Catecismo do Matrimônio (Parte 2)
Capítulo 6: Deveres mútuos dos esposos
P. – Qual é o grande dever dos esposos?
R. – O amor mútuo.
P. – Onde se indica esse dever?
R. – Na sua Epístola aos Efésios, diz S. Paulo aos maridos: “Amai vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou a si mesmo por ela para a santificar… Assim os maridos devem amar suas mulheres, como seus próprios corpos. Aquele que ama sua mulher, a si mesmo se ama; porque ninguém aborreceu jamais a sua carne, mas a sustenta e a trata com cuidado… Ame cada um de nós sua mulher como a si mesmo, e a mulher reverencie a seu marido”. (Aos Efésios, V, 25 e seg.).
P. – Deus recomenda neste texto, e por diversas vezes, ao marido que ame sua mulher. Mas não diz que a mulher deve amar o marido?
R. – O dever de a mulher amar seu marido está contido, pelo menos implicitamente, neste texto, porque S. Paulo quer que o homem e a mulher procedam uma para com o outro como Cristo para a Igreja e a Igreja para Cristo. Ora ninguém duvida de que a Igreja, amada por Cristo, deva amar Cristo por seu turno. Mas S. Paulo atribui especialmente o amor ao homem, como atribui mais especialmente à mulher a submissão e o respeito. (Eph. V, 24, 25).
P. – Quais devem ser as qualidades do amor do esposo e da esposa?
R. – Este amor deve ser cordial, fiel, casto, dedicado e paciente.
P. – Que deve entender-se por amor cordial?
R. – Que deve nascer do coração. Assim como, segundo S. Paulo, os esposos são dois numa só carne, assim também devem constituir apenas um coração: Cor unum et anima una. O amor conjugal será efêmero, se não atingir a fusão dos corações e das almas.
P. – Em que consiste a fidelidade do amor?
R. – Em não praticar coisa nenhuma que possa, já não digo quebrar, mas nem sequer enfraquecer o laço conjugal.
P. – Que fará a esposa para guardar esta fidelidade?
R. – Di-lo S. Francisco de Sales na sua linguagem expressiva: “Mulheres, nunca consintais galanteios. Suspeitai de todo aquele que vos louvar a beleza e a graça. Se a esse louvor alguém ajuntar o desprezo por vosso marido, então não haverá dúvida, esse tal quere perder-vos” (Introd. à vida devota, 3ª parte, cap. XXXVIII). Necessário se torna, pois, repeli-lo imediatamente. De resto, a esposa cuidará de observar solicitamente as regras da prudência, no que respeita à modéstia do vestir e às relações com os homens, mesmo de certa idade. Quantas vezes, ainda nos meios melhores, não tem sido uma simples imprudência a origem de irreparáveis desgraças?
P. – Que fará o marido, por seu turno, para se conservar fiel ao amor que deve a sua mulher?
R. – Amará o seu lar e diligenciará viver nele o mais possível, junto de sua mulher e de seus filhos.
Evitará tudo o que possa trazê-lo fora de casa – por exemplo: os clubes e cafés; detestará os jornais corruptores, os romances que arruínam a família, os teatros onde a presença de cortesãs excita maus pensamentos e afasta da esposa legítima (V. o Extrato do fim deste cap.).
P. – Que significa a frase: o seu amor deve ser casto?
R. – Isto quere dizer que os esposos, embora se amem com ternura e mesmo com paixão, que legitimam o laço que os une e o fim que têm em vista – “não devem (é o Catecismo de Trento que fala) usar do casamento como meio de voluptuosidade e libertinagem, mas para os fins que o Senhor prescreveu. “Por que, diz S. Jerônimo, nada mais vergonhoso do que amar o esposo como uma adúltera”. (I.O. contra Joviniano).
P. – Como se amarão os dois esposos com um amor mútuo?
R. – Diz nos S. Paulo (Eph. V, 29) que o marido “deverá sustentar sua mulher e cerca-la de cuidados”, trabalhando corajosamente para lhe dar o pão de cada dia e pondo toda a sua força ao serviço da sua fraqueza.
Por seu lado, a esposa lembrar-se-á de que foi criada por Deus para companheira do homem: Faciamus ei adjuntorium (Gen., 18). Empenhar-se-á, portanto, em tornar-lhe mais fácil e alegre a vida; chamará a si todos os cuidados do lar. Proporcionará a seu marido um “interior” de irrepreensível asseio, e preparar-lhe-á os manjares preferidos, como outrora Rebecca a Issac: Faciam…, escas patrituo, quibus libenter vescilur (Gen, XXVII, 9). Numa palavra, conquistará por todas as suas atenções o coração do marido, prendendo-o à sua casa. (V. o 2º Extrato no fim do capit.).
P. – Porque deve ser paciente o amor dos esposos?
R. – É que, segundo S. Paulo, os esposos terão dificuldades e tribulações inevitáveis.
P. – Pode o marido a seu bel prazer recusar a sua mulher o ato conjugal, ou vice versa?
R. – Não. Quando um dos esposos o pede, o outro deve-lhe em justiça. É uma dívida que promana do próprio casamento. Nenhum o pode recusar, a não ser por uma razão grave. É permitido pedir o ato conjugal conformemente a um dos fins do casamento: procuração dos filhos, testemunho de mútua afeição, remédio para a concupiscência (meio de triunfar de tentações perigosas). Pedi-lo só por sensualidade, excluindo todo o fim honesto, é um pecado venial.
Convém ir ao encontro dos desejos do outro cônjuge, quando se percebe que este é tentado e se não atreve a tomar a iniciativa.
P. – S. Paulo não prescreve deveres especiais da mulher para com o marido?
R. – Sim, o temor e a obediência. “Que a esposa tema a seu marido.” (Eph., V, 32). “Que as mulheres estejam sujeitas a seus maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher.” (Eph., V, 22, 24).
P. – Como devem ser entendidos o temor e a obediência da esposa?
R. – Não um temor cheio de terror, mas de respeito; não uma obediência servil, mas amorosa, porque a mulher não é escrava, mas auxiliar e companheira: Adjuntorium símile sibi.
P. – Deve obedecer a mulher em tudo, ao marido?
R. – Sim, em tudo, menos, é claro, naquilo que a consciência lhe não consinta. Esse é o caso em que “vale mais obedecer a Deus do que aos homens”.
EXTRATOS
Cuidados conjugais. – Dos “Conselhos dados em 1398”.
“Deves ser, querida irmã, cuidadosa e cheia de atenções para com a pessoa do teu marido. Trata dele amorosamente; conserva sempre asseada a sua roupa, pois é essa a tua obrigação. Pertencem aos homens os negócios de fora; deles se deve ocupar o marido, indo e vindo, correndo dum para outro lado, á chuva, ao vento, à neve, ao granizo, debaixo de água ou debaixo de sol, alagado em suor, ou tiritando de frio, mal alimentado, mal albergado, mal esquecido, mal deitado. Mas nada lhe faz mal, pois o anima a esperança dos cuidados da mulher que o esperam no regresso ao lar… como o de se despir diante dum bom fogo, e lavar os pés, e envergar outras calças, e calçar sapatos enxutos, e tomar uma boa refeição, bem bebido, bem servido, bem obedecido, bem deitado em lençóis brancos, bem agasalhado com cobertores, a cabeça bem resguardada, e cumulado das outras alegrias e cuidados, intimidades, afetos e segredos que eu calo. E no dia seguinte, roupa e fato novos.
“Lembra-te do provérbio da nossa aldeia que diz haver três coisas que afugentam o homem do lar, a saber: uma casa destelhada, uma chaminé que não dá saída ao fumo e uma mulher ralhadora. Por isso, querida irmã, eu te peço que, para não perderes nunca o amor e o agrado de teu marido, sejas sempre meiga, amável e indulgente para com ele.
“E cuidando de quanto lhe diz respeito, ele não se esquecerá de ti: poderás contar sempre com o seu apreço e o seu coração, possuirás sempre o seu amor. Deixará todas as outras casas, todas as outras mulheres, todos os outros serviços. Só contigo se preocupará.” (L. De La Brière, La Jeune Marieé).
O teatro, destruidor da vida de família. – Quando regressas a tua casa com a alma deprimida por esses espetáculos, enfraquecido, enervado, irritado contra todos os pudores, só tens olhares descontentes para tua própria mulher, seja qual for o seu caráter. Queimado de febre por essas concupiscências de teatro, cativado e enlouquecido por essas exibições estranhas, desdenhas da esposa casta e modesta, companheira diária da tua vida, e até a insultas e maltratas, repleta ainda a alma dessas vozes dissolutas, dessas cenas e atitudes, que todos esses fantasmas de luxúria, julgas que no teu lar nada há que te agrade. (S. João Crisóstomo, IIIª homília sobre Saul e David).
Oração duma esposa aflita. – Senhor, que me estais submetendo agora a uma rude prova; aquele que eu, à Vossa ordem, devo amar com todo o afeto neste mundo, já me não trata com a bondade e a confiança habituais… Não posso conter por mais tempo as lágrimas. Não faço senão suspirar, Senhor, e sinto-me despedaçada. Mas acabo de orar junto da cruz boa conselheira, e tomei resoluções a que não quero faltar jamais. Quero amá-lo mais do que nunca, ser-lhe mais dedicada, mais agradável, mais terna do que nunca. Quero suportar tudo com a maior paciência: quero, enfim, torna-lo mais feliz do que nunca. Talvez o vença esta obstinação com que vou dedicar-me à sua felicidade; talvez assim eu veja voltar os dias tão saudosos do nosso amor de outrora. Assim seja. (Requeil des priéres, d’après les maniscrits du Moyen âge, par Léon Gautier, pag, 290).
Catecismo do Matrimônio por P. Joseph Hoppenot, S. J., Obra aprovada por 48 cardeais, arcebispos e bispos de França e Bélgica, 1928.