P. – Que vem a ser um impedimento de casamento?
R. – É uma lei da Igreja que se opõe à união matrimonial de duas pessoas.
P. – Tem a Igreja direito de opor impedimentos ao casamento dos fiéis?
R. – Sim: com já dissemos, há identidade entre o contrato de casamento e o sacramento do matrimônio confiado por Cristo à Igreja. Em razão do bem comum, assim como o Estado pode estabelecer certas cláusulas para o valor do contrato de doação, assim também a Igreja pode fazer depender de certas condições a validade do casamento.
P. – Por que motivos determinou a Igreja semelhantes impedimentos?
R. – Pelos motivos mais nobres, como veremos dentro em pouco, ela só tem em vista os interesses superiores daqueles que se consorciam, interesses da família e interesses da sociedade.
P. – Quantas espécies há de impedimentos?
R. – Duas: proibitivos, e dirimentes. Os primeiros tornam o casamento ilícito, os segundos anulam-no.
I – IMPEDIMENTOS PROBITIVOS
P. – Quais são os impedimentos proibitivos?
R. – 1º O impedimento de voto simples: Impossibilita de casar aquele que tenha feito o voto simples de castidade ou qualquer outro voto incompatível coma união conjugal. Quem não tenha sido dispensado desse voto, não pode contrair matrimônio sem sacrilégio.
2º O impedimento de parentesco legal. Nos países em que, pela lei civil, o parentesco legal que resulta da adoção torna ilícito o casamento, a lei da Igreja sanciona essa disposição, e proíbe o casamento entre aquele (ou aquela) que adota e aquela (ou aquele) que é adotada.
3 º O impedimento da religião mista. A Igreja opõe-se em toda a parte e com toda a severidade ao casamento entre dois batizados, um dos quais seja católico e o outro herege ou cismático. A razão é assaz clara; e só por gravíssimas razões acede a abrir uma exceção, nas condições seguintes: o esposo herege ou cismático garantirá não correr nenhum perigo de perversão o esposo católico; e ambos prometerão administrar somente o batismo católico e a educação católica a todos os seus filhos. É necessária a certeza moral do cumprimento de tais promessas; em regra, importa exigi-las por escrito.
P. – Em que medida é requerido o consentimento dos pais para o casamento?
R. – Embora a Igreja não mencione esse consentimento no capítulo dos impedimentos, exprime aí a sua vontade; O pároco deve exortar seriamente os filhos menores a não se consorciarem contra a vontade de seus pais, o apesar da sua oposição razoável. Em caso de recusa, não deve assistir ao casamento sem prévia consulta ao seu Ordinário.
P. – Não há uma época em que os casamentos são proibidos?
R. – Não. A Igreja permite-os durante todo o ano. Só não autoriza que eles se realizem solenemente desde o 1º Domingo do Advento até ao Natal, inclusive, e desde Quarta Feira de Cinzas até à Páscoa, inclusive.
P. – Em que medida se prescreve a publicação dos banhos?
R. – A Igreja não se refere a isso nas suas novas disposições de direito canônico, ao tratar dos impedimentos, mas mantém essa obrigação, justificada pelos mesmos motivos: evitar os casamentos clandestinos, descobrir os impedimentos da união projetada, fazer que se realize à luz do sol uma união que deverá ser indestrutível. Todavia permite aos Bispos que autorizem a substituição da proclamação dos banhos pela sua afixação à porta da Igreja durante o prazo de oito dias, dentro do qual haja pelo menos dois dias de festa de preceito.
P. – Os esponsais deixaram de ser impedimento?
R. – Sim. Mesmo quando revestidos das fórmulas prescritas pela Igreja, não produzem já as consequências jurídicas de outros tempos: o impedimento proibitivo, que tornava impossível qualquer outro casamento que não fosse o que fôra prometido, e o impedimento dirimente de honestidade pública, de que falaremos adiante. Mas, fora da obrigação de consciência, que subsiste, e quando revestem as fórmulas prescritas pela Igreja, dão direito, mesmo no caso de ruptura, a exigir uma reparação pelos danos causados. O que há de sério nos esponsais e que a sanção grave dos impedimentos tinha por fim acentuar bem, ressalta claramente das próprias formalidades que a Igreja hoje prescreve para a valia do contrato.
P. – Há mais casos ainda, em que a Igreja impeça o casamento?
R. – Há. Quando um dos esposos, mesmo sem aderir a uma seita não católica, abandona notoriamente a fé católica ou entrou em sociedades condenadas pela Igreja.
Só Bispo poderá então autorizar o casamento, em virtude de razões graves, e depois de se ter assegurado, por meio de garantias sérias, de que não haverá perigo de perversão para o esposo fiel e de que será católica a educação de todos os filhos.
Do mesmo modo, se um dos esposos, pecador público ou que incorreu publicamente em censura eclesiástica, recusar confessar-se previamente, ou reconciliar-se com a Igreja, o pároco não deve assistir ao casamento, a não ser por uma razão grave, que submeterá, se puder, ao juízo do Prelado.
II – IMPEDIMENTOS DIRIMENTES
P. – Quais são so impedimentos dirimentes?
R. – 1º O impedimento da idade; o mancebo menor de 16 anos e a donzela menor de 14 não podem validamente, contrair matrimônio.
2º O impedimento de impotência. O próprio direito natural proíbe que casem aqueles que não podem realizar o ato principal e legítimo do matrimônio.
3º O impedimento do vínculo de um casamento anterior. Não será demais repeti-lo para elucidação dos divorciados que tornam a casar; este outro casamento é nulo. Porque o vínculo de um primeiro casamento validamente contraído é indissolúvel; subsiste enquanto vivam os dois cônjuges. Nada pode destruí-lo, nem o consentimento mútuo dos esposos, nem os crimes de um deles, nem uma condenação infamante, nem a decisão impotente de um tribunal da terra: só a morte de um dos esposos pode autorizar o sobrevivente a passar a segundas núpcias.
4º O impedimento da diferença de culto – torna nulo o casamento celebrado sem dispensa legítima entre um cristão e um não batizado, por exemplo um judeu.
A Igreja receia muito estes casamentos, visto que o cônjuge católico está mais exposto a perder a fé. A dispensa só é concedida em virtude de razões graves, exigindo as mesmas condições que o casamento entre católicos e hereges.
5º O impedimento de Ordens Sacras e da Profissão Religiosa torna nulo o casamento que fosse contraído por um clérigo já subdiácono, ou por um religioso com votos solenes (ou com certos votos simples aos quais a Igreja, por decisão especial, tenha atribuído valor igual).
6º O impedimento de rapto anula o casamento, se não for rigorosamente garantida a liberdade do consentimento da mulher raptada;
7º O impedimento de crime. É o triste resultado de um crime cometido por dois indivíduos em determinadas circunstâncias, para facilitar mais tarde um casamento impossível no presente.
“A Igreja não quer que o homem ou a mulher possa aproveitar-se de um crime para se unir ao cúmplice da sua paixão. Cerrando as portas da sociedade conjugal ao homem e á mulher, tira-lhes toda a esperança de conseguirem os seus fins acelerados e sufoca logo de princípio muitas tentativas ousadas que comprometiam a segurança do lar doméstico” (P. Monsabré, Législation du mariage).
8º O impedimento de parentesco proíbe o casamento, na linha reta em todos os graus, e na colateral até ao terceiro grau, inclusive. Com esta proibição quer a Igreja favorecer o fim social do casamento. “Com efeito, ela sabe, tão bem como os fisiologistas, que dificilmente são fecundos dois sangues muito próximos da sua origem; que a sua semelhança os predispõe à hereditariedade patológicos, isto é, a transmissão funesta das enfermidades e doenças que afligem das enfermidades e doenças que afligem uma família; que, semelhantes aos dois polos da eletricidade, dois sangues que veem de longe combinam-se mais facilmente e fazem brotar mais vigorosamente a chama da vida” (P. Monsabré, idem).
9º O impedimento de afinidade. A afinidade é a relação criada pelo casamento entre um dos esposos e os parentes do outro. Falecendo um dos esposos, a afinidade torna nulo o casamento que o sobrevivente pretendesse contrair com um parente de pessoa defunta em linha reta, em todos os graus, e em linha colateral até ao segundo grau, inclusive.
A Igreja considera este impedimento, bem como o de parentesco, impedimentos dirimentes para obstar, por um motivo muito grave que S. Tomás assinala, a concentração excessiva das famílias, a criação de castas em que os afetos se tornam exclusivos, os bens se acumulam e a vida enfraquece.
10º O impedimento de honestidade pública. Funda-se sobre a espécie de afinidade que resulta de um casamento inválido, consumado ou não, ou de um concubinato público e notório. Anula o casamento que o homem quisesse contrair com uma parente da sua companheira (ou inversamente), se este parentesco for do primeiro ou segundo grau de linha reta.
11º O impedimento de parentesco espiritual anula o casamento entre um batizado e a sua madrinha ou a mulher que o tenha batizado, e, inversamente, entre uma batizada e o seu padrinho ou o homem que a houvesse batizado.
12º O impedimento de parentesco legal. Nos países em que, pela lei civil, o parentesco legal que resulta da adoção anula o casamento, a lei da Igreja ratifica essa disposição e anula também o casamento entre aquele (ou aquela) que adota e aquela (ou aquele) que é adotada.
13º O impedimento que resulta da falta de consentimento. Com efeito, o consentimento constitui o contrato de casamento; este torna-se, portanto nulo, faltando aquele; ou por inaptidão para produzir um ato humano (loucura), ou por ignorância que vá ao ponto de desconhecer esta noção confusa do casamento: uma sociedade permanente entre um homem e uma mulher para terem filhos; ou por erro, se ele induzir em engano de pessoa (1), mas não se esse erro respeitar apenas à unidade do casamento, à sua indissolubilidade ou á sua dignidade de sacramento; ou por exclusão voluntária e positiva, no consentimento dado, do casamento em si mesmo ou de todo o direito ao ato conjugal ou de uma propriedade essencial do casamento; ou por falta de liberdade suficiente, se o consentimento é arrancado à força ou em virtude de grande temor, injusto e devido a uma causa externa.
Ou, finalmente, pela ausência dos contraentes (ou de um deles) e dos seus mandatários por procuração, nas formas prescritas pelo direito.
14º O impedimento de clandestinidade. Para que o casamento seja válido, importa que o pároco (ou o Bispo) do lugar onde é celebrado, ou um sacerdote por um dos dois autorizado a tal, – sem a isso ser constrangido pela violência ou por temor grave – peça e receba o consentimento dos esposos na presença de duas testemunhas.
P. – Para que quer a Igreja toda esta publicidade no casamento de seus filhos?
R. – Para assegurar a santidade dos matrimônios; para que se não possa, em virtude do segredo, surpreender a boa fé dos contraentes e arrancar-lhes um consentimento que mais tarde os faria envergonhar.
P. – Pode a Igreja dispensar destes impedimentos?
R. – Todo o legislador pode abrir exceções à sua lei por motivos razoáveis. A Igreja pode, portanto, dispensar dos impedimentos eclesiásticos. Segundo o Concílio de Trento, essas dispensas devem ser gratuitas; mas toda a gente compreenderá que os interessados satisfaçam uma determinada taxa para ocorrer às despesas de chancelaria (secretaria).
EXTRATO
Quantos reis e príncipes a Igreja tem sido forçada a advertir solenemente e a castigar sem piedade, quando se revoltaram contra as suas admoestações maternais. Theodeberto, neto de Clovis, Clotario I, Cariberto, Dagoberto, Childerico d’Austrasia, Pepino de Heristal, o próprio Carlos Magno, Lotario, Roberto, o Piedoso, Luz VII, Fillipe Augusto, e quantos outros príncipes e senhores de menor categoria! Não somente entre nós, mas ainda a nossa volta, em toda a parte a Igreja moveu guerra ao incesto e ao divórcio coroados.
Excomungar os culpados, afrontar a sua cólera, lançar o interdito sobre o reino, fechar templos e cemitérios, desligar os povos do seu juramento de fidelidade, provocar os seus murmúrios e fazer correr as suas lágrimas, a tudo ela se expunha para vencer o escândalo. Nestes combates de direito divino contra as paixões humanas, sacrificaram a vida um grande número de Bispos, e a própria Igreja preferiu deixar dilacerar-se e amputar os membros, a comprometer a santa causa do casamento, por meio de concessões. Têm rido os ímpios motejadores das suas excomunhões, e bradado contra o escândalo os sábios do mundo. Singulares escândalos, esses repetidos atos de vigor espiritual que puniam o incesto e o adultério, e os sufocavam antes deles se tornarem contagiosos!
Sem a força e a coragem que a Igreja tem empregado para manter a sua legislação matrimonial, depressa a licenciosidade dos monarcas teria sido imitada pelo côrte. Da côrte passaria ao povo, e os costumes públicos das nações cristãs, semelhantes aos da antiguidade, só nos dariam hoje o repugnante espetáculo de uma putrefação universal. Deus sabe que castigos nos estariam reservados após semelhante apostasia!
Porque, nós sabemo-lo bem, não é impunemente que se violam as santas leis do casamento. Deus não deixa nunca de as vingar. Vimos extinguirem-se raças soberanas nos rebentos cujo nascimento o povo saudara com entusiasmo; e a esperança iludida procurou erradamente a causa desses aniquilamentos providenciais.
Outra não seria talvez, senão as uniões contraídas no desprezo das leis de Deus e da Igreja.
Extinguir-se-ão os povos, como as famílias, no dia em que deixem de respeitar essas leis, no dia em que a Igreja deixe de ter a força de lhes fazer compreender, no coração corrupto, esta santa divisa do Apóstolo que resume toda a legislação matrimonial: “Que o casamento seja cercado de honra e o leito nupcial imaculado” (Législation da mariage, p. 167-169).
Catecismo do Matrimônio por P. Joseph Hoppenot, S. J., Obra aprovada por 48 cardeais, arcebispos e bispos de França e Bélgica, 1928.
(1) Ou fizer considerar como livre uma pessoa na condição de escrava, propriamente dita: o que já se não dá, nos países civilizados.