O diálogo e a livre procura proposta pelo Concílio, são sintomas característicos do liberalismo do Vaticano II. Quiseram inventar novos métodos de apostolado para os não cristãos, deixando de lado o espírito missionário. É o que chamei de “apostasia dos princípios”, que caracteriza o espírito liberal. Ainda mais, o liberalismo que impregnou o concílio chegou até à traição, assinando a paz com os inimigos da Igreja. Quiseram fazer um concílio pacifista.
Lembrem como João XXIII, em sua alocução de abertura do Concílio, expôs a nova atitude que a Igreja devia ter com respeito aos erros que ameaçavam a doutrina: recordando que a Igreja nunca deixou de se opor aos erros e que freqüentemente os havia condenado com grande severidade, o Papa deixou claro, diz Wiltgen[239], que agora a Igreja prefere “utilizar o remédio da misericórdia antes que o rigor, e julgava oportuno, nas circunstâncias atuais, expor com mais amplidão a força de sua doutrina do que recorrer às condenações”. Não se trata somente de expressões lamentáveis que manifestam um pensamento bastante confuso, mas de um programa que expressa o pacifismo que caracterizou o Concílio.
É necessário, dizia-se, fazer a paz com os maçons, a paz com os comunistas, a paz com os protestantes. Deve-se acabar com estas guerras intermináveis, esta hostilidade permanente!
É o que havia dito Mons. Montini, então substituto na Secretaria de Estado, quando em uma de minhas visitas à Roma nos anos cinqüenta lhe pedi a condenação do “Rearmamento Moral”; ele respondeu: “Ah, não se deve estar sempre condenando, condenando! A Igreja parecerá uma madrasta!” Estas foram as palavras usadas por Mons. Montini, substituto do Papa Pio XII. Ainda me lembro como se fosse hoje. Portanto, não mais condenações, não mais anátemas! Pactuemos!
O Pacto Triplo
“Maçons, o que quereis?” O que solicitais de nós? Tal é a pergunta que o Cardeal Bea fez aos Bnai B’rith antes do começo do Concílio: a entrevista foi relatada por todos os jornais de Nova Iorque, onde ela se realizou. Os maçons responderam que queriam a “liberdade religiosa!”, o que quer dizer todas as religiões em plano de igualdade. A Igreja, de agora em diante, não há de ser chamada a única e verdadeira religião, o único caminho de salvação, a única admitida pelo Estado. Terminemos com estes privilégios inadmissíveis e declarai então a liberdade religiosa. Eles o conseguiram: foi a “Dignitatis Humanae”.
“Protestantes, o que quereis?” O que solicitais para que vos possamos satisfazer e rezar juntos? A resposta foi: Trocai vosso culto, retirai aquilo que não podemos admitir! Muito bem, lhes foi dito, inclusive os chamaremos quando formos elaborar a reformalitúrgica. Vós formulareis vossos desejos e a eles nós ajustaremos nosso culto! Assim aconteceu: foi a constituição sobre a liturgia “Sacrosanctum Concilium”, primeiro documento promulgado pelo Vaticano II, que dá os princípios e o programa detalhado da adaptação litúrgica, feita de acordo com o protestantismo[240]; depois o “Novus Ordo Missae” promulgado por Paulo VI em 1969.
“Comunistas, o que solicitais, para que possamos ter a felicidade de receber alguns representantes da Igreja Ortodoxa Russa no Concílio? Alguns emissário do K.G.B.!” A condição exigida pelo patriarca de Moscou, foi a seguinte: “Não condeneis o Comunismo no Concílio, não faleis neste tema!”. (Eu acrescentaria: sobretudo nada de consagrar a Rússia ao Oração Imaculado de Maria!) e também “manifestai a abertura do diálogo conosco”. E o acordo[241] se fez, a traição foi consumada: “Estamos de acordo, não condenaremos o comunismo!” Isto mesmo foi executado ao pé da letra: eu mesmo levei, juntamente com Mons. De Proença Sigaud, uma petição com 450 assinaturas de Padres conciliares ao Secretário do Concílio Mons. Felici, solicitando que o Concílio pronunciasse uma condenação da mais espantosa técnica de escravidão da história humana, o comunismo. Depois, como nada acontecia, perguntei onde estava nosso pedido. Procuraram e finalmente me responderam com uma desenvoltura que me deixou estupefato: “Seu pedido se extraviou numa gaveta…”[242]. E não se condenou o comunismo; ou melhor, o Concílio cuja intenção era discernir “os sinais dos tempos”, foi condenado por Moscou a guardar silêncio sobre o mais evidente e monstruoso dos sinais dos tempos atuais!
Está claro que houve no Concílio Vaticano II um entendimento com os inimigos da Igreja, para terminar com as hostilidades para com eles. É um entendimento com o diabo!
A Igreja Convertida para o Mundo
O espírito pacifista do Concílio me parece muito bem caracterizado pelo Papa Paulo VI, em seu discurso da última sessão pública do Vaticano II, em 17 de dezembro de 1965. A Igreja e o homem moderno, a Igreja e o mundo, são os temas considerados pelo Concílio que Paulo VI define maravilhosamente:
“A Igreja do Concílio, na verdade não se contentou em refletir sobre a própria natureza e sobre as relações que a unem a Deus; também se ocupou especialmente do homem, tal como na realidade se apresenta em nossa época, homem vivente, homem inteiramente preocupado consigo mesmo, o homem que não somente se faz centro de tudo que lhe interessa, mas que tem a audaz pretensão de ser o princípio e a razão última de toda realidade (…)”.
Segue-se uma enumeração das misérias do homem sem Deus e de suas falsas grandezas, e que termina assim:
“… o homem pecador e o homem santo; assim sucessivamente”.
Não tenho dúvida em afirmar que o Concílio levou a cabo a conversão da Igreja para o mundo. Vocês podem adivinhar quem foi o animador desta espiritualidade: basta que recordem daquele que Nosso Senhor Jesus Cristo chama de o Príncipe deste mundo.Eu pergunto, na verdade o que tem a ver o homem santo com esta coleção de imundícies? Principalmente porque Paulo VI recapitula o que acabava de descrever, citando o humanismo leigo e profano:
“O humanismo leigo e profano apareceu finalmente em enormes proporções, e de certo modo desafiou o Concílio. A religião do Deus que se fez homem, teve que enfrentar a religião (pois é uma) do homem que se fez Deus. O que aconteceu? Um choque, uma luta, um anátema? Isto poderia ter acontecido, mas não aconteceu. A velha história do Samaritano foi modelo da espiritualidade do Concílio. Uma ilimitada simpatia invadiu inteiramente o Concílio. A descoberta das necessidades humanas (tanto maiores quanto mais crescido é o filho da terra), absorveu a atenção de nosso Sínodo. Vós humanistas modernos, reconhecei-lhe pelo menos este mérito, e procurai reconhecer nosso novo humanismo: nós também, nós mais do que qualquer um, temos o culto do homem”.
Está assim explicado de um modo ingênuo e lírico, mas claro e terrível o que foi, não o espírito, mas a espiritualidade do Concílio: uma “simpatia ilimitada” pelo homem leigo, pelo homem sem Deus. Se ao menos houvesse sido para elevar o homem caído, mostrar-lhe suas chagas mortais para curá-lo com um remédio eficaz, para sará- lo e conduzi-lo ao interior da Igreja, para submetê-lo a seu Deus… Mas não! Foi para poder dizer ao mundo: a Igreja também tem o culto do homem.
Do Liberalismo à Apostasia – Mons. Marcel Lefebvre – Fonte: Dominus Est
239 Op. Cit. Pág. 15.
240 Os princípios da revolução litúrgica se encontravam nele, mas de modo que se passaram desapercebidos aos desavisados.
241 Entre o Cardeal Tisserant, mandatário do Papa João XXIII e Mons. Nicodeme, concluído em Metz em 1962 (Cf. Itineraires, abril de 1963, fevereiro de 1964, julho e agosto de 1984).
242 Cf. Wiltgen, pág. 269-274.