Oblatus est qui ipse voluit. “Foi imolado porque quis” (Is 53, 7).
O verbo eterno, desde o primeiro instante de sua conceição, viu apresentar-lhe ante si todas as almas dos filhos de Adão; viu ao mesmo tempo apresentar-lhe o quadro terrível dos sofrimentos, à custa dos quais devia remi-los. Assim do primeiro instante de sua existência no tempo viu e conheceu perfeitamente Jesus Cristo as almas de todos os homens que lá desde o começo do mundo tinham povoado a terra, bem como as de todos os que deviam povoa-la até à consumação dos séculos. Viu e conheceu portanto também a minha, ele a viu coberta de pecados, envolta em densas trevas, falta de tudo. E esta vista, longe de o levar a repelir-me como um objeto de horror, comoveu as entranhas da sua misericórdia, e aceitou para logo todos os sofrimentos que mais tarde padeceu no curso da sua vida, e particularmente em sua morte. Nenhum interesse próprio tinha para assim obrar, nem para aceitar tantos sofrimentos; o amor, o amor por minha pobre alma, eis o seu mover; o amor fê-lo nascer num presépio, o amor fê-lo morrer numa cruz. Condenado estava eu ao inferno, e ele ofereceu-se por meu resgate; nascera no ódio de Deus, e ele ofereceu-se para destruir este ódio; nem sequer pensava em ama-lo; em minha funesta cegueira, só para ofendê-lo vivia, e ele foi o primeiro a amar-me, e se ofereceu para dar-me uma prova esplêndida do seu amor, e para me atrair a amá-lo. E seria eu insensível a tão excessiva ternura do meu Deus? Se o meu Jesus me ama tão ardentemente, poderei eu recusar-lhe uma justa compensação? Por certo que não.
Que retribuirei eu, pois, a Jesus! Que lhe hei de eu oferecer em paga do que recebi dele? Ele por mim ofereceu a hóstia mais preciosa que possuía, ofereceu-se a si mesmo; convém também que por minha parte lhe ofereça o que de melhor tenho, todo o meu ser. Pois que! Um Deus dá-se todo a,mim, e eu ainda hei de hesitar em me dar todo a ele? Ah! Senhor! Dignai-vos aceitar a oferenda de mim mesmo. Dois óbulos só vos posso apresentar, o corpo e alma: concedei-me a graça de generosamente vo-los sacrificar; o sacrifício do corpo, pelas mortificações, sofrimentos, trabalhos e privações; o sacrifício da minha alma, pondo a vossos pés a minha vontade própria, os meus desejos de aparecer, o meu orgulho e tudo o que vos desagrada. Bem o sei, ó meu Deus! É difícil, é penoso, é duro à natureza tal sacrifício; mas ajudai-me vós que eu vo-lo farei todo, todo pleno e sem reserva alguma, e por toda a minha vida.
Ó meu Jesus! Que por meu amor vos oferecestes aos sofrimentos e à morte, a vossos pés venho lançar-me e pedir-vos que me recebais todo como holocausto a vós imolado. Recebei a minha liberdade, memória, inteligência, vontade, tudo o que sou. Se alguma coisa possuo, de vós a tenho, a vós pois tudo entrego para que de tudo disponhais segundo vossa vontade. Somente concedei-me o vosso amor e a vossa graça e assas rico serei. Ó Deus meu! Que poderosos motivos não tenho eu para amar-vos de todo o meu coração? “Vós livrastes a minha alma para ela não perecer, vós lançastes para traz das costas todos os meus pecados”, e os esquecestes. Assim, em lugar de me castigar pelas injurias que contra vós multipliquei, vós multiplicastes os favores e misericórdias, afim de poder ganhar-me um dia para o vosso amor.
Ah! Esse dia, que tão ardentemente desejáveis, chegou ao fim; sim, chegou, porque parece-me que vos amo de toda a minha alma. Ah! Se eu vos não amasse a vós, a quem deveria amar?
Ó Jesus meu! O primeiro pecado que devo chorar é o de tantos anos não vos ter servido nem amado; mas para o futuro quero fazer tudo o que poder para vos ser agradável. A vossa graça me inspira, eu sinto um grande desejo de só para vós viver e de me desprender de todas as coisas criadas; experimento ao mesmo tempo grande magoa por todas as penas que vos dei; estes são, ó meu Deus, favores que de vossa bondade me vem, e de que vos dou graças. Vossa obra acabai, e conservai-me fiel ao vosso amor. Ai! Conheceis bem a minha franqueza; fazei pois que doravante eu seja todo vosso, como vós tendes sido todo meu. Amo-vos, ó meu único bem! Amo-vos, ó meu único amor! Amo-vos, ó meu tesouro e meu tudo! Meu doce Jesus, compreendei-me bem: eu vos amo, eu vos amo! Ó doce, ó terna Maria! Vinde em socorro de vosso filho, e ensinai-me a amar ainda mais a Jesus. Assim seja.
RESOLUÇÕES PRÁTICAS
Do Espírito de Imolação de nós mesmos por Amor de Deus Ontem falava-te eu da ingratidão, e empenhava-te, meu caro Teótimo, a fugires deste vicio, a Deus e aos homens hediondo e horroroso. Podes hoje provar a nosso Senhor que sabes apreciar e reconhecer os seus benefícios, consentindo em fazer por sua gloria o que ele fez por teu amor. Afim de arrancar-te ao inferno e merecer-te o céu, este bom Mestre ofereceu-se como vitima a Deus seu Pai; faze tu outro tanto. Considera-te doravante vitima destinada a ser imolada segundo seu bel prazer. Persuade-te bem que não és mais teu, mas que todo pertences a Deus. Assim quando lhe aprouver enviar-te alguma cruz, alguma humilhação, alguma doença, deves submeter-te dizendo:
“Vitima me constitui, pode imolar-me”
Quando teus superiores te derem alguma ordem à qual sintas repugnância de submeter-te, quando sentires a revolta da própria vontade contra vontade dos que te governam, apressa-te a chamar em teu socorro este pensamento:
“Não pertenço a mim, sou vitima do meu Deus, devo pois deixar-me imolar”
Se murmúrios se elevam em tua alma, se sentes repugnância em assim sacrificar-te, se teu orgulho se rói e opõe alguma resistência, recorda-te então de Jesus, que a si mesmo se imolou por teu amor, que como inocente cordeiro se deixou sacrificar sem proferir uma só queixa. Quando enfim vires a morte próxima a ferir-te, levanta os olhos ao céu e dize: Deus meu, vitima vossa sou, vitima de amor; descarregai, descarregai o ultimo golpe, acabai meu sacrifício. Vosso quero ser por toda a eternidade afim de amar-vos, bendizer-vos, agradecer-vos todas as vossas bondades por mim, e gozar da vossa presença.
Abade D. Pinnard, As Chamas do Amor de Jesus., Cap. XXXIX.
Última atualização do artigo em 7 de abril de 2025 por Arsenal Católico