1 – Há muitas escolas no mundo onde se ensina a falar bem; não há porém nenhuma onde se ensine a calar-se bem, a não ser a de Jesus Cristo. Se nesta escola aprendeis a calar-vos, aprendereis também a falar bem, isto é, a falar segundo a caridade para com o próximo, e portanto evitar primeiro que tudo a murmuração.
2 – A murmuração consiste: 1. em atribuir ao próximo o mal que nele não existe; 2. em exagerar o mal que ele cometeu, 3. em manifestar o mal que é oculto, sem motivo algum de necessidade ou de utilidade; 4. em interpretar o bem maliciosamente; 5. em negar, ocultar ou diminuir o louvor que o próximo merece.
3 – Acostumai-vos a não falar do procedimento dos outros nas coisas que vos não dizem respeito. Temos muito que fazer em nós mesmo e no nosso interior, sem que nos seja preciso importar-nos com o que diz respeito aos outros. É isto um excelente remédio contra a maledicência.
4 – Quando S. Pedro teve a curiosidade de perguntar a Jesus Cristo o que aconteceria a João, Nosso Senhor deu-lhe esta célebre resposta: “Quid ad te? tu me sequere. – Que te importa a ti? Segue-me (1).
Porque perguntas coisas com as quais te não deves importar? Teu dever é seguir-me, e nada mais.
O mesmo deveis dizer convosco, quando a curiosidade vos excita a examinas de criticar as ações dos outros.
5 – Não sejais, todavia, como essas pessoas fracas que, com medo de caírem na murmuração, querem fazer a apologia de todos os crimes e culpas. Quando as faltas ou culpas são conhecidas, ou ainda quando são ocultas, mas nocivas às almas simples e inocentes é necessário desmascará-las; por isso S. Francisco de Sales dizia: “Gritar contra o lobo’, é ser caritativo para com as ovelhas”. Aquele que vê o ladrão roubar o seu próximo, tem obrigação de gritar contra o ladrão, e avisar aquele que é roubado, para que se possa defender. Com maior razão devemos fazer o mesmo àqueles que procuram roubar furtivamente a inocência, corrompendo os costumes e a doutrina.
6 – Pecam igualmente, tanto o que detrai com malícia, como o que escuta com prazer a murmuração: entre o primeiro e o segundo não há outra diferença, diz S. Bernardo, senão esta: “Aquele que murmura maliciosamente tem o demônio na língua; e aquele que ouve com prazer a murmuração tem o demônio nos ouvidos”.
7 – Eu disse: aquele que ouve com prazer a murmuração; porque se a ouvistes e não a aprovais, não consentis e portanto não pecais.
8 – Se o mal que o maldizente imputa ao próximo é falso, negai-o; se ele é oculto ou exagerado, procurai habilmente desviar a conversação para outro objeto, ou antes tomai uma severa gravidade ou um significativo silêncio, conforme as circunstâncias do tempo, do lugar e das pessoas.
9 – Além disso o mal pode ser bem conhecido e real, ainda que dele não tenhais o menor conhecimento. Neste caso, aquele que fala dele não peca, e aquele que ouve não é obrigado a fazer a fraternal correção.
De mais, a não ser que tenhais um perfeito conhecimento do contrário, não deveis formar má opinião do próximo, nem supor que aquilo que diz é falso ou está revelando o que é segredo.
10 – Não somos obrigados a repreender o detrator, quando não temos uma esperança fundada da sua emenda. A correção é um remédio de que se lança mão só quando há esperança de que pode ser útil ao doente.
11 – Os sacarmos, as injúrias, os desprezos são também um veneno mortal para a caridade: é por isso que o Espírito Santo disse: “Tende cuidado que a vossa língua não caia no pecado, com receio de que a vossa ferida seja incurável” (2).
12 – Aquele que fere a reputação ou a honra, é mais culpado ainda que aquele que ataca a fortuna; nem alcançará de Deus o perdão, se ele, podendo, não reparar o dano que fez.
13 – Vigiai pois sobre a vossa língua, que S. Tiago chama um mundo de iniquidades – Universitas iniquitalis (3): não vos esqueçais deste belo pensamento de S. Basílio: Deus não pôs aos nossos ouvidos nenhuma defesa, para estarmos prontos a ouvir: deu aos olhos uma defesa por meio das pálpebras; quis porém que a língua fosse defendida por duas fortes barreiras, os lábios e os dentes, a fim de que soubéssemos o grande dever que sobre nós pesa para que a guardemos.
14 – Entretanto, notai que a virtude não consiste em não falar, porque então os mudos seriam de todos os homens os mais virtuosos; consiste sim em falar como é necessário, isto é, nos lugares e circunstâncias em que é conveniente falar e pelo modo como se deve falar.
15 – As conversações sobre as coisas indiferentes servem para entreter uma honesta sociabilidade, e podem por conseguinte ser referidas a Deus. As palavras ociosas, que o Evangelho condena, não pertencem a esta classe.
Direção para Viver Cristãmente pelo Rev. Padre Quadrupani, Barnabita, 1905.
(1) S. João cap. 21.
(2) Eccle. XXVII, 30.
(3) S. Tiago, III, 6.
Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico