzir; secundemos a Sua ação, seguindo com docilidade so Seus convites ao desapego e à desnudez total. Quanto mais generosos formos em nos privarmos de tudo o que não é Deus, mais gozaremos da bem-aventurança prometida aos pobres de espírito.
Colóquio – “Ó Jesus, livro de vida e nossa salvação, a Vossa primeira companhia sobre a terra foi a pobreza contínua, extrema, perfeitíssima. Vós, o Onipotente, o Senhor de todas as coisas, quisestes a pobreza absoluta, amastes a pobreza absoluta para que também nós uníssemos o amor e a pobreza. Fostes pobre em tudo: pobre de bens materiais, pobre de vontade própria, pobre de espírito, pobre acima de tudo o que podemos imaginar, infinitamente pobre porque infinito era o amor com que nos amastes. Fostes pobre como aquele que nada tem, pobre com aquele que nem sequer pede o que não tem. Pobre de bens, pobre de amigos, pobre de poder e de sabedoria humana, pobre de fama de santidade, pobre de dignidade terrena, pobre de tudo quanto existe.
“Também quisestes glorificar a pobreza com a Vossa palavra e chamastes bem-aventurados aos pobres, dissestes que os pobres julgariam o mundo.
“Oh! vergonha de dor! Hoje, ó Senhor, esta pobreza de espírito, por Vós tão recomendada e exaltada, é repelida e evitada por quase todos, e os mesmos que a pregam e glorificam coma palavra, a negam de fato com a vontade, com o desejo e com as obras.
“Oh! verdadeiramente bem-aventurado aquele que, seguindo o Vosso exemplo, ó Cristo, escolheu a pobreza para a sua companheira! Verdadeiramente bem-aventurado aquele que, segundo Vós dissestes, não só de palavras, mas com a vontade e a vida, se faz pobre de todos os bens, pobre de amigos, de parentes, de consolações e de vã ciência. Bem-aventurado aquele que foge das dignidades, dos cargos honrosos, da fama de santidade.
“Ó Senhor, se me não posso despojar materialmente de todas as coisas terrenas, concedei-me, eu Vis suplico, que me despoje ao menos de coração, não uma vez só, mas todos os dias, em todos os momentos. Oh! verdadeiramente bem-aventurado um tal pobre, porque é dele o reino dos céus” (B. Ângelo de Foligno).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 25 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico