Ó Sagrado Coração de Jesus, ensinai-me a conhecer-Vos, ensinai-me a amar-Vos.
1 – O objeto da devoção ao Sagrado Coração é, propriamente falando, o Coração de carne de Jesus, o qual fazendo parte da Sua Humanidade santíssima, unida hipostaticamente ao Verbo, é digno de adoração. Contudo, o objeto terminal desta devoção é o amor de Jesus, de que o Seu Coração é o símbolo; por outras palavras, “sob a imagem simbólica do Coração, consideramos e veneramos a imensa caridade e o amor generoso do nosso divino Redentor” (Pio VI). Este é o significado da devoção ao Sagrado Coração, pelo qual a Igreja nos convida a honrar o Coração de Jesus com imagem visível do Seu amor invisível. “A Vossa caridade – canta a liturgia da festa – quis me fôsseis trespassado por um golpe visível de lança, para que venerássemos as feridas do Vosso amor invisível” (BR.). O objeto principal da devoção ao Sagrado Coração é, pois, o amor de Jesus: primeiro o amor incriado com que Ele, enquanto Verbo, juntamente com o Pai e o Espírito Santo, nos amou desde a eternidade e pelo qual, desde a eternidade, decidiu incarnar para a nossa salvação; e depois, o amor criado, de caridade, com que nos amou enquanto Homem até morrer por nós na cruz, merecendo-nos, com o Seu amor, aquela mesma caridade com a qual pudéssemos corresponder ao Seu amor. É este o sentido mais profundo da devoção ao Sagrado Coração, sentido tão bem compreendido por Sta Teresa Margarida do Coração de Jesus que fez desta devoção o centro da sua vida. A Santa – dizem os processos – “considerava o Coração de Jesus como o centro [a fonte] do amor em que o Verbo Divino, no seio do Pai, nos amou por toda a eternidade merecendo-nos que, participando desse mesmo amor, pudéssemos corresponder ao Seu amor na terra e no céu” (Sp. pg. 182).
2 – As outras devoções ao Redentor têm por objeto mistérios ou aspectos particulares da Sua vida, como por exemplo a Incarnação, a vida oculta, a Paixão, etc.; mas a devoção ao Sagrado Coração visa um objeto mais geral: o amor de Jesus, amor que constitui o motivo profundo e essencial de todos os Seus mistérios, que é a causa primeira e única de tudo quanto Ele fez por nós. Sob este aspecto, a devoção ao sagrado Coração toca, por assim dizer, no fundo de todos os mistérios do redentor, toca no fundo essencial da Sua vida, da Sua Pessoa: é o amor que explica a Incarnação do Verbo, é o amor que explica a existência do Homem-Deus, é o amor que explica a Sua Paixão, a Sua Eucaristia. É impossível compreender o mistério pelo qual o Filho de Deus Se fez carne, morreu na cruz para salvar os homens que impeliu Deus – O Altíssimo, o Criador – a encontrar a forma de Se dar todo pela salvação da Sua criatura. A Igreja exprime-se justamente neste sentido num dos hinos do Ofício do Sagrado Coração: “Amor coegit te tuus mortale corpus sumere“, o amor impeliu-Vos – ou antes, obrigou-Vos, se tomamos o vocábulo latino em toda a sua força – a tomar um corpo mortal para nos restituir o que o pecado de Adão nos havia tirado. E o hino continua, glorificando ora o amor eterno do Verbo, ora o amor humano de Jesus, amores que na realidade não se podem separar, como não se pode separa a Humanidade Santíssima de Jesus do Verbo que a assumiu. Jesus é simultaneamente Deus e Homem e assim, o Seu amor é ao mesmo tempo amor divino e amor humano; Jesus amou-nos e ama-nos continuamente como Deus e como Homem. O Seu amor humano, criado, é sublimado pelo amor eterno do Verbo, ou antes, converte-se no próprio amor do Verbo que o faz Seu como são Seus todos os sentimentos e ações de Cristo-Homem; e o Seu amor divino torna-se-nos sensível, compreensível, tangível, por meio da manifestação do Seu amor humano. É sempre a Humanidade de Jesus que nos revela a Sua Divindade e do mesmo modo que através desta Humanidade santíssima conhecemos o Filho de Deus, também através do amor humano de Jesus conhecemos o Seu amor divino.
Colóquio – “Para isto, ó Jesus, foi trespassado o Vosso lado: para que nos fosse facilitada a entrada. Foi ferido o Vosso Coração para que, livres das inquietações, pudéssemos habitar nele. mas foi ainda ferido para que através da chaga visível víssemos a chaga invisível do amor, porque quem arte em amor, é ferido pelo amor. Como podereis mostrar-nos melhor este Vosso amor ardente do que deixando uma lança dilacerar-Vos não só o corpo, mas até o Coração? A ferida corporal indica, portanto, a ferida espiritual.
“Quem, pois, não amará este Coração assim trespassado? Quem não corresponderá com amor a Quem tanto nos ama? Quem não abraçará um Esposo tão casto? Certamente, ó Senhor, corresponde-Vos com amor a alma que, sentindo-se ferida pelo Vosso amor, grita: ‘Estou ferida pela caridade’. Também nós, peregrinos na carne, na medida do possível, amamos, correspondemos com amor, abraçamos o nosso Ferido, a quem foram trespassados as mãos e os pés, o lado e o Coração. Amamos e oramos: ó Jesus, dignai-Vos atar com o laço e ferir com o dardo do Vosso amor o nosso coração, ainda duro e impenitente” (S. Boaventura).
“Ó Jesus, um dos soldados abriu-Vos o lado com uma lança para que, no Vosso lado aberto, conheçamos o amor do Vosso Coração, amor que chegou até à morte, e entremos nós também nesse amor inefável pelo qual viestes a nós. Aproxima-te, pois, alma minha, do Coração de Cristo, Coração grande, Coração secreto, Coração que em tudo pensa, Coração que tudo conhece, Coração que ama, ou antes, que arde em amor. Fazei-me compreender, Senhor, que a porta do Vosso Coração foi aberta pela veemência do amor e permiti-me entrar no esconderijo do Vosso amor, oculto desde a eternidade, mas revelado agora pela chaga do Vosso Coração” (cfr. S. Bernardino de Sena).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.