Das relações particulares ou da amizade

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1 – “Quem achou um verdadeiro amigo, achou um rico tesouro“, diz o Espírito Santo. Os mesmos sábios do paganismo, citados e seguidos por S. Tomás, ensinam que para gozar da pouca felicidade que se pode alcançar neste mundo, é preciso ter um verdadeiro amigo; o qual seja para nós um conselheiro, um consolador, um benfeitor, e por assim dizer uma só pessoa conosco. A amizade lhe faz suportar com agrado todos os trabalhos, e até sente mais prazer em procurar o bem para o seu amigo do que este sente em recebê-lo.

2 – Mas quanto mais preciosa é a amizade, tanto ela é mais rara. Em nossos dias abusa-se de uma maneira singular de duas palavras: a de filósofo e a de amigo. Chama-se filósofo àquele que é extravagante no seu procedimento, incivil nas suas ações, incrédulo nas suas máximas, e estouvado no seu modo de andar. Chama-se amigo àquele que foi companheiro de mesa, de passeio, dos saráus e do teatro.

3 – É muitíssimo mais fácil achar um homem probo e caritativo, que um amigo. Todo o amigo deve ser homem de bem; mas nem todo o homem de bem é um amigo.

4 – A verdadeira amizade exige (além doutras condições, que por brevidade omitimos): 1. costumes irrepreensíveis; 2. intenções honestas; 3. relações circunspectas. Com estas condições a amizade poderá ser virtuosa, até entre um homem e uma mulher; porque Deus, Criador e Pai comum, não colocou em estado de reciproca antipatia uma metade do gênero humano contra outra metade; aliás estaria em contradição consigo mesmo.

5 – A primeira condição para que a amizade seja sincera, é a pureza de costumes. A amizade, diz S. Jerônimo, estabelece-se entre pessoas que já são semelhantes entre si, ou as torna tais; por isso não podemos ter relações com um ímpio por muito tempo, sem que participemos de sua impiedade.

Esta doutrina encontra-se num provérbio dos sábios do paganismo: Dize-me qual é o teu amigo, e eu te direi quem tu és. Podemos sem receio ajuizar do caráter dum homem pelo caráter do seu amigo.

6 – Um falso amigo, semelhante a um homem perverso, é mais perigoso que um fabricador de moeda falsa: este faz mal aos vossos bens de fortuna, aquele expõe-vos a mil desgraças em tudo quanto vos diz respeito. O que encontra um falso amigo, cai na maior desgraça, tanto mais formidável quanto é por nós menos conhecida. Um sábio da antiguidade costumava dizer: “Dos meus inimigos defendo-me eu mesmo porém dos falsos amigos só Deus me pode defender” . Aqueles pois, cujos costumes forem dissolutos aquele que vos der maus conselhos ou que aplauda o que é repreensível e vicioso, não é vosso amigo, é um traidor. No entanto quantas pessoas há que consideram como seus amigos homens sem religião, sem prudência, sem caráter! São infelizes, porque estão ainda mais expostos aos perigos do que o estão os marinheiros no meio das tempestades.

7 – Não basta porém que os amigos tenham costumes puros, devem ter além disso um fim honesto, isto é, devem amar-se não por vil interesse nem tão pouco por um atrativo sensual, mas sim pela estima de verem em ambos a virtude, a cordialidade e a conformidade de inclinações.

8 – A maior parte dos ricos e grandes são rodeados de pessoas venais as quais falsamente se intitulam seus amigos, porque só o são das suas mesas, da sua riqueza e proteção; mas nem disto se apercebem, porque a moeda falsa brilha mais que a verdadeira: Assim enquanto dura a prosperidade, dura a adulação. O mesmo Boécio, sem bem que profundo e esclarecido filósofo, só conheceu os seus indignos aduladores quando caiu na adversidade. Do fundo da prisão, onde gemia depois de ter perdido os favores do rei, escrevia com magoas as seguintes palavras: “Agora conheço os falsos amigos; amavam o cônsul, e não a Boécio; eram os amigos da minha felicidade, a qual lhes era proveitosa, e não da minha pessoa”.

9 – A amizade virtuosa exclui também essa perigosa sensibilidade que produz o atrativo sedutor dos sentidos, e da qual já falamos, quando se tratou da maneira pela qual devíamos amar o próximo. Tais amizades sensíveis são, na excelente expressão de Sidônio Apolinário, como as flores, as quais se estimam enquanto frescas e exalando aromas, mas que, apenas murcham, logo se lançam fora.

10 – A última condição duma verdadeira amizade é a circunspecção que se deve empregar nas relações com os amigos. As liberdades proibidas, os gracejos desconcertados, as confidências ilícitas, são sinais duma alma sensual e inimiga, e tão oposta à verdadeira amizade, como a escuridade da noite o é à claridade do dia.

11 – Para evitar tantos perigos e inconvenientes, antes de escolherdes definitivamente num amigo, empregai os três meios que o grande Orador Romano indica e que Santo Agostinho aprova: 1. Examinai se a pessoa tem as qualidades que a verdadeira amizade exige. 2. Submetei-a à prova dos fatos, especialmente àqueles que diem respeito aos seus interesses. 3. Depois disto podeis escolhê-la para vosso amigo, mas ficai sempre na persuasão de que um verdadeiro amigo é a coisa mais rara deste mundo, e que aqueles que se vangloriam de o ter facilmente achado, enganam-se e não sabem distinguir os verdadeiros dos falsos amigos.

Direção para Viver Cristãmente pelo Rev. Padre Quadrupani, Barnabita, 1905.

Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico

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