Ó Senhor, corro ao Vosso convite, venho à Vossa fonte: dai-me de beber.
1 – Comentando o convide de Jesus: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba” (Jo. 7, 37), Sta Teresa de Ávila diz: “Olhai que o Senhor convida a todos e pois que Ele é a mesma verdade, não há que duvidar. Se não fora geral este convite não nos chamaria a todos… Mas como disse a todos, sem condição, não lhes faltará esta água viva” (Cam. 19, 15). Não é portanto fora de propósito que uma alma de vida interior aspire á contemplação; antes é lógico, pois que o Senhor oferece-a a todos e a contemplação é um grande meio para nos introduzir na intimidade divina, para nos fazer compreender e saborear a grandeza infinita de Deus, para nos enamorar dEle e nos tirar toda a sede das coisas terrenas. Se Jesus ofereceu a todos esta água viva, se esta água viva é assim tão preciosa, porque não hei de desejá-la?
Porém a Santa ensina-nos a desejá-la sem pretensões, com humildade e com pleno abandono á vontade divina. Efetivamente, só Deus é o Senhor dos Seus dons sobrenaturais e a Ele compete distribuí-los às nossas almas na forma, na medida e no tempo que Ele entender. “O Senhor – diz a Santa – dá-os quando quer, como quer, e a quem quer, e não faz agravo a ninguém” (M. Iv. 1, 2). Não devemos, por conseguinte, ter qualquer pretensão a este respeito, com se pudéssemos exigir de Deus o favor da contemplação; isto seria expor-nos a ilusões e a desilusões. Por outro lado, seria um verdadeiro pecado de orgulho intrometer-se nas disposições divinas. Quando uma alma é verdadeiramente generosa em dar-se a Deus, Ele, que nunca Se deixa vencer em generosidade, não lhe negará pelo menos algumas gotas daquela água viva que ofereceu a todos.
2 – “Deus não força ninguém – diz Sta Teresa de Jesus – antes dá de beber de muitas maneiras aos que O querem seguir para que nenhum vá desconsolado nem morra de sede” (Cam. 20, 2). Isto faz-nos compreender que há muitas formas e muitos graus de contemplação. Para melhor no-lo fazer entender a Santa compara a contemplação a “uma fonte caudalosa donde saem vários arroios, uns pequenos, outros grandes e algumas vezes, poçazinhas…” (ib). O Senhor convida a todos, e dará de beber a todos; mas não nos revela em que espécie de arroio cada um de nós será chamado a beber, não nos diz em que momento da nossa vida beberemos, e muito menos é obrigado a fazer-nos beber de preferência no arroio grande do que no pequeno. Houve santos que, como Teresa de Jesus, beberam em grande abundância, e houve outros que, como Teresa de Lisieux, só tiveram à sua disposição algumas pequenas poças; no entanto uns e outros atingiram igualmente a santidade. Como há muitos arroios que brotam da mesma fonte e, embora de tamanho diferente, contêm a mesma qualidade de água, assim há muitas formas de contemplação: algumas são suaves, outras áridas, umas chegam a uma grande clareza e inefável doçura enquanto outras são obscuras e até penosas, mas nem por isso menos úteis à alma. Ainda que haja mais e menos, trata-se essencialmente da mesma água vivificante que faz mergulhar a alma em Deus, que a faz penetrar o mistério divino, que a faz compreender o tudo de Deus e o nada da criatura, que lhe abre o caminho da intimidade divina, que a conduz à santidade.
Sim, Deus dá “quando quer, com quer e a quem quer”, e isto quanto à forma e à medida da contemplação, mas também quanto ao tempo em que há de ser concedida; tudo depende unicamente de Deus. Todavia Sta Teresa assegura-nos que Deus nunca recusa esta água viva a quem “a procura como deve”; portanto há uma parte nossa que consiste em nos dispormos de modo que Deus não nos considere indignos dos Seus dons (1).
Colóquio – “Ó piedoso e amoroso Senhor da minha alma, Vós também dissestes; ‘Vinde a mim todos os que tendes sede e eu vos darei de beber’.
“Oh! como as nossas almas têm grandíssima necessidade desta água! Sei, meu Senhor, que a Vossa bondade no-la dará. Vós mesmo o dissestes e as Vossas palavras não podem faltar. Conhecendo a nossa fraqueza providenciastes como quem sois. Mas não dissestes: ‘Venham uns por este caminho e outros por aquele’. Antes foi tão grande a Vossa misericórdia que não impediu a ninguém de vir beber a esta fonte de vida. bendito sejais para sempre! Com quanta razão mo podíeis impedir a mim!… Mas já que não me mandastes que deixasse este caminho quando o comecei, nem permitistes que me lançassem nas profundezas, é bem certo que não afastareis ninguém; antes chamais, em alta voz, a todas as almas.
“Ó Senhor, falando à samaritana dissestes que quem bebesse dessa água não teria mais sede. Oh! como são verdadeiras estas palavras pronunciadas por Vós que sois a mesma Verdade! A alma que bebe desta água não terá mais sede das coisas desta vida mas cada vez arde mais no desejo das coisas da outra vida, e suspira por elas com tais ânsias que não se podem comparar com nenhum sede natural. E com quanta sede deseja ter esta sede! É uma sede que traz consigo satisfação que mata aquela outra sede, porque enquanto destrói o afeto das coisas terrenas, sacia a alma com as celestiais. Meu Deus, uma das maiores mercês que podeis fazer a uma alma, quando quereis dessedentá-la, é de a deixar com a mesma necessidade. Cada vez que bebe desta água deseja com maior ardor voltar a beber dela…
“E esta água é tão poderosa para acender sempre mais o fogo do Vosso amor! Ó meu Deus! Como isto é maravilhoso! Um fogo que ao contato com a água se acende mais; uma água que reaviva nas almas o fogo do amor!
“Ó Senhor, dai-me a beber desta água e não terei mais sede! Mas, Senhor meu, porque não me é dado engolfar-me nesta água viva a ponto de se me acabar a vida? Ó Vós que prometeis, dai-nos a Vossa graça por quem sois para a buscarmos como se deve buscar!” (cfr. T.J. Ex. 9, 1; Cam. 20, 1 e 2; 19, 2-15).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.