Desígnios de paz e amor – Vigésimo Terceiro Domingo depois do Pentecostes

Senhor, cumpri em mim os Vossos desígnios de paz e de amor, fazendo-me renascer para uma vida plenamente fervorosa.

1 – Apesar dos altos ideais e do desejo de santidade, encontramo-nos sempre cheios de misérias, sempre em dívida para com Deus e, ao aproximarmo-nos dEle, a nossa alma treme com razão: como nos acolherá? Não nos afastará de Si? A resposta, porém, é muito diferente da que nós merecíamos: “Os meus desígnios a vosso respeito, diz o Senhor, são de paz e não de desgraça. Invocar-me-eis e hei de atender-vos. Hei de reconduzir-vos de todos os países onde estáveis cativos”. Estas consoladoras palavras que lemos hoje no Intróito da Missa abrem de par em par o nosso coração ás mais doces esperanças: apesar de tudo, Deus ama-nos, Deus é sempre o nosso Pai e quer libertar-nos da escravidão das nossas paixões e das nossas fraquezas. Sobe então espontaneamente aos lábios a humilde invocação da Coleta: “Perdoai, Senhor, as faltas do Vosso povo, para que, pela Vossa bondade, sejamos livres dos laços dos pecados contraídos por nossa fraqueza”. A humildade, o reconhecimento sincero das próprias faltas, é sempre o ponto de partida para a conversão.

S. Paulo, na Epístola, fala-nos da conversão (Fil. 3, 17-21; 4. 1-3): “Muitos, de quem muitas vezes vos falei e também agora falo com lágrimas, procedem como inimigos da cruz de Cristo… gostando somente das cosias terrenas”. Praticamente, cada vez que fugimos do sacrifício, que protestamos contra a dor ou buscamos satisfações egoístas, comportamo-nos como inimigos da cruz de Jesus e assim a nossa vida torna-se muito terra a terra, muito presa às criaturas, demasiado pesada para nos podermos elevar ao céu. Temos de nos converter, de nos desprender, de nos recordar de que “somos cidadãos do céu” e por isso, devemos abraçar de boa vontade as fadigas da viagem de regresso à pátria bem-aventurada. Para nos animar, S. Paulo põe-nos diante dos olhos os esplendores da vida eterna: “Jesus Cristo… transformará o nosso corpo de miséria, fazendo-o semelhante ao Seu glorioso”. Eis os “desígnios de paz”, eis os grandes desígnios de amor que o Pai celeste tem sobre nós: libertar-nos da escravidão do pecado e conformar-nos com o Seu Filho até nos tornar participantes da Sua gloriosa ressurreição. Desígnios maravilhosos, mas que não se realizarão se os não secundarmos. “Portanto, meus muito amados e desejados irmãos, minha alegria e minha coroa – suplica o Apóstolo – permanecei assim firmes no Senhor”. Firmes, quer dizer, constantes na conversão; firmes na humildade, na confiança, no amor à cruz.

2 – O Evangelho do dia (Mt. 9, 18-26) é uma prova evidente desta transformação que Deus quer efetuar em nós, é um exemplo do modo como Ele realiza os Seus desígnios de paz naqueles que recorrem a Ele com um coração humilde confiante. Em primeiro lugar a hemorroíssa: o seu mal é tenaz, há dozes anos que resiste a todos os remédios; a pobre mulher, humilhada e confusa, não ousa, como os outros doentes, apresentar-se diretamente a Jesus, mas por outro lado a sua fé é tão grande, que pensa: “Ainda que eu toque somente o Seu vestido, serei curada”; aproxima-se furtivamente e toca-Lhe ao de leve na orla do manto. Jesus adverte aquele leve toque e, voltando-Se, diz: “Tem confiança, filha; a tua fé te salvou”. Nenhum pedido, nenhuma súplica externa; o que comove o Senhor é a prece daquele coração humilde, confiante e cheio de fé.

Como Jesus curou aquele mulher, quer curar as nossas almas, mas espera disposições semelhantes às suas. Muito facilmente nos contentamos com orações vocais enquanto o coração permanece frio e ausente; mas Jesus vê o coração e quer a oração do coração: grito de humildade e confiança, grito que sobe direito ao Coração divino. De resto, como somos mais afortunados do que a pobre doente! Ela conseguiu uma só vez tocar na fímbria do manto de Jesus, ao passo que a nossa alma todos os dias, na comunhão, está em contato com o Seu Corpo e o Seu Sangue. Oh! se tivéssemos uma fé tão grande como um grão de mostarda!

O Evangelho narra ainda um segundo milagre. A filha de Jairo não está doente, está morta. Mas para Jesus não é mais difícil ressuscitar um morto do que curar um doente. Como verdadeiro Senhor da vida e da morte, “tomou-a pela mão e a menina levantou-se”. Jesus é a nossa ressurreição não só para a vida eterna quando, a um sinal Seu, o nosso corpo ressuscitar glorioso e de novo se unir à alma, mas é também a nossa ressurreição nesta vida: ressurreição da morte do pecado para a vida da graça, ressurreição de uma vida tíbia para uma vida fervorosa, ou de uma vida fervorosa para uma vida santa.

Aproximemo-nos de Jesus com a humildade e a confiança da hemorroíssa e peçamos-Lhe, de todo o coração, que cumpra em nós os Seus desígnios de amor, arrancando-nos da mediocridade duma vida espiritual embaraçada ainda nos laços do egoísmo, para nos lançarmos decididamente no caminho da santidade.

Colóquio – “Ó Senhor, que mal pagamos a Vossa amizade, pois tão depressa nos tornamos Vossos inimigos mortais! Ah! a Vossa misericórdia é verdadeiramente grande! Será possível encontrar um amigo tão sofrido? Ainda que tal acontecesse uma só vez entre amigos, não lhes fugiria da memória nem jamais reatariam tão fiel amizade como antes. Pelo contrário, quantas vezes faltamos desta maneira para conVosco! E quantos anos Vós permaneceis à nossa espera! Bendito sejais, meu Senhor e meu Deus, que nos suportais com tanta piedade e Vos esqueceis da Vossa grandeza para não castigardes, como seria justo, uma traição tão pérfida como esta!” (T.J. P. 2, 19).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico

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