Ó Senhor, fazei-me compreender que de mim nada sou e nada posso; e o que posso, unicamente o posso em Vós.
1 – Dois pensamentos dominam a liturgia da Missa de hoje: uma grande confiança em Deus e um vivo sentimento da miséria e insuficiência humanas. Dois sentimentos estreitamente unidos entre si, porque a consciência do nosso nada nos leva a pôr em Deus toda a confiança e porque esta confiança cresce em nós na medida em que mais estivermos convencidos da nossa pequenez.
A Missa começa com um grito de inabalável esperança: “O Senhor é a minha luz e salvação; de quem poderei ter medo?” (Intr.). O Senhor está comigo no Santíssimo Sacramento do altar, o Senhor vem a mim na Sagrada Comunhão: o que me poderá separar dEle? O que me poderá causar temor?
Por outro lado, conheço a minha fraqueza: as minhas quedas, as minhas infidelidades estão-me sempre presentes. Como tenho necessidade, por isso, de repetir humildemente a bela oração do Gradual: “Perdoai, Senhor, os nossos pecados… Socorrei-nos, ó Deus, salvação nossa, pela glória do Vosso nome”. Sim, apesar dos contínuos socorros da graça divina, das numerosas confissões e comunhões, tenho de constatar todos os dias novas faltas, tendo de recomeçar todos os dia. A luta é árdua e trabalhosa, mas hoje, na Epístola (Rom. 8, 18-23) S. Paulo recorda-nos “que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória” que nos espera. Pensamento consolador, pensamento de esperança e confiança; todavia, isto não me impede de sentir o gemido da natureza que suspira pela libertação, pela total redenção. Também o Apóstolo o experimentou e disse: “nós, mesmos, que temos as primícias do Espírito, gememos dentro de nós esperando a adoção de filhos de Deus, a redenção do nosso corpo” em Jesus Cristo. Quanto mais sofremos por causa da nossa miséria, tanto mais nos lançamos em Cristo com plena confiança na Sua Redenção.
2 – Pode dizer-se que o Evangelho de hoje (Lc. 5, 1-11) é a demonstração prática das palavras de Jesus: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo. 15, 5). Simão e os seus companheiros tinham-se fatigado toda a noite sem pescar nada: eis o que conseguiram fazer sozinhos. Se tens um pouco de experiência da vida espiritual, reconhecerás que caíste também muitas vezes. Quantos esforços para te libertares de algum apego, para esqueceres certas ofensas recebidas, para te adaptares ao modo de agir dos outros ou para sujeitares a tua vontade! E depois de te cansares tanto, ficaste com as mãos vazias, tal como Pedro encontrou inexoravelmente vazia a sua rede. Pois bem, não desanimes. Se em lugar de te irritares com o teu insucesso, souberes reconhecê-lo humildemente, ele tornar-se-á o princípio da tua vitória. Assim aconteceu também a Pedro depois de ter confessado em público que não apanhara nada. Sta Teresa do Menino Jesus comenta: “É possível que se ele tivesse apanhado alguns peixinhos, Jesus não tivesse feito o milagre: mas ele não tinha nada, por isso Jesus encheu-lhe muito depressa a rede a ponto de quase se romper. Eis o caráter de Jesus: Ele dá como Deus, mas quer a humildade de coração” (Cart. 140).
Apesar da tua vontade de avançar na virtude, o Senhor não permite que obtenhas algum êxito enquanto não te vir completamente convencido da tua impotência, da tua incapacidade; para te convencer disto, deixar-te, como deixou Pedro, “trabalhar toda a noite sem apanhar nada”. Depois, na medida em que te vir bem persuadido da tua indigência e disposto a confessá-la abertamente, virá em teu auxílio. Portanto, deves ter uma grande fé nEle e, sem te deixares desanimar pelos fracassos até agora sofridos, recomeçar de novo cada dia, confiado “na Sua palavra”. Se aprendeste a não confiar nas tuas forças, deves aprender também a ter plena confiança no auxílio divino. Se até hoje não pecaste nada, é porque te faltou esta confiança inabalável e esta falta, além de desagradar a Jesus, paralisa a tua vida espiritual. Repete, pois, com o mesmo ardor de Pedro: “in verbo tuo laxabo rete”, Senhor, à Vossa palavra lançarei a rede. Mas repete-o em cada dia, em cada momento, sem nunca te cansares.
Colóquio – “Ó Senhor, Vós sois a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? Vós sois o baluarte da minha vida; diante de quem devo ter medo? Ainda que um exército acampasse contra mim, o meu coração não temeria; ainda que movessem uma batalha contra mim, permaneceria tranquilo… Uma só coisa Vos peço, ó Senhor, e esta sempre Vos solicitarei: habitar na Vossa casa todos os dias da minha vida. Porque Vós, no dia da desventura, me escondereis na Vossa tenda, me poreis a coberto debaixo do Vosso pavilhão e me colocarás sobre o alto duma rocha.
Escutai, Senhor, o clamor com que Vos invoco, tende compaixão de mim e ouvi-me… Não escondais de mim a Vossa face nem rejeiteis com ira o Vosso servo. Vós que fostes o meu auxílio, não me deixeis e não me abandoneis, ó Deus meu Salvador. Ainda que me abandonassem meu pai e minha mãe, estou certo de que Vós não me abandonareis. Alma minha, espera no Senhor, sê forte, ganha alento e espera nEle” (cfr. Sal. 26).
“Ó Senhor, fizestes em mim grandes coisas e a maior foi mostrardes-me a minha pequenez e a minha impotência.
“Senhor, Vós o vedes, caio em tantas fraquezas, mas não me admiro… Entro dentro de mim e digo: estou ainda no mesmo ponto que antes! Mas digo isto com uma grande paz e sem tristeza, porque sei que conheceis perfeitamente a fragilidade da nossa natureza e estais sempre pronto a socorrer-nos. Portanto, de que poderei ter medo? Apenas me vedes convencida do meu nada, ó Senhor, logo me estendeis a mão; mas se eu quisesse fazer alguma coisa de grande, mesmo sob o pretexto de zelo, imediatamente me deixaríeis só. Basta, pois, que me humilhe e suporte de boa vontade as minhas imperfeições, é nisto que consiste para mim a verdadeira santidade” (T.M.J, M.C. pg. 252, N.V. 5, VII).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.