Nas doenças e nas enfermidades corpóreas sobressai mais manifestamente a onipotência consoladora da Religião. Os próprios médicos muita vez reconhecem-lhe os efeitos quase miraculosos.
Se há indignos médicos que, por preconceitos e dominados por estúpida e grosseira impiedade, afastam o sacerdote da cabeceira do doente, a pretexto de poupar “emoções” a este, outros há, e muitos, que, a um tempo mais inteligentes e mais caritativos, eficazmente se prevalecem da benéfica influência da religião: de feito, a serenidade da consciência, a esperança e a paz inseparáveis da oração, da confissão, e principalmente da comunhão, constituem, não há negá-lo, ótimas condições que predispõem para a cura.
Espírito calmo, resignação, paciência, completa docilidade aos preceitos médicos: eis as coisas de que mais carece o doente. E onde irá ele buscar tudo isso, senão nos tesouros de paz e de verdadeira fortaleza, que só medram à sombra da Religião? Ah! que grande médico é o Sacerdote Católico!
Os socorros religiosos, certo, não eliminam os padecimentos; a confissão, que tira os pecados, nem por isso tira a febre, e a comunhão, que une a alma a Deus, não tem por fim curar milagrosamente o corpo; mas, em virtude da união íntima do corpo e da alma, e também, força é proclamá-lo, em virtude do influxo divino, sobrenatural que a Nosso Senhor aprouve exercer muitas vezes sobre seus servos, o bem da alma repercute no corpo, e o remédio divino reage sobre a medicina. A consciência em sobressaltos até á saúde é danosa. Não há consciência adormecida que não cheguem a despertar, por pouco que seja, os padecimentos e o medo da morte. Se essa consciência estiver turva, como não ficará o coração do doente? Cheio de ansiedade, senão de remorsos. Ora, ninguém dirá que tais condições são propícias á proficuidade dos medicamentos.
Mísero doente! sofreis? Cumpre ouvir o que por parte de Deus a Igreja vos diz, pelos lábios do sacerdote, da religiosa, do amigo piedoso que, comovido e cheio de comiseração, está perto de vosso leito. Fala-vos do céu, do céu onde não se sofre mais, e para onde conduz em direitura o sofrimento cristãmente suportado. Lembra a necessidade da penitência, e o máximo proveito a colher dos sofrimentos: sejam quais forem, não são mais atrozes que o fogo terrível do Purgatório. Fala-vos do Salvador; incita-vos à união com Ele por meio da comunhão, afim de fortalecer-vos no combate. Um dia visitava eu no hospital da caridade, em Paris, um infeliz doente, que estava muito mal, prostrado por demorada enfermidade. Hesitou por algum tempo em confessar-se e comungar; todavia, a necessidade de Deus por tal modo se lhe impôs, ue o mísero fez afinal aquilo por onde devera ter começado. “pois bem, meu amigo disse-lhe eu, como estais desde pela manhã? Deus vos fez uma graça assinalada, não é assim? – Oh! sim senhor, respondeu arquejando e com indizível expressão no rosto; oh! sim, agora estou bem; agora não sofro mais só, somos dois a sofrer!”
Para os doentes o primeiro amigo, o primeiro médico é o sacerdote. Cumpre chamá-lo desde logo e não ter medo dele. É o Jesus dos enfermos, isto é, seu consolador e salvador. Benfazejo embaixador de Deus, só é portador de graças e de bênçãos.
Quando a braços com enfermidade, tem um quê de admirável os verdadeiros cristãos. Muitos deles desafiam realmente o pasmo pela serenidade e alegre resignação! Uma santa senhora, cega havia já bastantes anos, achava-se em um leito de dores, por força de enfermidade, que ela sabia ser incurável. “Sofreis muito? perguntaram-lhe uma vez. – Sim, muito, respondeu serenamente a enferma. Momentos há em que acredito vou perder a paciência; então abraço o meu crucifixo; invoco a Virgem Santíssima e com a assistência dela consigo calar-me.”
O famigerado Dupuytren, que apesar de bondoso era áspero e rude no modo de exprimir-se, acolhera no seu grande hospital geral (Hotel Dieu) um pobre velho, pároco de uma freguesia rural, em o qual tinha de praticar dolorosa operação. “Sois animoso? foi a pergunta que dirigiu ao mísero sacerdote. A operação será demorada e tormentosa. – Deus me dará coragem – respondeu com brandura o doente. Estou às vossas ordens.” E Dupuytren deu começo ao trabalho, cortando e retalhando as carnes do operado durante mais de um quarto de hora, de modo a horripilar os próprios ajudantes; o sangue corria aos borbotões. Somente algumas convulsões, alguns gemidos involuntários e sufocados indicavam que o paciente não era feito de pau. Dupuytren ficou pasmo. “Ora pois! lhe disse, não tendes nervos! Sois insensível como um cepo?” O infeliz sacerdote, exausto de dores, ainda teve força para sorrir; e como única resposta, mostrou-lhe o crucifixo, que convulsivamente apertava. – “É pasmoso!” disse aos assistentes o exímio cirurgião. E de improviso, mudando de tom e de modos, perguntou carinhosamente ao doente, inclinando-se para ele: “Causei-vos muitos sofrimentos, não é assim?
– Oh, não tantos como os que meu Deus por minha causa sofreu” murmurou o paciente. E Dupuytren retirou-se, repetindo a seus discípulos: “Admirável! Nunca vi coragem assim.”
Passadas algumas semanas, o virtuoso pároco teve alta no hospital e regressou a sua paróquia, que exultou tornando a vê-lo. Dupuytren lhe havia dispensado assíduos e delicados desvelos. Sua bondade foi recompensada. Todos os anos, no aniversário da famosa operação, via, enternecido, chegar à sua casa o velho pároco, que era portador de um cabazinho contendo as melhores frutas do seu pomar. Consagrou verdadeiro afeto ao digno sacerdote; e quando esteve para morrer, mandou-o chamar, e quis que ele leh administrasse os últimos socorros da religião. Morreu como cristão em seus braços, e pode bem ser que o último suspiro do célebre cirurgião fosse exalado sobre aquele mesmo crucifixo que figurara na operação acima mencionada. Seria interminável a exposição de rasgos da ordem deste, que mostram com que eficácia a Religião ajuda os doentes a sofrer corajosamente.
Monsenhor de Ségur, Aos Que Sofrem Consolações, cap. IX, 1877.