Dai-me, Senhor, lágrimas que Vos sejam aceites e me ajudem a crescer no Vosso amor.
1 – “Bem-aventurados os que choram porque serão consolados” (Mt. 5, 5). Esta bem-aventurança corresponde ao dom de ciência. Bem-aventurados, acima de tudo, o s que, profundamente iluminados pelo Espírito Santo sobre o nada das criaturas, choram o tempo passado em buscá-las, as energias e os afetos dissipados nas vaidades do mundo. São as lágrimas ardentes de S.to Agostinho que não cessa de se lamentar nas suas Confissões: “Tarde Vos amei, ó Beleza sempre antiga e sempre nova, tarde Vos amei… Vós estáveis comigo, mas eu não estava conVosco, retinham-me longe de Vós as criaturas”. São as lágrimas da Madalena penitente e de S. Pedro que chora a sua falta. Lágrimas benditas que lavam as almas do pecado e as dispõem para a amizade com Deus. São as lágrimas das almas já decididas a procurar Deus sobre todas as criaturas e que, no entanto, por causa da sua fragilidade, têm ainda de se censurar, todos os dias, alguma fraqueza, algum ligeira recaída nas fúteis satisfações da terra. O dom de ciência não nos permite fechar os olhos às nossas infidelidades, conquanto leves, mas impele-nos a detestá-las, a chorá-las, se não com lágrimas materiais, com lágrimas de compunção. Uma alma que vive sob o influxo deste dom nunca será condescendente nem superficial nos seus exames de consciência, e as suas confissões, embora serenas, serão sempre dolorosas, sempre acompanhadas de profunda contrição. Tais eram as confissões dos santos que se acusavam das mínimas imperfeições com a mais viva dor.
O Espírito Santo não quer tornar-nos escrupulosos, mas muito delicados na nossa fidelidade a Deus; por isso não Se contenta por desprezarmos as vaidades do mundo em geral, mas exige que as desprezemos nas suas mais sutis manifestações: nas pequenas desforras do amor próprio, nas menores complacências consigo mesmo, nas pequenas buscas doa feto e da estima alheia. Ditosa a alma que sabe reconhecer e chorar todas as suas misérias, não com lágrimas de desânimo ou de perturbação, mas com lágrimas de contrição profunda que, em vez de a constrangerem no temor, a dilatam no amor penitente e a lançam nos braços de Deus com um coração renovado no amor e na dor.
2 – O dom de ciência, fazendo-nos experimentar a fundo a vaidade das criaturas, convence-nos da sua inconsistência e defectibilidade e por isso leva-nos a pôr em Deus todas as nossas esperanças. Neste sentido, este dom aperfeiçoa e fortalece a virtude da esperança a fim de que o nosso coração se forme em Deus sem hesitar, reconhecendo ser Ele o nosso único apoio e fundamento, bem como a nossa única felicidade.
Quanto mais a alma espera em Deus na Sua posse beatífica que a aguarda na vida eterna, tanto mais disposta está não só a renunciar à felicidade e ás satisfações que lhe podem oferecer as criaturas, mas também a abraçar todos os sacrifícios necessários par alcançar a vida eterna. Os sacrifícios serão numerosos, porque não é possível ir a Deus senão percorreu para nos reconduzir a Seu Pai: o caminho da cruz. Porém, embora sofrendo, a alma que vive de esperança pode repetir com S. Paulo: “Não desfaleçamos… pois o que agora é para nós uma tribulação momentânea e ligeira, produz em nós um peso eterno duma sublime e incomparável glória” (II Cor. 4, 16 e 17). O dom de ciência faz-nos achar leves as dores presentes em comparação coma bem-aventurança eterna e leva-nos a bendizê-las ainda que nos custem sangue. Eis porque o Apóstolo se regozija e gloria nas suas tribulações (cfr. Rom. 5, 3) e S. Francisco de Assis canta: “É tanto o bem que espero, que toda a pena é para mim deleite”.
Sob o influxo do dom de ciência, a alma compreende assim a bem-aventurança das lágrimas, isto é, a bem-aventurança dos sofrimentos abraçados por amor de Deus. Este dom não nos torna insensíveis às dores físicas e morais, porquanto a bem-aventurança fala expressamente “dos que choram, contudo, se não impede que derramemos lágrimas, santifica-as e transforma-as em lágrimas resignadas com a vontade de Deus, considerando-as um meio para nos assemelharmos a Cristo crucificado e preferíveis às alegrias vãs do mundo. Que diferença entre estas lágrimas e as derramadas por orgulho, por não querer submeter-se à vontade divina ou pelos caprichosos ressentimentos do amor próprio!
Quando a alma chegou ao ponto de preferir as lágrimas santas derramadas ao pé da cruz a todos os prazeres terrenos, pode confiar na bem-aventurança prometida por Jesus: “Bem-aventurados os que choram porque serão consolados”.
Colóquio – “Ó Senhor, a paz que Vós nos dais neste mundo é cheia de canseiras, de tribulações e perseguições; mas depois conduzis-nos a uma serena e tranquila paz, direi mais, no meio das próprias canseiras dais-nos a Vossa paz, porque o Espírito Santo dá-nos testemunho de que somos, de algum modo, filhos Vossos. É isto o que quer dizer: ‘Bem-aventurados os que choram porque serão consolados’. Não só nos consolareis no futuro, mas até fareis que o mesmo pranto seja a nossa consolação e que a própria guerra seja paz. Aquele que Vos ama, ó Senhor, no mais ardente fogo da tribulação encontra a brisa fresca e o rocio das celestiais consolações!” (S.ta M. Madalena de Pazzi).
“Bendito sejais, meu Deus, por não nos terdes exigido, como preço do Vosso Reino, um sofrimento longo, mas brevíssimo, tão breve como a vida, um instante em face da eternidade da bem-aventurança! É certo que, se fosse necessário suportar, por Vosso amor, durante centenas de milhares de anos, dores mil vezes mais agudas, mais duras e penosas, deveríamos igualmente aceitar esse decreto com imensa glória, com imenso desejo e dar-Vos graças de joelhos e com as mãos postas. Quanto mais não devemos agradecer-Vos agora que, na Vossa misericórdia, nos concedestes o sofrimento mais breve possível, um sofrimento tão breve como a vida! Breve como um instante, como um nada. Nada é a vida comparada com a eternidade.
“Vinde, pois, vinde, filhos de Deus, e corramos à cruz de Cristo, à dor, ao desprezo, à pobreza! Fazei, Senhor, que eu Vos ame como Vós nos amastes, com absoluta fidelidade, com pureza absoluta, com um amor absoluto que nada reserva para si, que todo se dá e que por isso abraça as dores, os sofrimentos e em tudo não vê nem sente senão amor” (B. Ângela de Foligno).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 25 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico