Comentário Apologético do Evangelho Dominical – Terceiro Domingo depois da Epifania

TERCEIRO DOMINGO DEPOIS DA EPIFANIA

Evangelho (Math. VIII. 1 – 13)

1. Naquele tempo, tendo Jesus descido do monte, uma grande multidão o seguiu.

2. E eis que aproximando-se dele um leproso o adorava dizendo: Senhor, se tu queres, podes curar-me.

3. E Jesus, estendendo a mão, tocou-o, dizendo: Quero, sê curado. E logo ficou curado da sua lepra.

4. E Jesus disse-lhe: Vê, não o diga a ninguém: mas vai, mostra-te ao sacerdote, e faze a oferta que Moisés ordenou, para lhes servir de testemunho.

5. E entrando em Cafarnaum, aproximou-se dele um centurião, fazendo-lhe uma súplica.

6. E dizendo: Senhor, o meu servo jaz em casa paralítico e sofre cruelmente.

7. E Jesus lhe disse: Eu irei e o curarei.

8. Mas o centurião, respondendo, disse: Senhor, eu não sou digno que entres em minha casa: dize, porém, uma só palavra, e o meu servo será curado.

9. Porque também eu sou homem sujeito a outro, tendo soldados ás minhas ordens, e digo a um: Vai e ele vai; e a outro: Vem, e ele vem e ao meu servo: Faze isto, e ele o faz.

10. E Jesus, ouvindo (estas palavras) admirou-se, e disse para os que o seguiam: Em verdade, vos digo, não achei fé tão grande em Israel.

11. Digo-vos, porém, que virão muitos do oriente e do Ocidente, e eu se sentarão com Abraão e Isaac e Jacob no reino dos céus.

12. Mas os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores: ali haverá choro e ranger de dentes.

13. Então disse Jesus ao centurião: Vai, e seja-te feito conforme creste. E naquela mesma hora ficou curado o servo.

COMENTÁRIO APOLOGÉTICO

O Deus conservador

Meditemos a bela página evangélica de hoje. Um sopro de suave confiança perpassa a cena exposta, e nos convida ver em Deus, não somente o Criador, o Senhor Soberano, mas o Pai querido, que sustenta e dirige tudo.

Jesus exalta a fé do centurião e a confiança ilimitada que tem em seu poder.

Esta confiança é o produto imediato desta fé admirável que sabe ver em tudo a ação ou o dedo de Deus, ação que se chama: a Providência.

De fato, Deus não pode abandonar a sua criatura, Ele tem que conservá-la, orientá-la, através das mil peripécias da existência, donde vem o Dogma consolador da Providência, ou Deus conservador.

Para excitar em nós esta mesma confiança do centurião, vejamos hoje:

As provas da Providência divina.

AS consequências desta Providência.

Estas duas verdades bem compreendidas nos estimularão a aceitar com camla e resignação tudo o que Deus ordenar ou permitir a nosso respeito.

I. Provas da Providência divina

Deus consolador, ou Providência são dois termos que têm a mesma significação.

A palavra “conservador”, aplicada a Deus significa que Deus, depois de ter dado o ser às suas criaturas, toma cuidado delas com um desvelo paternal, e as conduz ao fim para o qual as criou.

Conservar, é continuar a existência, fazer perdurar o que existe.

Sem esta conservação a criatura não poderia subsistir e voltaria ao nada, como a pedra lançada no ar por uma força que não se sustenta, volta necessariamente para a terra.

As criaturas a respeito de Deus, são o que é a luz a respeito do sol, rio, a respeito da nascente! . . . Se Deus cessasse de conservar o mundo, este deixaria de existir, de modo que conservação do mundo é uma criação continuada.

Esta conservação tem um duplo objeto: os seres materiais e os seres racionais. Aos primeiros Deus dá leis físicas; aos segundos dá leis morais; aos primeiros Ele imprime a necessidade, aos segundos impõe a obrigação.

A existência da providência de Deus, sendo uma consequência imediata da própria existência de Deus, prova-se: pela razão e pela crença universal.

A razão nos diz que Deus é infinitamente bom, e poderoso.

Ora, se Deus depois de ter criado os homens os abandonasse, não os guiando, nem sustentando, Ele deixaria de ser bom, se não quisesse fazer; e deixaria de ser poderoso, se não o pudesse fazer.

Logo, a Providência divina deve dirigir tudo o que há neste mundo, e de modo especial a sua criatura predileta: o homem.

Tal tem sido e sempre será a crença de todos os povos, que acreditam que Deus dirige todas as criaturas: eis porque todos os povos recorrem a Ele em suas aflições, e lhe agradecem os benefícios recebidos.

Ora, toda crença universal, independente de climas, costumes e educação, vem de Deus.

II. As consequências desta Providência

As consequências se medem pela extensão da Providência divina.

Ora, ela se estende sobre todos os acontecimentos do mundo, organizando tudo com número, peso e medida (Sap. VIII, 1) e sobre todas as criaturas, grandes e pequenas, tomando conta de cada uma em particular, como se fosse o único objeto da sua solicitude.

Notemos bem que esta providência de Deus não tira a liberdade do homem: ele fica o que é pela sua natureza, completamente livre em sua vontade.

Deus lhe faz compreender o que é o bem e o mal: atrai-o ao bem pelas promessas, e o afasta do mal pelas ameaças, mas não o força.

Deus, tão pouco, é a causa do mal que prevê, que poderia impedir e que, no entanto, deixa fazer-se.

Se Ele impedisse o mal e obrigasse a fazer o bem, o homem deixaria de ser homem, pois não teria mais liberdade: seria uma maquina automática, não seria mais um ser racional.

Deus permite pois o pecado para não retirar a liberdade do homem. Ele respeita esta liberdade para dar ao homem ocasião de merecer; e exige este mérito para aumentar a felicidade do homem.

Há pessoas que se queixam da Providência divina, apontando as desgraças que esmagam a humanidade, as injustiças, o pecado, etc.

São queixas injustas, pois nunca devemos perder de vista que a vida presente é uma vida de expiação, resultado do pecado, de provações e de méritos. A provação fortifica a virtude, o mérito é a semente da glória.

III. Conclusão

A importância da fé na Providência divina é de grande alcance em nossa vida.

A convicção sólida de que tudo depende de Deus, que nada acontece sem a sua ordem e permissão é um fator preponderante da atividade espiritual.

a) Preserva de toda solicitude inquieta e exagerada para o futuro, como para o presente;

b) Preserva do desânimo nos empreendimentos;

c) Preserva da impaciência nas contrariedades;

d) Preserva da presunção nas obras da salvação.

O pensamento da Providência paternal de Deus inspira confiança nas lutas, dá resignação nas provações, força na ação, paz ao espírito e consolação nas tristezas.

É a contemplação desta doce Providência que ditou a Santa Teresinha as belas e tocantes páginas do caminho da santa infância . . . cuja prática fez dela uma das mais fulgurantes santas dos tempos modernos.

EXEMPLOS

1. Os três Hebreus na fornalha

Inchado de orgulho por causa de suas grandes vitorias, o rei Nabucodonosor fez se erigisse uma estátua de ouro e mandou que todos os seus súditos a adorassem.

Invejosos dos companheiros de Daniel, os grandes da corte acusaram Ananias, Misael e Azarias de desprezarem a ordem do rei, e os três jovens Hebreus foram lançados numa fornalha ardente.

Um anjo do Senhor desceu sobre eles, afastou as labaredas e os preservou de todo o perigo, de sorte que andavam no meio das chamas, cantando e louvando a Deus.

Nabucodonosor quis ser testemunho do prodígio: veio perto da fornalha e veio com os três Hebreus uma quarta personagem de aspecto majestoso que os conduzia no meio das chamas.

Tendo-os feito retirar do fogo, o rei averiguou que nem um cabelo de suas cabeças havia sido queimado e que as suas vestimentas não tinham a mínima queimadura.

O rei publicou então um edito, em que proibiu sob pena de morte, blasfemar o nome de Deus, e elevou os jovens Israelitas às mais altas dignidades.

No meio dos maiores perigos, lembremo-nos de que há uma Providência divina que vela sobre nós.

2. São Paulo, o eremita

São Paulo vivia no deserto, e havia 60 anos que diariamente um corvo lhe trazia meio pão para a sua refeição.

Santo Antônio tendo vindo visita-lo, os dois santos passaram o dia em conversar sobre as coisas de Deus, quando apareceu o corvo, trazendo neste dia um pão inteiro.

Oh! Como Deus é bom, exclamou São Paulo; Ele duplicou hoje a ração acostumada, para podermos louvá-lo mais tempo e com maior fervor!

A Providência divina cuidava até da refeição dos dois santos solitários.

3. O funil às avessas

Muitas vezes nós somos os causadores dos nossos sofrimentos, e atribuímos tudo a Deus.

Um dia vi um homem querendo encher uma garrafa com vinho: serviu-se de um funil. Inexperiente, e nunca tendo visto um tal instrumento de transfusão, colocou o funil às avessas, aplicando a grande abertura sobre o colo da garrafa e derramando o líquido no orifício pequeno.

Naturalmente o vinho espalhou-se em redor da garrafa, e nada penetrava nela.

Então o homem encolerizou-se, xingando funil e funileiros.

O funil, entretanto, estava bem feito: bastava saber usá-lo.

Deus organizou bem este mundo e o dirige por meio de seus mandamentos; porém os homens não se servem das coisas de Deus, como Ele indica, nem cumprem os seus mandamentos. E acham que tudo vai mal . . . e atribuem o mal a Deus.

De quem a falta?

Não sabem servir-se do funil . . .

Comentário Apologético do Evangelho Dominical com Exemplos para Homilias, Sermões e Conferências. Pe. Júlio Maria, Missionário de N. Senhora do Smo. Sacramento, 1940.

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