Direção para as almas timoratas: Confissão

Confissão, Pietro Longhi, por volta de 1750, public Domain - Wikimedia Commons

1 – A Confissão é um sacramento de misericórdia; devemos por isso aproximarmo-nos dele com uma piedosa alegria e inteira confiança. São Francisco de Sales ensina-nos que para os que se confessam todos os oito dias basta um quarto de hora de exame de consciência e pede menos para o ato de contrição. Muito menos tempo ainda basta aos que se confessam mais a miúdo.

2 – Se acontecer que esqueçais algumas faltas leves, nem por isso deixam de ser perdoadas. Eis aqui uma profunda observação do nosso Santo: “Não devemos inquietar-nos, quando nos não lembramos das faltas, para as confessarmos; porque não é crível que uma alma, que faz muitas vezes o seu exame, o não fala de modo que se lembre das suas faltas graves. Não devemos ser tão delicados que queiramos confessar tantas pequenas imperfeições, tantas faltas leves; um ato de humildade interior, um suspiro basta para as apagar.” Não digais que tendes pecados ocultos que não confessais. Isso é um artifício do demônio para vos inquietar. Recordai-vos ainda de que a relação minuciosa das vossas faltas não é o que as apaga, assim como uma enumeração exata das dívidas não satisfaz nada ao credor.

4 – A instrução seguinte de São Francisco de Sales será, pois, na prática, d’uma grande importância: “Quando não virdes claramente que destes alguma espécie de assentimento aos acessos da cólera ou de qualquer outra tentação, deveis dizê-lo no vosso entretenimento espiritual, afim de serdes instruído de como haveis de proceder; mas não o deveis dizer em modo de acusação. Porque se dizeis – acuso-me de ter tido durante dois dias grandes motivos de cólera, mas não consenti neles, dizeis as vossas virtudes em vez de dizerdes os vossos defeitos. Se estiverdes na dúvida de ter cometido alguma falta, deveis examinar seriamente se essa dúvida tem fundamento, e então falar dela com simplicidade. No caso contrário deveis calar-vos, ainda que sintais por isso algum pesar.”

5 – Este Santo não quer tão pouco que façamos certas acusações gerais, que muitas pessoas fazem por costume, e a que ele chama supérfluas. Por exemplo: de não ter amado a Deus e ao próximo tanto quanto era do nosso dever; de não ter dito as orações, de não ter recebido os sacramentos com respeito conveniente, e coisas semelhantes, porque, acrescenta ele, todos os Santos do Paraíso e todos os homens do mundo podiam dizer o mesmo, se se confessassem.

6 – Tende sempre presente ao espírito este aviso tão útil de São Francisco de Sales: “Não somos obrigados a confessar os pecados veniais; mas quando os confessamos devemos ter a resolução de nos emendarmos deles, aliás seria um abuso confessá-los.”

7 – Depois da confissão ficai tranquilo. É-vos absolutamente proibido deixar-vos vencer por temores a respeito do exame de consciência, da contrição, ou de qualquer outra coisa que seja. Estes temores são artifícios do vosso inimigo que deseja tornar-vos amargo um sacramento de consolação e de amor.

8 – Devemos arrepender-nos dos nossos pecados, mas não perturbar-nos por causa deles; o arrependimento é o efeito do amor de Deus; a perturbação é o efeito do amor próprio. No mesmo ato de sincero arrependimento devemos dar graças a Deus de, pela Sua misericórdia, não termos obrado pior. Promete-Lhe depois uma sincera emenda, não confiando senão na Sua bondade. Ainda que caísseis cem vezes por dia, deveis sempre esperar e prometer uma séria emenda. Num instante Deus pode transformar as pedras em verdadeiros filhos de Abraão, isto é, em grandes Santos. Assim o fará, se constantemente confiardes nEle.

9 – A dor dos pecados consiste na determinação da vontade, que detesta as faltas passadas e as não quer cometer mais para o futuro. Para a verdadeira contrição não é preciso lágrimas, nem suspiros, nem emoções sensíveis: podemos até ter em nosso coração uma contrição santa e justificante, no meio da maior aridez, que nos parecerá ser insensibilidade. Não vos deixeis vencer por nenhum temor a este respeito.

10 – Não façais nunca esforço algum para excitardes em vós a contrição; este esforço perturba e fadiga a alma, sem lhe dar o que ela procura. Pelo contrário estabelecei o vosso coração numa profunda paz, e dizei amorosamente ao vosso Deus que desejareis não O ter ofendido, e que com o Seu auxílio não quereis ofendê-lO. Ela é um efeito do amor, e o amor procede sempre com tranquilidade.

11 – São Francisco de Sales diz que o ato de contrição se faz num instante por dois rápidos olhares. Um sobre nós, com a detestação do pecado; outro sobre Deus, com a promessa de nos emendarmos na esperança do seu socorro. Um dos penitentes mais contritos foi Davi; e a sua contrição encerrou-se nesta palavra – pequei-peccavi; e, por esta só palavra justificou-se.

12 – Dizeis que quereis ter a contrição, mas que não podeis tê-la. São Francisco de Sales responder-vos: “É poder muito, poder querer. O desejo da contrição prova que há contrição. O fogo que está debaixo da cinza não se sente, não se vê, e, contudo, existe.” O desejo de sentir a contrição nasce muitas vezes duma complacência interesseira da nossa parte, que, não satisfeita de contentar a Deus, queria também contentar-se a si, e na sua sensibilidade pessoal ter a certeza do seu estado de graça e da sua virtude.

13 – Deus não vos faz conhecer a vossa contrição, para vos alcançar o mérito da obediência, a qual vos impõe o dever de ficardes em paz. Acreditai, pois, humildemente, obedecei plenamente, e obtereis uma dupla coroa. Muitas vezes os Santos mais elevados julgavam não ter contrição nem amor, mas no meio das suas trevas seguiam a luz da obediência com uma heroica submissão.

14 – Não julgueis que não tendes contrição ou que vos confessais mal, porque tornais a cair nas mesmas faltas. É preciso fazer distinção entre as faltas: devemos corrigir-nos com vigor das que nascem duma vontade depravada que ama o pecado, que quer o pecado, e deseja perseverar no pecado; mas as faltas que nascem da surpresa, da fraqueza, da fragilidade, acompanhar-nos-ão em toda parte até à morte. “Será muito, diz o nosso Santo, poder-nos curar de certos defeitos um quarto de hora antes de morrermos.” E em outra parte: “Devemos suportar não só as fraquezas do próximo, mas também as nossas, e ter paciência à vista das nossas imperfeições.” Procuremos emendar-nos, mas com paz e sem ansiedade, porque não podemos ser anjos antes do tempo.

15 – Nas vossas confissões acrescentai em geral alguma falta da vossa vida passada, de que experimenteis uma dor particular. Dizei por exemplo: Confesso-me dos pecados de impureza, de ódio, ou de vingança da vida passada. Deste modo a matéria necessária para o sacramento será muito mais certa.

16 – Repeli os temores de terdes omitido pecados nas vossas confissões gerais ou particulares, ou de os não ter declarado como devíeis; “A Igreja, que é interprete das vontades de Nosso Senhor Jesus Cristo, pede a integridade sacramental e não a integridade material. A primeira consiste na confissão dos pecados, de que nos lembramos, depois dum exame razoável e proporcionado ao estado atual da nossa alma. A integridade material consiste na declaração material de todos os pecados que cometemos, do seu número, das suas circunstâncias, sem omitir nenhuma. A Igreja pede a primeira integridade, porque não excede às nossas forças; mas não exige a segunda, sabemos muito bem que no nosso exame sempre nos escapará alguma coisa, ou sobre o número, ou sobre as circunstâncias. Em suma: Ela não pede aos fiéis senão uma confissão humilde e sincera de tudo o que lhe vem á lembrança depois dum exame conveniente; persuadida de que a boa vontade dos penitentes supre então a falta involuntária da sua memória.” É o pensamento do teólogo Jamin.

17 – Tendo satisfeito abundantemente à integridade sacramental; repeli, pois, todas as apreensões e dúvidas como verdadeiras tentações.

18 – Lembrai-vos ainda de que se vos parecer que não tendes aplicado ao vosso exame um cuidado conveniente, o confessor prudente supre essa falta pelas suas interrogações; e se ele não faz nenhuma, é porque tem conhecimento necessário da qualidade dos vossos pecados e do estado da vossa alma, que é o fim da acusação sacramental.

19 – Daí vem o erro dos que querem repetir as suas confissões gerais, com medo de não terem tido as disposições suficientes no exame ou na sua contrição; daí também a censurável facilidade dos confessores que se prestam a isso. Se devêssemos dar ouvido a semelhantes apreensões, seria preciso passar a vida inteira a renovar as confissões gerais, porque os mesmos receios se podem apresentar sempre, ainda nos maiores Santos; e assim a confissão se transformaria em verdadeiro cavalete, em tortura da alma; ora, isso é uma proposição herética, fulminada pelo Concílio de Trento.

20 – A doutrina de todos os Santos e de todos os teólogos esclarecidos é que depois de terdes feito a vossa confissão geral com sinceridade de coração e desejo de vos emendardes, deveis ficar tranquilo e não deveis repeti-la de modo algum. Aquele que obra de outra sorte traz à memória o que deveria esquecer, e perturba o espírito em vez de o sossegar. E depois, como diz também São Felipe Nery, “quanto mais se varre mais pó se levanta.”

21 – Para chegardes a tranquilizar a vossa alma, achareis um poderoso socorro neste sentido universal dos Santos “de que o temor do pecado deixa de ser salutar, quando é excessivo.”

Direção para Sossegar Nas Suas Dúvidas As Almas Timoratas pelo Rev. Pe. Quadrupani Barnabita, 1905.

Última atualização do artigo em 12 de março de 2025 por Arsenal Católico

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