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Breve crônica da ocupação neo-modernista da Igreja Católica: Vaticano II, primeira sessão – o início da Revolução

Breve crônica da ocupação neo-modernista da Igreja Católica

VATICANO II, PRIMEIRA SESSÃO:
O INÍCIO DA REVOLUÇÃO

A primeira sessão do Concílio Vaticano II se abriu na manhã de 13 de outubro de 1962[1], mas os neo­modernistas tiveram todo o tempo necessário para se organizar e aproveitar a ocasião propícia.

O grupo principal da ala modernista e liberal dos Padres conciliares era constituído por bispos alemães e ingleses — evidentemente discípulos entusiastas de seus novos teólogos que os manobravam a seu gosto — com os quais logo fizeram bloco outros episcopados da Europa, e que formaram o “grupo do Reno” ou a “Aliança Europeia”, como os denominou um cronista conciliar, o Pe. Ralph Wiltgen.

O golpe de Estado dos “bispos do Reno” se fez sentir desde o início da sessão, quando foi tratada a questão preliminar da eleição dos membros das dez comissões conciliares que deviam trabalhar sobre os textos doutrinais já redigidos pela comissão central preparatória.

O episcopado “do Reno” tenta a introduzir ali o maior número possível dos seus “peritos”, no intuito de orientar os trabalhos do Concílio segundo seus próprios planos: mas para isso, era necessário fazer rejeitar pelos Padres conciliares a lista de “peritos” já preparada pelo Santo Ofício, composta de teólogos que já tinham desempenhado algum papel na redação das primeiras provas dos textos, comissão preparatória. Peritos julgados “tradicionais demais” pelos inovadores deviam ser afastados; caso fossem eleitos, o que parecia mais do que provável, a margem de manobra dos “novos teólogos” seria drasticamente reduzida, até mesmo anulada.

Um segundo problema era constituído pelos próprios textos, redigidos pela comissão preparatória, fiéis à doutrina católica da tradição, usando uma linguagem teológica escolástica e, portanto, dificilmente susceptíveis de serem manipulado pelos neo-modernistas.

O padre Ralph Wiltgen, dos Missionários do Verbo Divino, escreveu a este respeito:

“O cardeal Liénart… se levantou e pediu a palavra. Ele expôs o fato de que os Padres conciliares tinham necessidade de mais tempo para estudar as qualificações dos vários candidatos. Uma vez que as conferências episcopais se pusessem de acordo, disse ele, cada um estaria em melhores condições de se pronunciar com conhecimento de causa. Conseqüentemente, ele pediu que o escrutínio fosse diferido por alguns dias”.

Essa sugestão foi aplaudida e depois de um momento de silêncio, o cardeal Frings se levantou para apoiá-lo. Por sua vez, ele foi aplaudido.

Monsenhor Felici, Secretário do Concílio, depois de uma breve consulta junto ao Cardeal Tisserant (primeiro dos Cardeais Presidentes), “anunciou que a Presidência do Concílio tinha aceitado a solicitação dos dois cardeais”. A reunião tinha sido marcada para terça-feira, 16 de outubro às 9h. O Pe. Wiltgen acrescenta: “A primeira sessão de trabalho, inclusive a missa, não durou mais do que cinqüenta minutos. Saindo da sala do Concílio, um bispo holandês gritou a um padre amigo que se encontrava a alguma distância. “É nossa primeira vitória!”[2].

É preciso enfatizar o fato de que esta verdadeira conjuração do grupo neomodernista tinha sido cuidadosamente preparada nos detalhes, fato sobre o qual hoje temos incontestáveis confirmações tanto pelo relatório de um historiador imparcial como o Pe. Wiltgen[3], quanto pelo testemunho também insuspeito de Jean Guitton.

Eis, com efeito, em que termos Guitton se exprime em seu livro Paul VI Secret, relatando uma visita que ele fez ao cardeal Tisserant, decano do Sacro Colégio:

“[O cardeal Tisserant] me mostrou um quadro, feito por sua sobrinha a partir de uma foto, representando uma reunião de cardeais antes do Concílio. Veem-se aí seis ou sete cardeais em torno do Presidente, que é Tisserant: ‘Este quadro é histórico, ou melhor; é simbólico’. Ele representa a reunião que tínhamos feito antes da abertura do Concílio, ao longo da qual decidimos bloquear a primeira sessão recusando regras tirânicas estabelecidas por João XXIII”[4].

Segunda vitória neomodernista: a eleição dos novos “peritos”

Em 16 de outubro seguinte se deu o escrutínio decisivo para a eleição dos membros das comissões: os resultados finais mostraram a força da ala liberal e progressista do Concílio, que obteve 49% das sedes nas dez comissões e até 50% na comissão doutrinal (a mais importante, já que controlava todas as outras) e 56% na comissão litúrgica.

Em suma, como diz o Pe. Wiltgen, “depois dessa eleição, não era difícil ver qual era o grupo suficientemente organizado para tomar a direção das operações”. O Reno [que banha a Áustria, a Suíça, a Alemanha, a França, a Holanda e passa perto da Bélgica — n.d.r.] tinha começado a se lançar no Tibre.

Terceira vitória: a recusa dos esquemas
conciliares preparados

Encorajados por estes primeiros sucessos, os bispos da Aliança Europeia, manobrados pelos novos teólogos, podiam então iniciar seus ataques contra os documentos já redigidos pela comissão preparatória e que constituíam o obstáculo seguinte a superar: um obstáculo decisivo, tanto em razão do conteúdo tradicional destes textos quanto pela linguagem escolástica na qual tinham sido redigidos, o que tornava impossível qualquer tentativa de introduzir neles aquilo que seria transformado nas famosas novidades conciliares, isto é, o concentrado de idéias dos “novos teólogos”. Seria inútil para os neomodernistas chegar a eleger um grande número de seus “peritos”, se os seus textos de base permanecessem os mesmos.

A segunda fase do plano previa então o desdobramento de todas as forças à disposição para desencadear uma pressão constante sobre os padres do Vaticano II, no exterior e no interior da sala conciliar, para convencê-los a rejeitar estes esquemas.

Em seus “Jornais conciliares”, o novo teólogo Marie-Dominique Chenu O.P. nos fala, aliás, de uma reunião que aconteceu para este fim sob a presidência de Mons. Volk no dia 19 de outubro de 1962:

“De tarde — escreve Chenu — reunião privada, na residência de Mons. Volk (Mayence): teólogos e bispos, franceses e alemães, para discutirem juntos a sua grande reserva a respeito dos esquemas dogmáticos (redigidos pela comissão preparatória – n.d.r.), para expor a tática a seguir para uma mudança substancial e não para simples correções.

“Rahner intervém: esquemas não corrigíveis, a substituir por uma redação diferente. Garrone: de acordo, eles são incompatíveis com as diretivas explícitas do Papa sobre o sentido e os objetivos do Concílio…[5]

E eis os nomes de alguns dos membros do complô, como relata o próprio Chenu: “[Entre os bispos] Volk, Bengsh (Berlim Leste), Garrone, Guerry, Ancel, Weber, Elchinger, (Paul) Schmitt (Metz).

Teólogos: Rahner, Grillmeier, Kung, Schillebeeckx, Philips, Congar, Labourddette, Lubac, Danielou e eu; Rondetn Semmelroth”.[6]

A “nata” da nova teologia, em suma…

Os neomodernistas entraram imediatamente em ação. O Pe. E. Schillebeeckx O.P., de nacionalidade belga, mas professor na faculdade de teologia da Universidade de Nimègue na Holanda foi encarregado pelos bispos deste país de redigir um comentário para informar os padres conciliares da conveniência de adiar a discussão dos esquemas mais atacados (os quatros primeiros: As fontes da RevelaçãoA preservação integral do Depósito da FéA ordem moral cristãCastidade, casamento, família e virgindade, decididamente “católicos demais” — até em seus títulos — para os modernistas).

Schilebeeckx, depois de ter criticado violentamente os esquemas “romanos”, acusando-os de acordo com a tática habitual da “nova teologia”, de representar não a doutrina católica, mas somente uma escala de pensamento teológico discutível (a escola romana, justamente) acaba por se opor abertamente:

“Pode-se perguntar se não seria melhor reescrever completamente os quatros primeiros esquemas“[7].

A dupla dominicana habitual Chenu-Congar se encarregou imediatamente de atacar os esquemas oficiais num documento que, como lembra o próprio Chenu, “implicava numa crítica severa do conteúdo e do espírito do trabalho da Comissão oficial preparatória”.[8]

Quanto ao Papa João XXIII, ele veio de fato ao encontro das pretensões da ala liberal modernista do Concílio, aceitou a solicitação de adiar discussões dos esquemas contestados pelos inovadores e estabeleceu que o primeiro esquema a ser discutido na seção seguinte seria o esquema De Sacra Liturgia.

Inútil dizer que os esquemas devolvidos depois foram sistematicamente repelidos, com os outros, pela maioria dos Padres sob a pressão influente do grupo do Reno. Só um dos esquemas iniciais foi aproveitado: o da Santa Liturgia — o único no qual a ação dos liturgistas neo-modernistas, se bem que habilmente mascarada, tinha sido importante — que tomou  o nome de Sacrosantum Concilium e que, como que por acaso, tinha sido, contrariamente aos outros, qualificado por Schillebedeeckx como “obra prima”[9].

Quarta vitória: a “linguagem pastoral conciliar”

Os inovadores conseguiram igualmente agir sobre a questão importante da linguagem, fazendo que os Padres rejeitassem o emprego da terminologia escolástica[10] sob o pretexto do caráter “pastoral” do Concílio.

Os novos textos, preparados ad hoc pelos novos teólogos foram, ao contrário, redigidos em linguagem corrente, por natureza menos precisa e, portanto, facilmente susceptível de manipulações, arte na qual os “novos teólogos” eram verdadeiros mestres.

“Os teólogos manipuladores — escreverá mais tarde o teólogo alemão Johannes Dormann — viram claramente que em matéria de linguagem tratava-se de toda a questão da teologia e da fé. Já que a linguagem escolástica era indissoluvelmente ligada à filosofia escolástica, que esta estava ligada à teologia escolástica, e que esta última enfim estava ligada à Tradição dogmática da Igreja […] o abandono pelos padres da ‘linguagem da escola escolástica’ era para eles a condição sine qua non da ruptura com a antiga dogmática para substituí-la pela ‘nova teologia’, depois de ter cessado de utilizar a antiga e ter se livrado dela”[11].  

A dominação total dos “novos teólogos”

O Concílio já preparado pela Cúria romana tendo sido então “explodido”, ele foi substituído pelo “Concílio dos novos teólogos”, com novos textos redigidos para a ocasião sob a influência onipresente do “brain trust” do Vaticano II, composto única e invariavelmente pelos maiores representantes da “nova teologia” já condenada: Henri de Lubac; M-D Chenu; Yves Congar; Karl Rahner; Hans Küng, Edward Schillebeeckx e outros ainda que tiveram um peso decisivo na orientação das decisões dos Padres conciliares.

Trata-se de fato indiscutível que o Padre Chenu reconheceu abertamente se referindo, por exemplo, ao documento composto com Congar em oposição aos esquemas da Cúria romana:

“A mensagem atingia eficazmente a opinião pública pelo próprio fato de sua existência. Os caminhos abertos foram quase sempre seguidos pelas decisões e orientações do Concilio”[12].

No que concerne a influência nefasta sobre os Padres conciliares de outro monstro sagrado da nova teologia, o jesuíta Karl Rahner, Yves Congar enfatizava que ela tinha sido “enorme. O clima se tornou: “Rahner dixit. Ergo, verum est” (“Rahner disse. Então é verdade”[13]). Uma influência tão pesada — lembra ainda Congar com satisfação — que, na comissão teológica, da qual Rahner fazia parte, e onde havia apenas dois microfones na mesa, “Rahner praticameme ficou com um só para ele”[14].

(continua)

Fonte: Permanência


[1] Aniversário da última aparição da Santíssima Virgem em Fátima, em 1917: a profecia do terceiro segredo de Fátima (terrível crise com perda da fé e, portanto, de muitas almas) começava a realizar-se. O segredo publicado recentemente pelo Santo Ofício [em 2000 (N. do E.)] é apenas parcial, por razões evidentes.

[2] Pe. Ralph Wiltgen S.V.D. O Reno se lança no Tibre, Editora Permanência, Rio de Janeiro.

[3] Ibidem, p. 16.

[4] Jean Guitton, Paul VI secret, Paris, 1979, p. 123.

[5] M.D Chenu, Notes quotidiennes ao Concile, éd. du Cerf, Paris 1995, pp. 74-75.

[6] Ibidem.

[7] Pe. R. Wiltgen, op. cit.

[8] Entrevista dada a ICI n.577. p. 41. De 15/08/1982, citado por Romano Amerio, Iota Unum.

[9] Pe. R. Wiltgen, op. cit.

[10] Sempre detestada pelos modernistas: cg. por exemplo, Humani generis.

[11] Dörmann, La théologie de Jean-Paul II et l’esprit d’Assise, éd. Icht, Albano Laziale, 1997, pp. 34-35.

[12] Entrevista dada a ICI, cit. In Romano Amerio, Iota Unum.

[13] Entrevista dada a 30 Giorni, março de 1993, p. 18.

[14] Ibidem.

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